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PAULO ANTUNES Investigador integrado no Centro de Ética, Política e Sociedade (CEPS), Universidade do Minho. Pós-doc. financiado pelo projeto exploratório O Interesse Público. Uma Investigação Político-Filosófica/The Public Interest. A Politico-Philosophical Investigation (EXPL/FER-ETC/1226/2021; doi.org/10.54499/CEECINST/00157/2018/CP1643/CT0004), associado ao CEPS, 2023-2024. Doutor em Filosofia (bolseiro FCT: SFRH/BD/116938/2016) pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), 2017-2021. ________________________________ |
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS, DEMOCRACIA E LIBERDADE; OU, DA OPOSIÇÃO AO “INTERESSE PÚBLICO” AO “BEM COMUM” ROUSSEAUNIANO* |
Resumo: No presente artigo, vamos confrontar alguns dos argumentos que têm sido esgrimidos em desfavor do que pode ser entendido como um “interesse público” nas sociedades modernas; e qual o impasse registado no mesmo debate: nalguns quadrantes, tornou-se moda rejeitar o conceito de “interesse público”. Depois, vamos reler uma proposta de elevada significância para a tradição de pensamento até hoje – a de Jean-Jacques Rousseau (e uma outra proposta que deriva grandemente deste autor) –, que já nos indica outro caminho que não apenas o de um desfavorecimento: se não houvesse um ponto em que todos os interesses concordassem, nenhuma sociedade poderia existir. Com este processo terminado, devemos extrair algumas conclusões relacionadas com a preocupação ambiental que nos motiva o estudo.
Palavras-chave: Interesse comum; Sobrevivência climática; Valor(es). Abstract: In this article, we will confront some of the arguments that have been wielded against what can be understood as “public interest” in modern societies; and the impasse registered in the same debate: in some quarters, it has become fashionable to reject the concept of “public interest.” Then, we will revisit a proposal of high significance for the tradition of thought to date – that of Jean-Jacques Rousseau (and another proposal that greatly derives from this author) – which already points us in a direction other than just opposition: if there were not a point at which all interests agreed, no society could exist. With this process completed, we should draw some conclusions related to the environmental concern that motivates our study. Keywords: Climate survival; Common interest; Value(s). |
§1.
DECLARAÇÕES INICIAIS
Em tempo de profundas alterações climáticas, a questão pelas políticas públicas sustentáveis, orientadas para o ambiente, o clima e a Natureza, tem-se tornado cada vez mais premente e presente. Veja-se, a título de menção, como esta preocupação domina os dezoito objetivos colocados pela ONU. No nosso entendimento, sete destes estão diretamente relacionados (6, 7, 11, 12, 13, 14, 15), e os outros quase sempre indiretamente (p. ex., o 3 e o 9, quando não a generalidade dos restantes), com este quadro [1].
Portanto, esta não apenas tem sido uma preocupação generalizada, gradualmente desde os anos de 1970-80, transcrita ou transposta para distintos documentos e/ou cimeiras das mais diversas ocorrências e tipologias, como tem sido constante no estabelecimento de metas para o futuro e, com a máxima premência, para o mais imediato, entre a larga maioria das nações do mundo. Não interessando, de momento, o escrutínio dos diferentes níveis de envolvimento de cada uma.
Na verdade, este não é o espaço tribunício para se apontar o dedo aos variados fautores (sobretudo coletivos) de poluição atmosférica (do ar, da água e do solo), de toxicidade e contaminação global, inter alia, pois, para este tipo de circunstância, já nos encontramos suficientemente avisados: Xenofonte (1855: § 2, 8, 706) dizia que em Esparta era costume as pessoas (por outras traduções: as crianças) serem punidas, não por roubar, mas, realmente, por não saberem dissimular o roubo. Quer dizer, quantos agentes coletivos (governos, empresas públicas e, em especial, privadas, etc.) não saberão dissimular tão bem os seus resíduos poluentes, quase sempre pouco lícitos, para que não lhes caia o opróbrio ou a justiça em cima?
De outro modo, este texto pretende ser o espaço que do negativo tenta fazer sobressair o positivo: um interesse que seja comum à humanidade, ou, no mínimo, ao geral das suas – por vezes, tão divergentes – comunidades.
Em outras palavras, vamos confrontar alguns dos argumentos que têm sido esgrimidos em desfavor do que pode ser entendido como um “interesse público” nas sociedades modernas; qual o impasse registado (anunciado pela primeira epígrafe): nalguns quadrantes, tornou-se moda rejeitar o conceito de “interesse público”; e, depois, reler uma proposta de elevada significância para a tradição de pensamento até hoje – a de Jean-Jacques Rousseau (e um derivado deste) –, que (na segunda nota epigrafada) já nos indica outro caminho: se não houvesse um ponto em que todos os interesses concordassem, nenhuma sociedade poderia existir. Com este processo terminado, devemos extrair algumas conclusões relacionadas com a preocupação ambiental que nos motiva o estudo.
Para reduzir ao essencial, o combate contra as “alterações climáticas” de mão humana é geralmente entendido como sendo do “interesse público”, “comum”, mas nem sempre se procura questionar o que é, ou do que se trata, e como se apresenta, esse “interesse”, mesmo em relação a este problema concreto da sociedade hodierna. É este o exercício que nos incumbe, ainda que, por vezes, à vol d’oiseau, perante o tema amplo a que visamos dar resposta.
§ 2.
O “INTERESSE PÚBLICO” NÃO EXISTE: TRÊS ARGUMENTOS
Outras pistas podiam ter sido seguidas (p. ex., Schubert, 1958; e, Sorauf, 1962), no que tange à discussão do que se posiciona como uma postura desfavorável ao “interesse público”, ou melhor, a afirmação da sua não existência, porém, optámos – porque se trata de uma síntese suficientemente abarcante do que é concebido adversativamente – por adaptar a tripla definição que aparece num artigo mais recente de Stefano Moroni (2004: 152).
O autor italiano tem como ponto de partida o debate dentro da teoria do planeamento urbanístico, e não diretamente num âmbito político-filosófico, mas isso não obsta o nosso exercício teórico (nem mesmo o facto de o autor coincidir poucas vezes connosco quanto ao geral do que é considerado).
Os três pontos de vista aí levantados e que assestam a não existência de um “interesse público” opõem-se a: um “valor holístico” – “o interesse público não existe como um valor extra-individual” –; um “valor substantivo prevalecente” – “o interesse público não existe como um valor substantivo sempre preponderante”; e um “valor factual” – “o interesse público não existe como um facto” [2].
Por um lado, os dois primeiros pontos de vista correspondem ao que Leys e Perry (Held, 1970: 205) identificam como “interesse público substantivo”, e, o último, sem perder a mesma afinidade, ao que nesse espaço aparece identificado como “formal”. Não obstante, não iremos aprofundar esta ligação, fica apenas a pista.
Por outro, ainda que a doutrina do Utilitarismo pareça, em particular, visada com este levantamento de Moroni (que, por seu turno, pretende superar este ceticismo em relação ao “interesse público” por uma via que apresenta como “rawlsiana”), não é esse o objetivo do autor, nem o nosso, o de no final se ter garantido o engavetamento – ou, à guisa de um volte-face, acautelá-lo perante a crítica – do caso utilitarista. Não é este posicionamento filosófico que vai estar em estudo, mesmo quando seja novamente lembrado [3].
Vejamos cada argumento com o detalhe possível.
2.1.
A primeira afirmação pretende ilustrar a ideia de que não existe nada (substantivamente) supra ou extra individual, excluindo, com efeito, qualquer visão compreensiva de sociedade: o(s) indivíduo(s) deve(m) ser a única entidade moral a ter em conta, como um fim em si. Fora do entendimento dos indivíduos não há nenhuma reivindicação legitima para as comunidades, estruturas, etc. Moroni (2004: 154) estabelece a ligação desta argumentação adversativa com o “individualismo moral”.
Este tipo de “individualismo” pode ser definido pela ênfase que dispensa ao sujeito individual, não por se considerar a sua pertença de grupo, mas por se considerar as suas próprias características particulares. Quer dizer, se um indivíduo é tratado de um modo diferente de outro, isso deve acontecer por causa de determinadas caraterísticas de um e de outro, e não por este ou aquele indivíduo pertencer a este ou àquele grupo, nem sequer quando o grupo possa ser o dos “humanos” (Rachels, 1990: 173-174).
Por sinal, este sujeito é irredutível, semelhante a uma mónada e relaciona-se ao jeito de uma interação entre átomos, mesmo que os seus promotores por via de regra não o afirmem desta maneira. E como o “interesse público” é, normalmente, visto como alguma coisa que extrapola cada indivíduo, se nada há além de um relacionamento inter-individual, inalienável, logo, semelhante “interesse” não existe.
Para ilustrar esta questão, dificilmente se poderia encontrar melhor exemplo do que o aventado pelo próprio Moroni (Nozick apud 2004: 155): “‘[n]ão há nenhuma entidade social com um bem que se submeta a um sacrifício para o seu próprio bem. Existem apenas pessoas individuais, pessoas individuais diferentes, com as suas próprias vidas individuais’” [4].
Trata-se de uma recuperação filosófica que nos convida a recordar o papel que nas últimas décadas tem sido desempenhado, no plano económico, pelo mesmo tipo de “individualismo”, ou melhor, pela sua designação “metodológica” (“individualismo moral” e “metodológico” devem ser vistos como ramificações de um mesmo tronco “individualista”) [5]. Com este detour, trazemos à colação Friedrich Hayek.
O contributo deste influente economista (1958 [1948], passim) para este “individualismo” – cujo foco atual não visa outro objetivo que não re-conduzir a sociedade ao agente económico – traduz-se no conceito de “ação espontânea” (spontaneous action), o qual se liga à ideia de uma ordem económica (espontânea) não concebida por um plano, porquanto desenvolvida a partir de interações entre indivíduos racionais, devendo, p. ex., contribuir para uma atitude mais modesta da parte dos cientistas sociais, para que se evite o “cientismo” na análise [6].
O cotejo não vem por uma simples coincidência de propósitos ou arbitrariamente, deve-se, antes, ao facto de, nos últimos decénios, as políticas inspiradas por este e outros pensadores e economistas semelhantes estarem na base de uma desregulação das políticas públicas, em particular, as relacionadas com o ambiente, uma vez que a crença absoluta no “mercado livre” – autorregulado, ou entenda-se, praticamente desregulado (pois segue a fantasia de que todos os agentes possuem igual “racionalidade” perante as condições do mercado) – tem deixado nas mãos das empresas, e na dependência de haver ou não lucros, decisões vitais para o planeta.
É este o caminho que este tipo de objeção à existência de um “interesse público” nos parece apontar. A alternativa não pode ser esta.
2.2.
A segunda afirmação, a ideia de que “o interesse público não existe como um valor substantivo sempre prevalecente”, pretende significar que o “interesse público” não se trata de um valor substantivo “preponderante” e de “categoria superior”, uma vez que não deve ser possível distinguir-se um valor substantivo de outro: do ponto de vista ético, os interesses de indivíduos e grupos serão equivalentes. O que denota imediatamente um “relativismo” basilar.
A recusa de um “interesse público” que se estabelece por via desta crítica, entende que os defensores deste “interesse” têm por caráter “prevalecente” o que seja tido como: “universal”, “permanente”, “invariável” e “absoluto” (Moroni, 2004: 157 e 166 n.). Um “interesse” que corresponda a algum destes descritivos não pode existir, não respeita a diferença, logo, não pode haver “interesse público”.
Dito isto, é possível perceber-se que esta perspetiva crítica, prima facie, parece favorecer uma leitura contextual (no limite, até histórica), ao menos na medida em que recusa uma permanência absoluta. Todavia, o objetivo destes críticos não é a historicidade ou o devir, mas a relativização que deve impregnar a sociedade em lugar de alguma “universalidade”.
Perante o relativismo que sustenta este desfavorecimento, até se pode dar com a sua proximidade a algo tão subtil quanto o proposto por James (1908: 53) no preciso momento em que associou a “verdade” à “utilidade”, quando procurava aclarar o pragmatismo como uma conceção que relativizava a realidade em benefício de um sujeito particular, nomeadamente, o da “experiência” – as teorias tornam-se instrumentos, no lugar de respostas. Com efeito, pode-se associar igualmente que nenhum “interesse”, ou a satisfação deste, pode ser permanentemente útil.
No que ainda concerne a esta afirmação, é possível encontrar-se alguma conexão não apenas com o “individualismo” da anterior, mas, outrossim, com a defesa simultânea do pluralismo: o relativismo reconhece em absoluto a pluralidade de opiniões e pontos de vista. No entanto, é preciso ter em conta que o contrário já não se segue, pois, o pluralismo é mais bem explicado pelo consenso social, o que não implica aceitar-se a total equivalência dos argumentos que conduziram até aí [7].
Se o caminho que nos é apontado nos leva para uma quase equivalência entre o que pode ser uma política “pró-clima” e uma “anti-clima” (ou que, pelo menos, não o comtemple), então, a alternativa também não pode ser esta.
2.3.
A terceira e última afirmação – “o interesse público não existe como um facto” –, além de soar mais neutra no seu posicionamento, tem por base um argumento empírico (por sinal, perfunctório): há demasiada variedade (pluralidade) nas sociedades atuais para se sobrepor alguma coisa como um “interesse comum”, por isso, deve ser impossível um planeamento (alguma coisa) para benefício efetivamente geral (Moroni, 2004: 153). Não apenas acaba por recuperar a Framework liberal para este argumento, como o autor o apresenta como parte de uma “conceção realista do interesse público”.
Acresce a isto, além de um enquadramento “realista político” – precisamente pelo motivo factual –, o apoio, na sua formalidade, ao conteúdo expresso nos pontos anteriores. Se a adversativa antes visava diretamente qualquer caráter “extra-individual” ou “substantivo” do/para o “interesse público”, aqui visa-o indiretamente, o facto – a medida em causa – é o da “pluralidade”, e não o de um “interesse público” ou de outro tipo.
Mas é por o “facto” na tradição empírica – a que fundamenta a natureza destes argumentos – lograr uma suposta áurea mais neutra na análise, porque se pretende do âmbito de uma experiência mais imediata, que se podem encontrar aqui – no bulício desta argumentação – duas posturas adversativas, segundo a nossa leitura, mitigadas.
Por exemplo, quando este “realismo” compreende a sociedade não a partir de uma reciprocidade relacional dos diversos fatores intervenientes social e historicamente, mas a partir do que é dado imediatamente à análise, aos sentidos, ao senso comum [8], pode aceitar que por o ser humano se enredar em guerras, logo, a sua natureza é “má”, e, a sociedade, conflituosa, sem se procurar perceber (quase sempre) a natureza, as causas, do conflito (Hobbes, 1996 [1851]: 85 [I, ch. 13, § 13]). Pode tratar-se de uma adversativa mitigada porque é capaz de aceitar uma espécie de “interesse público” pela “preponderância da força” (Preponderance of Force, Held, 1970: 50 ss.), o que é o mesmo que dizer que não será exatamente um “interesse público”.
O outro exemplo que temos em mente, ainda sobre uma adversativa mitigada, atribuirá a preponderância à “opinião” (Opinion, Held, 1970: 57 ss., desta vez baseando-se em Hume), se ali era a “força” que forçava o “interesse público”, aqui é a força argumentativa que o compulsa, o que, igualmente, parece não ser bem um “interesse público” [9].
O certo é o facto plural, pela “força” ou pela “opinião”, não deixando espaço a alguma “substancialidade”, quando muito exorta-se à formalidade governativa: para o “realismo político” as políticas atuais são as possíveis, podendo ser aí o lugar máximo para o “interesse público”.
A alternativa, uma vez mais, não pode ser esta: a pluralidade social – uma vez, com relativa facilidade, aceite – não pode servir de efeito negativo, e tem de se orientar de outro modo que não se restrinja à “força” ou à “opinião”, quando não ao simplesmente “exequível”.
O fundamento teórico geral que permeia as conceções de “interesse público” tem sido conferido pela tradição liberal, mais vezes pela vertente económica do que social, explicitamente quando procura separar o político, tendencialmente público, do económico, tendencialmente privado, exortando à liberdade do setor particular e passando os encargos ao setor público. E isso é visto inclusivamente (para não dizer: precisamente) pelas críticas ao “interesse público”.
Quaisquer qualidades “extra-individuais”, “substanciais” e, mesmo, “factuais” (exceto se por uma pluralidade irredutível), não se conjugam bem com o tipo de perspetiva que tem suportado, em especial, o novo (neo!) liberalismo.
É, em vista disto, aceitável pensar-se que a cidade contemporânea (dentro do quadro do Estado moderno) – tendo juntado (historicamente, através de um processo determinado) uma grande quantidade de indivíduos e com interesses tão diferentes – tornou-se não somente num claro desafio à ideia de “interesse público” (e de planeamento, a principal preocupação do autor italiano), como as contradições sociais que a envolvem podem estar por detrás desta ideia desde a sua origem. Efetivamente, estas contradições têm alimentado posturas e políticas que só têm servido para desregular qualquer perspetiva mais orientada sobre o que fazer em relação ao clima (e bem para além deste).
§ 3.
A DIMENSÃO APORÉTICA DA QUESTÃO
Com ou sem ordenação de argumentos desfavoráveis ao “interesse público” – os quais fomos rejeitando e procurando expor os seus culs-de-sac –, o que é certo é que parece que paira um espetro aporético sobre as conceções que o procuram sustentar. Isto parece suceder-se mesmo quando não é o próprio “interesse público” a avantesma: “[…] a opinião mais proeminente [...] parece ser a de que o interesse público é um fantasma” (Lucy, 1988: 147) [10].
A insistência de uma adversativa, conjugada com uma patente polissemia, quando não uma ambiguidade definitória, no que respeita ao “interesse público”, permite que a dimensão aporética do tema ganhe força ou que o “interesse público”, pelo menos, se tenha de suspender (Braybrooke, 1962: 129) até maiores conclusões, tratando-se mesmo de um impasse difícil de superar [11].
Por vezes, algo como o “interesse público” parece que está apenas ao alcance de uma “sociedade de deuses” [12], ou, se nos quisermos manter em terrenos, em parte, mais mundanos, que o “desafio” lippmanniano é praticamente inultrapassável (a ver de seguida).
3.1.
No princípio da terceira década do século xx, Lippmann marcava o ritmo dos estudos mais especificamente focados na política, com o lançamento de Public Opinion, obra na qual os temas do “interesse”, do “interesse próprio” e de uma “vontade comum” já aparecem destacadamente (1998 [1922]: §§ 4-5) [13].
Mas é em meados do mesmo século, quando publica Essays in the Public Philosophy, que ele vai gizar, num capítulo precisamente intitulado de “public interest”, o que entende por este “interesse” – um balanço de “equações” ajustáveis entre o possível e o desejado –, enquanto lançava o desafio: “[…] pode presumir-se que o interesse público é o que os homens escolheriam se vissem claramente, pensassem racionalmente, agissem desinteressadamente e com benevolência” (1955: 42).
Com esta ideia, uma vez que o ser humano nem sempre ou poucas vezes parece corresponder a este padrão (no mesmo meio teórico, é o entendimento mais comum), o que ficava sublinhado era o caráter aporético do debate, a despeito de o autor acreditar, como dirá no mesmo espaço, que os “[o]s adultos vivos partilham […] o mesmo interesse público” [14].
3.2.
A “aporia” deve aparecer aqui como uma dificuldade lógica ou como uma hesitação calculada. A primeira, porque assomam dificuldades em fazer vingar uma conceção satisfatória, e, a segunda, porque, perante o supra indicado, parece não haver como não hesitar.
Por conseguinte, não será por acaso que a natureza paradoxal do tema não seja subestimada, e até seja várias vezes recordada: “[…] o paradoxo do interesse público reside no facto de os interesses e as motivações individuais estarem inter-relacionados com os interesses e as motivações comuns” (Stoker and Stoker, 2012: 32); ou que surjam desabafos como os seguintes, mesmo que não nos sentidos acima aviados: “[e]ste tema – ‘o interesse público’ [como] vago e confuso – é [por vários autores] copiosamente ilustrado […]” (Barry, 1964: 1) [15]; ou, ainda, quando um autor insiste, a dois tempos, sobre o “interesse público”, que espera ter mostrado que este “não é necessariamente impossível” e, pouco depois, que espera ter mostrado que “não precisa ser uma ilusão” (Pettit, 2004: 169), já demonstrando, com os dois apontamentos, a insegurança que existe quanto ao desiderato.
Vamos ter de entrar na parte mais positiva do nosso texto, se queremos realmente perceber se há alguma escapatória para o “interesse público”, e possibilidade de re-encontro com o tema das “alterações climáticas”.
§ 4.
O “INTERESSE PÚBLICO” EXISTE: O “REGISTO DO BEM COMUM” ROUSSEAUNIANO
No que diz respeito aos diferentes “registos de interesse público”, estes não estão totalmente isentos de interseção ou de transição entre uns e outros, e o caso de Benditt (1973: 294 e 311) poderá ser exemplar. Este autor parte deliberadamente de Bentham – proponente de um “registo agregativo” [16] –, aceitando adotar a posição do britânico, de que é “interesse público” se aumentar a “felicidade geral” em vez de a diminuir. Todavia, ao contrário deste, esta não deve ser entendida como “vantagem”, como “prazer”. E semelhante mudança de rumo leva o autor a terminar a sua reflexão já mais próximo de Rousseau: alguma coisa é do “interesse público”, não porque seja do interesse de cada membro do público, mas porque promove um interesse do público, i.e., um interesse de todos.
É com isto em mente que se pode compreender logo à partida que uma intersecção ou rede de “interesses privados” não seja satisfatória para um “registo” como o do “bem comum”, na medida em que aquela aceita a extração de algo como o “interesse público” de uma maioria que resulte do somado, do que possa ser mais útil para a maioria; quando o “bem comum” considera que os “interesses particulares” apenas se sobrepõem parcialmente, e, no momento em que a sobreposição é alargada, o mais certo é tornar-se instável (Pettit, 2012: 244).
Esta abordagem, embora remontando com mais nitidez a Rousseau, por via da “vontade geral” como condição ideal, e até moral, não se encontra muito longe de tocar algumas questões de outros “registos” (como o “unitário”, que volve a Platão e Aristóteles). Há, pois, interpretações para todos os gostos das principais obras do “cidadão de Genebra”.
Tomemos-lhe o pulso antes de se ensaiar uma tentativa de a re-focar.
4.1.
Sobre Rousseau muita tinta tem corrido desde que ele respondeu ao Concurso da Academia de Dijon, em meados do século xviii, e as contradições das diversas interpretações apenas espelham o quão paradoxal é a sua obra. No entanto, existem tópicos que logram suficiente concordância, como é o caso da sua posição acerca de um “interesse comum” (exceto se se recorrer ao Discours sur… l’inégalité (1754), aí o seu arrazoado parece tender para a impossibilidade de um “interesse público” que se satisfaça, ceteris paribus).
O “interesse comum” em Rousseau trata-se de uma abstração do que há de “comum” no meio da multiplicidade de “interesses particulares”: podendo ser “particulares”, não deixam de ter algo inalienavelmente “comum”. Conceção que difere, já se sabe, de uma “soma”, de uma “agregação”, de “interesses particulares”.
A passagem de Rousseau, tirada de o Contrat Social, e que nos antecipa o texto, é assaz elucidativa quando afirma que “a criação de sociedades é possível graças ao acordo dos mesmos interesses”, e quando refere que sem qualquer acordo, ou algo sobre que se possa acordar, então, “não haveria nenhuma sociedade”, i.e., algo em comum tem sido sempre possível de se alcançar, em razão de haver sociedade(s).
Na lógica da abstração encontram-se ideias como: os indivíduos, mesmo que não saibam o que é o seu interesse, isso nada retira ao que é o “interesse comum” real (sobrepõe-se uma certa dimensão objetiva a uma subjetiva); o que representa este tipo de “interesse” terá de beneficiar todos os indivíduos, pois independentemente de algum benefício mais direto ou indireto, é sempre algo que existe de comum a todos; e o benefício de uma minoria, desde que seja o melhor para todos, pode coincidir com o “interesse comum”, aceitando-se as duas premissas anteriores.
Para levar tudo isto a bom porto, o “bem comum” deve ser apanágio de todo o poder executivo, entendendo-se como a prova de uma boa governação. Complete-se a sugestão com as passagens que cercam a epígrafe já comentada neste ponto: “[…] só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado para o fim da sua instituição, que é o bem comum. [...] É unicamente com base neste interesse comum que a sociedade deve ser governada” (1915 [1762]: II. I, 39 e 40) [17].
Tudo isto se ancora na teoria que propõe um “pacto”, tratando-se este da manutenção em “liberdade civil” do que terá sido (não historicamente, apenas por hipótese) a “liberdade natural”, acrescentando a esta o reconhecimento de todos os que participam da mesma comunidade (a participação de todos enquanto membros de uma mesma comunidade ressoa, talvez não por acaso, em Barry [18]).
No entanto, sobressaem algumas limitações, a fórmula do pacto não deixou de ser insuficiente no que diz respeito à relação dos interesses particulares com o comum, o autor genebrino não facultou critérios pelos quais se pudesse ajuizar acerca do conteúdo do “interesse comum”, quer fosse do supostamente “original”, quer fosse de algum que se transformasse com o passar do tempo.
Crê-se que a falta de resposta a estas situações é o que tem motivado muitos autores a procurar propostas para a compreensão de um “interesse público” que siga as intuições que aqui se encontram como mais relevantes. Porém, procurando melhorar as suas consequências, afastar-se do espaço que é deixado: para uma “ditadura da minoria” (problema no reverso à proposta “agregativa”); para um totalitarismo da “vontade geral”; para um exercício de poder sobre o “interesse comum” em vez do inverso, inter alia [19].
4.2.
Um dos autores que atualmente mais tem sugerido o foco no “bem comum”, e, assim, seguindo, do seu modo, na esteira de Rousseau, é Philip Pettit, autor que entende que o ser humano ao ter de viver em conjunto, tem de ter como pressuposto normativo um interesse pós-social de partilha comum de certos bens em pé de igualdade.
Para ele, o “interesse comum” apenas pode ser satisfatório se todos os indivíduos que estão dentro de uma política puderem ser igualmente providos, apontando sobretudo para os serviços públicos universais (daí que a corrupção seja considerada como um grande mal). “Bens comuns” que não sejam rivais ou excludentes servem para entender o “interesse público”: escolas, hospitais, etc. (Santoro; Kumar, 2018: 64-65).
Consequentemente, Pettit dava conta de que o “bem comum”: “[…] deve ser identificado com os interesses comuns que as pessoas têm enquanto cidadãos – com os interesses públicos – e não com os interesses líquidos reconhecíveis que têm em comum”.
Mas para que o “interesse comum”, enquanto “interesse” de cidadãos com “interesses públicos”, sirva de alguma coisa: “[…] o interesse público deve ser identificado com as medidas – as práticas e políticas – que, segundo critérios publicamente admissíveis, respondem melhor do que as alternativas viáveis a considerações publicamente admissíveis”.
O “interesse público” deve ter em conta uma razão pública orientada para o que seja admissível, sobretudo se em comparação com outras alternativas, mesmo que exequíveis. Pettit acrescenta no seguimento, ao concluir o seu texto, que: “[…] as instituições de uma democracia eleitoral-contestatória oferecem a perspetiva de que o interesse público, assim concebido, possa prevalecer na vida política de uma sociedade” (2004: 169). Condição que deve servir para garantir que o princípio – de que é numa democracia eleitoral que tudo isto melhor se compreende – não caia numa espécie de “ditadura majoritarista” ou “elitista”.
O provimento geral dos “bens” deve ter estas questões em conta na hora de se atender ao “interesse público”. Isto acontece segundo a síntese que seguimos para a “abordagem do bem comum” e as evidentes reverberações rousseaunianas em Pettit.
4.3.
Não obstante o redireccionamento hodierno dos veios rousseaunianos, entendemos que Pettit se equivoca teoricamente ao colar Rousseau no outro lado da moeda. Entendendo-se a cunhagem original como potencialmente “totalitária”, por isso, oferecendo-se em alternativa, sem grande crítica, a “democracia liberal”, quando o problema, na verdade, deve residir noutro lado.
É-nos dito, por outro autor, que: “[n]ão há um interesse geral em Rousseau, mas um interesse comum” (sublinhados nossos, Bernardi, 2006: 275) [20]. Estando nós a entender o “interesse público” muito próximo ao que aqui aparece como “interesse geral” e o “bem comum” como o que aqui aparece como “interesse comum”. O que significa que, mais do que garantir critérios publicamente admissíveis (como Pettit indicava), há questões que não podem ser reduzidas a esses parâmetros, em especial se for com a intenção de definir o que é o “bem comum”.
Façamo-nos entender, o que pode acontecer pela via de um foco estreitamente democrático-liberal é reduzir-se o “bem comum” a uma “forma”, a um “critério”, e se este for mensurado pelo que é deliberado e discutido em praça pública, verificando as pulsações do público não pelos inalienáveis “bens comuns” – onde a questão do clima assume uma importância cabal para a toda a humanidade, sobretudo na era que tem sido identificada como a do “Antropoceno” –, mas pelas “opiniões” que se tornam dominantes, mediaticamente disseminadas, e que, as mais das vezes, podem coincidir com alguns tipos de negacionismo, ou exagero apocalíptico, etc., correndo-se o risco de perder o conteúdo.
Reiterada a recusa de uma “ditadura da opinião” (às vezes do “like”), voltamos, face ao supra, a insistir na recusa de uma tomada por “força”, no sentido que esta se afirme e parta exclusivamente ou sobretudo de cima, pois, por outro lado, mantemos próxima a ideia rousseauniana de uma democracia reforçada, não necessariamente direta, mas efetiva e desejavelmente participada. E só de uma quejanda democracia se pode extrair alguma força que comande as decisões e asserte nos “bens comuns”.
Portanto, uma das intuições de Rousseau não pode ser deitada fora com a água do banho, às vezes é preciso firmeza na tomada de algumas decisões (não confundir com “força”), mesmo que sejam impopulares e custem votos, pois a feitura de um “bem público” nem sempre coincidirá com o que é genericamente expetável ou maioritário plebiscitariamente. Como se entende, não vale tudo para se chegar aqui.
Não obstante, encontramos, igualmente, algo que possa ser mantido de Pettit, neste caso assentando na democracia “empowered” como a compreendemos advinda de Rousseau, com a ideia de um “interesse pós-social de partilha comum de certos bens em pé de igualdade”, salvaguardada a liberdade, não num sentido meramente abstrato, senão no concreto das políticas públicas amplamente assentidas e participadas.
A sociedade baseia-se não apenas nos “interesses” que podem coincidir, mas nos “bens” que são precisos ser assegurados – por esse motivo, devendo envolver o máximo de cidadãos e não apenas se encerrando o capítulo decisório às cúpulas, sempre mais permeáveis ao “interesse” menos “comum” –, entre os quais a sobrevivência climática das espécies existentes.
§ 5.
CONCLUSÃO
Entendemos poder terminar com o que se prenunciou no final do ponto anterior, ao jeito de um meio termo entre Rousseau e Pettit, cuja principal virtude para o nosso tema (e não só) nos parece ser, de um lado, o afastamento de traços mais metafísicos do genebrino, como o postulado de uma “vontade geral”, ou mais politicamente duvidosos, como a permeabilidade a um monopólio interpretativo do que é esta ou o “bem comum”, e, do outro, evadindo igualmente à tendência quase redutoramente plebiscitária de Pettit.
É preciso reforçar as democracias, ou efetivar as democracias, sobretudo onde têm medrado na sua aparência tão-somente (ou grandemente) formal, e manter, quando não aumentar a(s) liberdade(s). Aliás, como ali, esta(s) deve(m) ser efetivada(s). Não vale aceitar apenas um grande chapéu que tudo abarque sob o epíteto de um “livre-arbítrio”, é preciso mais.
Os diversos governos têm-se prestado quase exclusivamente a proteger o que é manifestamente aceite como “liberdade económica”, contudo, do ponto de vista do investidor, do empreendedor [21], e não do geral da sociedade, onde cada um também precisa de estar munido de melhores condições económicas para a sua própria vida, e não apenas de sobrevivência. Até de um ponto de vista da democracia e das políticas ambientais esta circunstância é valiosa, entenda-se: cidadãos em condições de alguma liberdade perante as necessidades mais básicas, tendem a envolver-se com outro denodo e participação na vida coletiva, do que quando a preocupação se limita ao breadwinning.
Estes são alguns pontos que devemos ter em conta quando refletimos sobre a conciliação entre a liberdade e a democracia, em especial se pensada a par das limitações de recursos naturais e das restrições às emissões de gases de efeito estufa, porquanto “[…] um governo atinge o seu último grau de corrupção, quando não tem outro impulso que não seja o dinheiro” (Rousseau, 1915 [1755]: 262) [22].
Se for preciso, num determinado período, não realizar mais-valia, não lucrar, ou gastar (verdadeiramente, investir), para que as políticas públicas salvaguardem o “bem comum”, designadamente, com vista à sobrevivência não-utópica da humanidade (não descurando o que se pode beneficiar do estudo “utopista para um mundo em mudança climática”, Thaler, 2022) [23], será preciso uma democracia robusta para que se tomem as medidas adequadas, para que não se ceda eleitoralmente ao que parece ser o mais adequado, entre outras limitações sobejamente perniciosas [24].
Apesar do balanço, não nos competiu apresentar alguma medida mais concreta, senão dissertar acerca do que pode ser entendido como “interesse público”, “comum”, ou melhor, como pensar uma proposta para este, conciliada com uma questão em particular, e, reduzindo-se tudo o mais que pudesse ser congeminado como sendo deste “interesse”, à sobrevivência climática. Deste modo, encontrando nesta um excelente exemplo do que pode ser um “bem comum” rousseauniano: a sobrevivência climática é necessária mesmo que nem todos o percebam; mesmo quando o é só para uma minoria (por exemplo, o caso de algumas populações que se atravessam numa necessidade global, mas para elas, particularmente, climática), e, sem uma Democracia preparada para isto, tudo se torna mais difícil.
É, a nosso ver, deste modo, que se pode gizar alguma alternativa à crítica de um “interesse público”, como se via na primeira parte do nosso trabalho, mas, também, com o qual se pode dar um passo (ainda preliminar) na direção oposta ao caráter aporético identificado.
Para terminar, retorquimos com uma questão: quantos mais desaires ambientais, como os causados pelas emissões de gases de efeito estufa, a subida das águas, os acidentes com derrames de petróleo ou com centrais nucleares, ou, “simplesmente”, por via de um planeamento do território negligente quando exposto a furacões, terramotos, entre demais eventos, serão precisos para que se chegue à mesma conclusão de João (9: 25): “eu era cego, e agora vejo!” (unum scio, quia cæcus cum essem modo video)?
DECLARAÇÕES INICIAIS
Em tempo de profundas alterações climáticas, a questão pelas políticas públicas sustentáveis, orientadas para o ambiente, o clima e a Natureza, tem-se tornado cada vez mais premente e presente. Veja-se, a título de menção, como esta preocupação domina os dezoito objetivos colocados pela ONU. No nosso entendimento, sete destes estão diretamente relacionados (6, 7, 11, 12, 13, 14, 15), e os outros quase sempre indiretamente (p. ex., o 3 e o 9, quando não a generalidade dos restantes), com este quadro [1].
Portanto, esta não apenas tem sido uma preocupação generalizada, gradualmente desde os anos de 1970-80, transcrita ou transposta para distintos documentos e/ou cimeiras das mais diversas ocorrências e tipologias, como tem sido constante no estabelecimento de metas para o futuro e, com a máxima premência, para o mais imediato, entre a larga maioria das nações do mundo. Não interessando, de momento, o escrutínio dos diferentes níveis de envolvimento de cada uma.
Na verdade, este não é o espaço tribunício para se apontar o dedo aos variados fautores (sobretudo coletivos) de poluição atmosférica (do ar, da água e do solo), de toxicidade e contaminação global, inter alia, pois, para este tipo de circunstância, já nos encontramos suficientemente avisados: Xenofonte (1855: § 2, 8, 706) dizia que em Esparta era costume as pessoas (por outras traduções: as crianças) serem punidas, não por roubar, mas, realmente, por não saberem dissimular o roubo. Quer dizer, quantos agentes coletivos (governos, empresas públicas e, em especial, privadas, etc.) não saberão dissimular tão bem os seus resíduos poluentes, quase sempre pouco lícitos, para que não lhes caia o opróbrio ou a justiça em cima?
De outro modo, este texto pretende ser o espaço que do negativo tenta fazer sobressair o positivo: um interesse que seja comum à humanidade, ou, no mínimo, ao geral das suas – por vezes, tão divergentes – comunidades.
Em outras palavras, vamos confrontar alguns dos argumentos que têm sido esgrimidos em desfavor do que pode ser entendido como um “interesse público” nas sociedades modernas; qual o impasse registado (anunciado pela primeira epígrafe): nalguns quadrantes, tornou-se moda rejeitar o conceito de “interesse público”; e, depois, reler uma proposta de elevada significância para a tradição de pensamento até hoje – a de Jean-Jacques Rousseau (e um derivado deste) –, que (na segunda nota epigrafada) já nos indica outro caminho: se não houvesse um ponto em que todos os interesses concordassem, nenhuma sociedade poderia existir. Com este processo terminado, devemos extrair algumas conclusões relacionadas com a preocupação ambiental que nos motiva o estudo.
Para reduzir ao essencial, o combate contra as “alterações climáticas” de mão humana é geralmente entendido como sendo do “interesse público”, “comum”, mas nem sempre se procura questionar o que é, ou do que se trata, e como se apresenta, esse “interesse”, mesmo em relação a este problema concreto da sociedade hodierna. É este o exercício que nos incumbe, ainda que, por vezes, à vol d’oiseau, perante o tema amplo a que visamos dar resposta.
§ 2.
O “INTERESSE PÚBLICO” NÃO EXISTE: TRÊS ARGUMENTOS
Outras pistas podiam ter sido seguidas (p. ex., Schubert, 1958; e, Sorauf, 1962), no que tange à discussão do que se posiciona como uma postura desfavorável ao “interesse público”, ou melhor, a afirmação da sua não existência, porém, optámos – porque se trata de uma síntese suficientemente abarcante do que é concebido adversativamente – por adaptar a tripla definição que aparece num artigo mais recente de Stefano Moroni (2004: 152).
O autor italiano tem como ponto de partida o debate dentro da teoria do planeamento urbanístico, e não diretamente num âmbito político-filosófico, mas isso não obsta o nosso exercício teórico (nem mesmo o facto de o autor coincidir poucas vezes connosco quanto ao geral do que é considerado).
Os três pontos de vista aí levantados e que assestam a não existência de um “interesse público” opõem-se a: um “valor holístico” – “o interesse público não existe como um valor extra-individual” –; um “valor substantivo prevalecente” – “o interesse público não existe como um valor substantivo sempre preponderante”; e um “valor factual” – “o interesse público não existe como um facto” [2].
Por um lado, os dois primeiros pontos de vista correspondem ao que Leys e Perry (Held, 1970: 205) identificam como “interesse público substantivo”, e, o último, sem perder a mesma afinidade, ao que nesse espaço aparece identificado como “formal”. Não obstante, não iremos aprofundar esta ligação, fica apenas a pista.
Por outro, ainda que a doutrina do Utilitarismo pareça, em particular, visada com este levantamento de Moroni (que, por seu turno, pretende superar este ceticismo em relação ao “interesse público” por uma via que apresenta como “rawlsiana”), não é esse o objetivo do autor, nem o nosso, o de no final se ter garantido o engavetamento – ou, à guisa de um volte-face, acautelá-lo perante a crítica – do caso utilitarista. Não é este posicionamento filosófico que vai estar em estudo, mesmo quando seja novamente lembrado [3].
Vejamos cada argumento com o detalhe possível.
2.1.
A primeira afirmação pretende ilustrar a ideia de que não existe nada (substantivamente) supra ou extra individual, excluindo, com efeito, qualquer visão compreensiva de sociedade: o(s) indivíduo(s) deve(m) ser a única entidade moral a ter em conta, como um fim em si. Fora do entendimento dos indivíduos não há nenhuma reivindicação legitima para as comunidades, estruturas, etc. Moroni (2004: 154) estabelece a ligação desta argumentação adversativa com o “individualismo moral”.
Este tipo de “individualismo” pode ser definido pela ênfase que dispensa ao sujeito individual, não por se considerar a sua pertença de grupo, mas por se considerar as suas próprias características particulares. Quer dizer, se um indivíduo é tratado de um modo diferente de outro, isso deve acontecer por causa de determinadas caraterísticas de um e de outro, e não por este ou aquele indivíduo pertencer a este ou àquele grupo, nem sequer quando o grupo possa ser o dos “humanos” (Rachels, 1990: 173-174).
Por sinal, este sujeito é irredutível, semelhante a uma mónada e relaciona-se ao jeito de uma interação entre átomos, mesmo que os seus promotores por via de regra não o afirmem desta maneira. E como o “interesse público” é, normalmente, visto como alguma coisa que extrapola cada indivíduo, se nada há além de um relacionamento inter-individual, inalienável, logo, semelhante “interesse” não existe.
Para ilustrar esta questão, dificilmente se poderia encontrar melhor exemplo do que o aventado pelo próprio Moroni (Nozick apud 2004: 155): “‘[n]ão há nenhuma entidade social com um bem que se submeta a um sacrifício para o seu próprio bem. Existem apenas pessoas individuais, pessoas individuais diferentes, com as suas próprias vidas individuais’” [4].
Trata-se de uma recuperação filosófica que nos convida a recordar o papel que nas últimas décadas tem sido desempenhado, no plano económico, pelo mesmo tipo de “individualismo”, ou melhor, pela sua designação “metodológica” (“individualismo moral” e “metodológico” devem ser vistos como ramificações de um mesmo tronco “individualista”) [5]. Com este detour, trazemos à colação Friedrich Hayek.
O contributo deste influente economista (1958 [1948], passim) para este “individualismo” – cujo foco atual não visa outro objetivo que não re-conduzir a sociedade ao agente económico – traduz-se no conceito de “ação espontânea” (spontaneous action), o qual se liga à ideia de uma ordem económica (espontânea) não concebida por um plano, porquanto desenvolvida a partir de interações entre indivíduos racionais, devendo, p. ex., contribuir para uma atitude mais modesta da parte dos cientistas sociais, para que se evite o “cientismo” na análise [6].
O cotejo não vem por uma simples coincidência de propósitos ou arbitrariamente, deve-se, antes, ao facto de, nos últimos decénios, as políticas inspiradas por este e outros pensadores e economistas semelhantes estarem na base de uma desregulação das políticas públicas, em particular, as relacionadas com o ambiente, uma vez que a crença absoluta no “mercado livre” – autorregulado, ou entenda-se, praticamente desregulado (pois segue a fantasia de que todos os agentes possuem igual “racionalidade” perante as condições do mercado) – tem deixado nas mãos das empresas, e na dependência de haver ou não lucros, decisões vitais para o planeta.
É este o caminho que este tipo de objeção à existência de um “interesse público” nos parece apontar. A alternativa não pode ser esta.
2.2.
A segunda afirmação, a ideia de que “o interesse público não existe como um valor substantivo sempre prevalecente”, pretende significar que o “interesse público” não se trata de um valor substantivo “preponderante” e de “categoria superior”, uma vez que não deve ser possível distinguir-se um valor substantivo de outro: do ponto de vista ético, os interesses de indivíduos e grupos serão equivalentes. O que denota imediatamente um “relativismo” basilar.
A recusa de um “interesse público” que se estabelece por via desta crítica, entende que os defensores deste “interesse” têm por caráter “prevalecente” o que seja tido como: “universal”, “permanente”, “invariável” e “absoluto” (Moroni, 2004: 157 e 166 n.). Um “interesse” que corresponda a algum destes descritivos não pode existir, não respeita a diferença, logo, não pode haver “interesse público”.
Dito isto, é possível perceber-se que esta perspetiva crítica, prima facie, parece favorecer uma leitura contextual (no limite, até histórica), ao menos na medida em que recusa uma permanência absoluta. Todavia, o objetivo destes críticos não é a historicidade ou o devir, mas a relativização que deve impregnar a sociedade em lugar de alguma “universalidade”.
Perante o relativismo que sustenta este desfavorecimento, até se pode dar com a sua proximidade a algo tão subtil quanto o proposto por James (1908: 53) no preciso momento em que associou a “verdade” à “utilidade”, quando procurava aclarar o pragmatismo como uma conceção que relativizava a realidade em benefício de um sujeito particular, nomeadamente, o da “experiência” – as teorias tornam-se instrumentos, no lugar de respostas. Com efeito, pode-se associar igualmente que nenhum “interesse”, ou a satisfação deste, pode ser permanentemente útil.
No que ainda concerne a esta afirmação, é possível encontrar-se alguma conexão não apenas com o “individualismo” da anterior, mas, outrossim, com a defesa simultânea do pluralismo: o relativismo reconhece em absoluto a pluralidade de opiniões e pontos de vista. No entanto, é preciso ter em conta que o contrário já não se segue, pois, o pluralismo é mais bem explicado pelo consenso social, o que não implica aceitar-se a total equivalência dos argumentos que conduziram até aí [7].
Se o caminho que nos é apontado nos leva para uma quase equivalência entre o que pode ser uma política “pró-clima” e uma “anti-clima” (ou que, pelo menos, não o comtemple), então, a alternativa também não pode ser esta.
2.3.
A terceira e última afirmação – “o interesse público não existe como um facto” –, além de soar mais neutra no seu posicionamento, tem por base um argumento empírico (por sinal, perfunctório): há demasiada variedade (pluralidade) nas sociedades atuais para se sobrepor alguma coisa como um “interesse comum”, por isso, deve ser impossível um planeamento (alguma coisa) para benefício efetivamente geral (Moroni, 2004: 153). Não apenas acaba por recuperar a Framework liberal para este argumento, como o autor o apresenta como parte de uma “conceção realista do interesse público”.
Acresce a isto, além de um enquadramento “realista político” – precisamente pelo motivo factual –, o apoio, na sua formalidade, ao conteúdo expresso nos pontos anteriores. Se a adversativa antes visava diretamente qualquer caráter “extra-individual” ou “substantivo” do/para o “interesse público”, aqui visa-o indiretamente, o facto – a medida em causa – é o da “pluralidade”, e não o de um “interesse público” ou de outro tipo.
Mas é por o “facto” na tradição empírica – a que fundamenta a natureza destes argumentos – lograr uma suposta áurea mais neutra na análise, porque se pretende do âmbito de uma experiência mais imediata, que se podem encontrar aqui – no bulício desta argumentação – duas posturas adversativas, segundo a nossa leitura, mitigadas.
Por exemplo, quando este “realismo” compreende a sociedade não a partir de uma reciprocidade relacional dos diversos fatores intervenientes social e historicamente, mas a partir do que é dado imediatamente à análise, aos sentidos, ao senso comum [8], pode aceitar que por o ser humano se enredar em guerras, logo, a sua natureza é “má”, e, a sociedade, conflituosa, sem se procurar perceber (quase sempre) a natureza, as causas, do conflito (Hobbes, 1996 [1851]: 85 [I, ch. 13, § 13]). Pode tratar-se de uma adversativa mitigada porque é capaz de aceitar uma espécie de “interesse público” pela “preponderância da força” (Preponderance of Force, Held, 1970: 50 ss.), o que é o mesmo que dizer que não será exatamente um “interesse público”.
O outro exemplo que temos em mente, ainda sobre uma adversativa mitigada, atribuirá a preponderância à “opinião” (Opinion, Held, 1970: 57 ss., desta vez baseando-se em Hume), se ali era a “força” que forçava o “interesse público”, aqui é a força argumentativa que o compulsa, o que, igualmente, parece não ser bem um “interesse público” [9].
O certo é o facto plural, pela “força” ou pela “opinião”, não deixando espaço a alguma “substancialidade”, quando muito exorta-se à formalidade governativa: para o “realismo político” as políticas atuais são as possíveis, podendo ser aí o lugar máximo para o “interesse público”.
A alternativa, uma vez mais, não pode ser esta: a pluralidade social – uma vez, com relativa facilidade, aceite – não pode servir de efeito negativo, e tem de se orientar de outro modo que não se restrinja à “força” ou à “opinião”, quando não ao simplesmente “exequível”.
O fundamento teórico geral que permeia as conceções de “interesse público” tem sido conferido pela tradição liberal, mais vezes pela vertente económica do que social, explicitamente quando procura separar o político, tendencialmente público, do económico, tendencialmente privado, exortando à liberdade do setor particular e passando os encargos ao setor público. E isso é visto inclusivamente (para não dizer: precisamente) pelas críticas ao “interesse público”.
Quaisquer qualidades “extra-individuais”, “substanciais” e, mesmo, “factuais” (exceto se por uma pluralidade irredutível), não se conjugam bem com o tipo de perspetiva que tem suportado, em especial, o novo (neo!) liberalismo.
É, em vista disto, aceitável pensar-se que a cidade contemporânea (dentro do quadro do Estado moderno) – tendo juntado (historicamente, através de um processo determinado) uma grande quantidade de indivíduos e com interesses tão diferentes – tornou-se não somente num claro desafio à ideia de “interesse público” (e de planeamento, a principal preocupação do autor italiano), como as contradições sociais que a envolvem podem estar por detrás desta ideia desde a sua origem. Efetivamente, estas contradições têm alimentado posturas e políticas que só têm servido para desregular qualquer perspetiva mais orientada sobre o que fazer em relação ao clima (e bem para além deste).
§ 3.
A DIMENSÃO APORÉTICA DA QUESTÃO
Com ou sem ordenação de argumentos desfavoráveis ao “interesse público” – os quais fomos rejeitando e procurando expor os seus culs-de-sac –, o que é certo é que parece que paira um espetro aporético sobre as conceções que o procuram sustentar. Isto parece suceder-se mesmo quando não é o próprio “interesse público” a avantesma: “[…] a opinião mais proeminente [...] parece ser a de que o interesse público é um fantasma” (Lucy, 1988: 147) [10].
A insistência de uma adversativa, conjugada com uma patente polissemia, quando não uma ambiguidade definitória, no que respeita ao “interesse público”, permite que a dimensão aporética do tema ganhe força ou que o “interesse público”, pelo menos, se tenha de suspender (Braybrooke, 1962: 129) até maiores conclusões, tratando-se mesmo de um impasse difícil de superar [11].
Por vezes, algo como o “interesse público” parece que está apenas ao alcance de uma “sociedade de deuses” [12], ou, se nos quisermos manter em terrenos, em parte, mais mundanos, que o “desafio” lippmanniano é praticamente inultrapassável (a ver de seguida).
3.1.
No princípio da terceira década do século xx, Lippmann marcava o ritmo dos estudos mais especificamente focados na política, com o lançamento de Public Opinion, obra na qual os temas do “interesse”, do “interesse próprio” e de uma “vontade comum” já aparecem destacadamente (1998 [1922]: §§ 4-5) [13].
Mas é em meados do mesmo século, quando publica Essays in the Public Philosophy, que ele vai gizar, num capítulo precisamente intitulado de “public interest”, o que entende por este “interesse” – um balanço de “equações” ajustáveis entre o possível e o desejado –, enquanto lançava o desafio: “[…] pode presumir-se que o interesse público é o que os homens escolheriam se vissem claramente, pensassem racionalmente, agissem desinteressadamente e com benevolência” (1955: 42).
Com esta ideia, uma vez que o ser humano nem sempre ou poucas vezes parece corresponder a este padrão (no mesmo meio teórico, é o entendimento mais comum), o que ficava sublinhado era o caráter aporético do debate, a despeito de o autor acreditar, como dirá no mesmo espaço, que os “[o]s adultos vivos partilham […] o mesmo interesse público” [14].
3.2.
A “aporia” deve aparecer aqui como uma dificuldade lógica ou como uma hesitação calculada. A primeira, porque assomam dificuldades em fazer vingar uma conceção satisfatória, e, a segunda, porque, perante o supra indicado, parece não haver como não hesitar.
Por conseguinte, não será por acaso que a natureza paradoxal do tema não seja subestimada, e até seja várias vezes recordada: “[…] o paradoxo do interesse público reside no facto de os interesses e as motivações individuais estarem inter-relacionados com os interesses e as motivações comuns” (Stoker and Stoker, 2012: 32); ou que surjam desabafos como os seguintes, mesmo que não nos sentidos acima aviados: “[e]ste tema – ‘o interesse público’ [como] vago e confuso – é [por vários autores] copiosamente ilustrado […]” (Barry, 1964: 1) [15]; ou, ainda, quando um autor insiste, a dois tempos, sobre o “interesse público”, que espera ter mostrado que este “não é necessariamente impossível” e, pouco depois, que espera ter mostrado que “não precisa ser uma ilusão” (Pettit, 2004: 169), já demonstrando, com os dois apontamentos, a insegurança que existe quanto ao desiderato.
Vamos ter de entrar na parte mais positiva do nosso texto, se queremos realmente perceber se há alguma escapatória para o “interesse público”, e possibilidade de re-encontro com o tema das “alterações climáticas”.
§ 4.
O “INTERESSE PÚBLICO” EXISTE: O “REGISTO DO BEM COMUM” ROUSSEAUNIANO
No que diz respeito aos diferentes “registos de interesse público”, estes não estão totalmente isentos de interseção ou de transição entre uns e outros, e o caso de Benditt (1973: 294 e 311) poderá ser exemplar. Este autor parte deliberadamente de Bentham – proponente de um “registo agregativo” [16] –, aceitando adotar a posição do britânico, de que é “interesse público” se aumentar a “felicidade geral” em vez de a diminuir. Todavia, ao contrário deste, esta não deve ser entendida como “vantagem”, como “prazer”. E semelhante mudança de rumo leva o autor a terminar a sua reflexão já mais próximo de Rousseau: alguma coisa é do “interesse público”, não porque seja do interesse de cada membro do público, mas porque promove um interesse do público, i.e., um interesse de todos.
É com isto em mente que se pode compreender logo à partida que uma intersecção ou rede de “interesses privados” não seja satisfatória para um “registo” como o do “bem comum”, na medida em que aquela aceita a extração de algo como o “interesse público” de uma maioria que resulte do somado, do que possa ser mais útil para a maioria; quando o “bem comum” considera que os “interesses particulares” apenas se sobrepõem parcialmente, e, no momento em que a sobreposição é alargada, o mais certo é tornar-se instável (Pettit, 2012: 244).
Esta abordagem, embora remontando com mais nitidez a Rousseau, por via da “vontade geral” como condição ideal, e até moral, não se encontra muito longe de tocar algumas questões de outros “registos” (como o “unitário”, que volve a Platão e Aristóteles). Há, pois, interpretações para todos os gostos das principais obras do “cidadão de Genebra”.
Tomemos-lhe o pulso antes de se ensaiar uma tentativa de a re-focar.
4.1.
Sobre Rousseau muita tinta tem corrido desde que ele respondeu ao Concurso da Academia de Dijon, em meados do século xviii, e as contradições das diversas interpretações apenas espelham o quão paradoxal é a sua obra. No entanto, existem tópicos que logram suficiente concordância, como é o caso da sua posição acerca de um “interesse comum” (exceto se se recorrer ao Discours sur… l’inégalité (1754), aí o seu arrazoado parece tender para a impossibilidade de um “interesse público” que se satisfaça, ceteris paribus).
O “interesse comum” em Rousseau trata-se de uma abstração do que há de “comum” no meio da multiplicidade de “interesses particulares”: podendo ser “particulares”, não deixam de ter algo inalienavelmente “comum”. Conceção que difere, já se sabe, de uma “soma”, de uma “agregação”, de “interesses particulares”.
A passagem de Rousseau, tirada de o Contrat Social, e que nos antecipa o texto, é assaz elucidativa quando afirma que “a criação de sociedades é possível graças ao acordo dos mesmos interesses”, e quando refere que sem qualquer acordo, ou algo sobre que se possa acordar, então, “não haveria nenhuma sociedade”, i.e., algo em comum tem sido sempre possível de se alcançar, em razão de haver sociedade(s).
Na lógica da abstração encontram-se ideias como: os indivíduos, mesmo que não saibam o que é o seu interesse, isso nada retira ao que é o “interesse comum” real (sobrepõe-se uma certa dimensão objetiva a uma subjetiva); o que representa este tipo de “interesse” terá de beneficiar todos os indivíduos, pois independentemente de algum benefício mais direto ou indireto, é sempre algo que existe de comum a todos; e o benefício de uma minoria, desde que seja o melhor para todos, pode coincidir com o “interesse comum”, aceitando-se as duas premissas anteriores.
Para levar tudo isto a bom porto, o “bem comum” deve ser apanágio de todo o poder executivo, entendendo-se como a prova de uma boa governação. Complete-se a sugestão com as passagens que cercam a epígrafe já comentada neste ponto: “[…] só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado para o fim da sua instituição, que é o bem comum. [...] É unicamente com base neste interesse comum que a sociedade deve ser governada” (1915 [1762]: II. I, 39 e 40) [17].
Tudo isto se ancora na teoria que propõe um “pacto”, tratando-se este da manutenção em “liberdade civil” do que terá sido (não historicamente, apenas por hipótese) a “liberdade natural”, acrescentando a esta o reconhecimento de todos os que participam da mesma comunidade (a participação de todos enquanto membros de uma mesma comunidade ressoa, talvez não por acaso, em Barry [18]).
No entanto, sobressaem algumas limitações, a fórmula do pacto não deixou de ser insuficiente no que diz respeito à relação dos interesses particulares com o comum, o autor genebrino não facultou critérios pelos quais se pudesse ajuizar acerca do conteúdo do “interesse comum”, quer fosse do supostamente “original”, quer fosse de algum que se transformasse com o passar do tempo.
Crê-se que a falta de resposta a estas situações é o que tem motivado muitos autores a procurar propostas para a compreensão de um “interesse público” que siga as intuições que aqui se encontram como mais relevantes. Porém, procurando melhorar as suas consequências, afastar-se do espaço que é deixado: para uma “ditadura da minoria” (problema no reverso à proposta “agregativa”); para um totalitarismo da “vontade geral”; para um exercício de poder sobre o “interesse comum” em vez do inverso, inter alia [19].
4.2.
Um dos autores que atualmente mais tem sugerido o foco no “bem comum”, e, assim, seguindo, do seu modo, na esteira de Rousseau, é Philip Pettit, autor que entende que o ser humano ao ter de viver em conjunto, tem de ter como pressuposto normativo um interesse pós-social de partilha comum de certos bens em pé de igualdade.
Para ele, o “interesse comum” apenas pode ser satisfatório se todos os indivíduos que estão dentro de uma política puderem ser igualmente providos, apontando sobretudo para os serviços públicos universais (daí que a corrupção seja considerada como um grande mal). “Bens comuns” que não sejam rivais ou excludentes servem para entender o “interesse público”: escolas, hospitais, etc. (Santoro; Kumar, 2018: 64-65).
Consequentemente, Pettit dava conta de que o “bem comum”: “[…] deve ser identificado com os interesses comuns que as pessoas têm enquanto cidadãos – com os interesses públicos – e não com os interesses líquidos reconhecíveis que têm em comum”.
Mas para que o “interesse comum”, enquanto “interesse” de cidadãos com “interesses públicos”, sirva de alguma coisa: “[…] o interesse público deve ser identificado com as medidas – as práticas e políticas – que, segundo critérios publicamente admissíveis, respondem melhor do que as alternativas viáveis a considerações publicamente admissíveis”.
O “interesse público” deve ter em conta uma razão pública orientada para o que seja admissível, sobretudo se em comparação com outras alternativas, mesmo que exequíveis. Pettit acrescenta no seguimento, ao concluir o seu texto, que: “[…] as instituições de uma democracia eleitoral-contestatória oferecem a perspetiva de que o interesse público, assim concebido, possa prevalecer na vida política de uma sociedade” (2004: 169). Condição que deve servir para garantir que o princípio – de que é numa democracia eleitoral que tudo isto melhor se compreende – não caia numa espécie de “ditadura majoritarista” ou “elitista”.
O provimento geral dos “bens” deve ter estas questões em conta na hora de se atender ao “interesse público”. Isto acontece segundo a síntese que seguimos para a “abordagem do bem comum” e as evidentes reverberações rousseaunianas em Pettit.
4.3.
Não obstante o redireccionamento hodierno dos veios rousseaunianos, entendemos que Pettit se equivoca teoricamente ao colar Rousseau no outro lado da moeda. Entendendo-se a cunhagem original como potencialmente “totalitária”, por isso, oferecendo-se em alternativa, sem grande crítica, a “democracia liberal”, quando o problema, na verdade, deve residir noutro lado.
É-nos dito, por outro autor, que: “[n]ão há um interesse geral em Rousseau, mas um interesse comum” (sublinhados nossos, Bernardi, 2006: 275) [20]. Estando nós a entender o “interesse público” muito próximo ao que aqui aparece como “interesse geral” e o “bem comum” como o que aqui aparece como “interesse comum”. O que significa que, mais do que garantir critérios publicamente admissíveis (como Pettit indicava), há questões que não podem ser reduzidas a esses parâmetros, em especial se for com a intenção de definir o que é o “bem comum”.
Façamo-nos entender, o que pode acontecer pela via de um foco estreitamente democrático-liberal é reduzir-se o “bem comum” a uma “forma”, a um “critério”, e se este for mensurado pelo que é deliberado e discutido em praça pública, verificando as pulsações do público não pelos inalienáveis “bens comuns” – onde a questão do clima assume uma importância cabal para a toda a humanidade, sobretudo na era que tem sido identificada como a do “Antropoceno” –, mas pelas “opiniões” que se tornam dominantes, mediaticamente disseminadas, e que, as mais das vezes, podem coincidir com alguns tipos de negacionismo, ou exagero apocalíptico, etc., correndo-se o risco de perder o conteúdo.
Reiterada a recusa de uma “ditadura da opinião” (às vezes do “like”), voltamos, face ao supra, a insistir na recusa de uma tomada por “força”, no sentido que esta se afirme e parta exclusivamente ou sobretudo de cima, pois, por outro lado, mantemos próxima a ideia rousseauniana de uma democracia reforçada, não necessariamente direta, mas efetiva e desejavelmente participada. E só de uma quejanda democracia se pode extrair alguma força que comande as decisões e asserte nos “bens comuns”.
Portanto, uma das intuições de Rousseau não pode ser deitada fora com a água do banho, às vezes é preciso firmeza na tomada de algumas decisões (não confundir com “força”), mesmo que sejam impopulares e custem votos, pois a feitura de um “bem público” nem sempre coincidirá com o que é genericamente expetável ou maioritário plebiscitariamente. Como se entende, não vale tudo para se chegar aqui.
Não obstante, encontramos, igualmente, algo que possa ser mantido de Pettit, neste caso assentando na democracia “empowered” como a compreendemos advinda de Rousseau, com a ideia de um “interesse pós-social de partilha comum de certos bens em pé de igualdade”, salvaguardada a liberdade, não num sentido meramente abstrato, senão no concreto das políticas públicas amplamente assentidas e participadas.
A sociedade baseia-se não apenas nos “interesses” que podem coincidir, mas nos “bens” que são precisos ser assegurados – por esse motivo, devendo envolver o máximo de cidadãos e não apenas se encerrando o capítulo decisório às cúpulas, sempre mais permeáveis ao “interesse” menos “comum” –, entre os quais a sobrevivência climática das espécies existentes.
§ 5.
CONCLUSÃO
Entendemos poder terminar com o que se prenunciou no final do ponto anterior, ao jeito de um meio termo entre Rousseau e Pettit, cuja principal virtude para o nosso tema (e não só) nos parece ser, de um lado, o afastamento de traços mais metafísicos do genebrino, como o postulado de uma “vontade geral”, ou mais politicamente duvidosos, como a permeabilidade a um monopólio interpretativo do que é esta ou o “bem comum”, e, do outro, evadindo igualmente à tendência quase redutoramente plebiscitária de Pettit.
É preciso reforçar as democracias, ou efetivar as democracias, sobretudo onde têm medrado na sua aparência tão-somente (ou grandemente) formal, e manter, quando não aumentar a(s) liberdade(s). Aliás, como ali, esta(s) deve(m) ser efetivada(s). Não vale aceitar apenas um grande chapéu que tudo abarque sob o epíteto de um “livre-arbítrio”, é preciso mais.
Os diversos governos têm-se prestado quase exclusivamente a proteger o que é manifestamente aceite como “liberdade económica”, contudo, do ponto de vista do investidor, do empreendedor [21], e não do geral da sociedade, onde cada um também precisa de estar munido de melhores condições económicas para a sua própria vida, e não apenas de sobrevivência. Até de um ponto de vista da democracia e das políticas ambientais esta circunstância é valiosa, entenda-se: cidadãos em condições de alguma liberdade perante as necessidades mais básicas, tendem a envolver-se com outro denodo e participação na vida coletiva, do que quando a preocupação se limita ao breadwinning.
Estes são alguns pontos que devemos ter em conta quando refletimos sobre a conciliação entre a liberdade e a democracia, em especial se pensada a par das limitações de recursos naturais e das restrições às emissões de gases de efeito estufa, porquanto “[…] um governo atinge o seu último grau de corrupção, quando não tem outro impulso que não seja o dinheiro” (Rousseau, 1915 [1755]: 262) [22].
Se for preciso, num determinado período, não realizar mais-valia, não lucrar, ou gastar (verdadeiramente, investir), para que as políticas públicas salvaguardem o “bem comum”, designadamente, com vista à sobrevivência não-utópica da humanidade (não descurando o que se pode beneficiar do estudo “utopista para um mundo em mudança climática”, Thaler, 2022) [23], será preciso uma democracia robusta para que se tomem as medidas adequadas, para que não se ceda eleitoralmente ao que parece ser o mais adequado, entre outras limitações sobejamente perniciosas [24].
Apesar do balanço, não nos competiu apresentar alguma medida mais concreta, senão dissertar acerca do que pode ser entendido como “interesse público”, “comum”, ou melhor, como pensar uma proposta para este, conciliada com uma questão em particular, e, reduzindo-se tudo o mais que pudesse ser congeminado como sendo deste “interesse”, à sobrevivência climática. Deste modo, encontrando nesta um excelente exemplo do que pode ser um “bem comum” rousseauniano: a sobrevivência climática é necessária mesmo que nem todos o percebam; mesmo quando o é só para uma minoria (por exemplo, o caso de algumas populações que se atravessam numa necessidade global, mas para elas, particularmente, climática), e, sem uma Democracia preparada para isto, tudo se torna mais difícil.
É, a nosso ver, deste modo, que se pode gizar alguma alternativa à crítica de um “interesse público”, como se via na primeira parte do nosso trabalho, mas, também, com o qual se pode dar um passo (ainda preliminar) na direção oposta ao caráter aporético identificado.
Para terminar, retorquimos com uma questão: quantos mais desaires ambientais, como os causados pelas emissões de gases de efeito estufa, a subida das águas, os acidentes com derrames de petróleo ou com centrais nucleares, ou, “simplesmente”, por via de um planeamento do território negligente quando exposto a furacões, terramotos, entre demais eventos, serão precisos para que se chegue à mesma conclusão de João (9: 25): “eu era cego, e agora vejo!” (unum scio, quia cæcus cum essem modo video)?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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XENOFONTE (1855). The Whole Works Xenophon. (Complete in One Volume). Transl. by A. Cooper, and Others. New York: Bangs, Brother, & Co
no. 05 // junho 2024
Artigo
FUNDAÇÃO RES PUBLICA
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
fundacaorespublica.pt
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
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*Este texto toma parte e revê alguns pontos da apresentação: “From urban planning theories to political philosophy: adversative take on the existence of a ‘public interest’”. 13th Braga Meetings in Ethics and Political Philosophy, 15 e 16 de junho de 2023, Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho. Org. Centro de Ética, Política e Sociedade (CEPS), subunidade orgânica de Investigação do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho; revê e desenvolve, noutro sentido, alguns apontamentos que podem ser encontrados em Marx e o Interesse Público. Lisboa: Editora Página a Página, 2024; e teve o financiamento de fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto «PL/FER-ETC/1226/2021».
1
17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). (Aproveita-se, já nesta nota, para indicar que, salvo se indicado o contrário em referências bibliográficas, todas as traduções de excertos são da responsabilidade do autor.)
2
Para efeito meramente expositivo, foi trocada a ordem pela qual a descrição aparece no texto de Moroni, e adverte-se ainda que não vamos apoiar cada ponto com os autores que ele utilizou, aparecerão poucos e quase sempre escolhidos por nós, pois o que importa é como cada uma das perspetivas se insinua dentro do debate mais amplo.
3
No entanto, como aperitivo para os pontos subsequentes, indica-se aqui o motivo que pode levar ao entendimento de que o Utilitarismo é visado: este tem a “felicidade”, o “prazer”, não como parte de um todo, mas de um “agregado”, que se pode aceitar, até certo ponto, como extra-individual; a “utilidade” como o fator substantivo a ter em conta para a finalidade das ações; e, a factualidade como confirmadora de que o ser humano busca prazer e utilidade, ou seja, esta condição será da ordem do facto, alegadamente, está à vista, e é da experiência humana, os indivíduos perseguirem a felicidade e o que lhes é mais útil.
4
«[...] there is no social entity with a good that undergoes some sacrifice for its own good. There are only individual people, different individual people, with their own individual lives».
5
“O individualismo metodológico defende que uma explicação adequada de uma regularidade ou fenómeno social se baseia em motivações e comportamentos individuais”. - “Methodological individualism holds that a proper explanation of a social regularity or phenomenon is grounded in individual motivations and behaviour (Basu, 2018: 8715).
6
Contributos que fazem quase lembrar umas famosas passagens de Mandeville (1824 [1714]: 36-37 [23-24]), que escrevia umas décadas antes do nosso principal autor – Rousseau – e no alvor da sociedade industrial que se veio a desenvolver. Esta lembrança surge, designadamente, quando ele escrevia sobre os benefícios sociais dos vícios, i.e., na contribuição destes para a “ordem”. O que veio a encontrar correspondência, entre outros autores, com Smith, Bentham e Malthus, alguns dos antepassados intelectuais de Hayek e Milton Friedman. E, eventualmente, também poderá encontrar correspondência com alguns dos “vícios” coetâneos.
7
O pluralismo, por seu turno, pode tender a considerar que o “interesse público” prevalece através do processo de negociação e compromisso. Este conceito serve uma doutrina normativa, tanto quanto uma análise comportamental, e tem sido diagnosticado como uma versão moderna do liberalismo clássico (Balbus, 1971: 154). No ponto imediatamente a seguir, vamos ver como o “pluralismo” também pode ser usado contra o “interesse público”.
8
Um exemplo lapidar do que aqui estamos a criticar pode ser encontrado na seguinte passagem: “[…] do mundo exterior, não sabemos nem podemos saber absolutamente nada, exceto as sensações que dele experimentamos”. - “[...] of the outward world, we know and can know absolutely nothing, except the sensations which we experience from it” (Mill, 1981 [1843]: 1, iii, § 7, 62).
9
Held considera-os como “registos do interesse público” debaixo do chapéu da dita “preponderância”, onde também coloca o “agregativo” normalmente associado a Bentham. O “registo deliberativo de interesse público” (p. ex., Habermas) vai atribuir bastante peso à “persuasão”, mas é nosso entendimento que nem o que se pode extrair de Hobbes, nem o que se extrai de Hume, pode corresponder realmente a alguma proposta clara de “interesse público”, senão também de modo mitigado.
10
“[...] the most prominent opinion [...] seems to be that the public interest is a Phantom”.
11
À partida deve oferecer pouca resistência a indicação de que o conceito de “interesse público” pode ser abrangido com suficiente propriedade pelo chapéu teórico que designa os “conceitos essencialmente contestados” (essentially contested concepts, Gallie, 1955-1956: 172 n.): “[q]ualquer conceito essencialmente contestado é suscetível de ser inicialmente ambíguo, [...] é persistentemente vago, uma vez que uma utilização correta do mesmo [...] não fornece a ninguém um guia seguro […] quanto à utilização seguinte [...]”. - “[a]ny essentially contested concept is liable initially to be ambiguous, […] is persistently vague, since a proper use […] affords no sure guide to anyone else […] in some future situation”.
12
Rousseau (1915 [1762], III. IV, p. 74) chamava a atenção para uma questão semelhante, quando se referia ao sistema democrático: “[s]e houvesse um povo de Deuses, ele governar-se-ia democraticamente. Um governo tão perfeito não convém aos homens”. - “S’il y avait un peuple de Dieux, il se gouvernerait démocratiquement. Un gouvernement si parfait ne convient pas à des hommes”.
13
O que não quer dizer que os antecedentes modernos de um pensar do “interesse público” não venham mais detrás, inclusivamente mais fluentes na língua francesa (Gunn, 2010, passim), mas a sua popularização, sobretudo na língua inglesa, é aqui que encontra uma das principais espoletas mobilizadoras.
14
“Living adults share, we must believe, the same public interest”.
15
“This theme – ‘the public interest’ is vague and confused – is copiously illustrated”.
16
Sinteticamente: para Bentham (1996 [1789]: 12 e 40), uma comunidade é simplesmente o “agregado” dos seus membros, de onde se segue que “[…] o interesse da comunidade é […] a soma dos interesses dos vários membros que a compõem” - “interest of the community is […] the sum of the interests of the several members who compose it”, tendendo para a busca de “felicidade” e “prazer”.
17
“[...] la volonté générale peut seule diriger les forces de l’État selon la fin de son institution, qui est le bien commun [...], c’est uniquement sur cet intérêt commun que la société doit être gouvernée”.
18
Barry foi um dos principais responsáveis pela vitalidade do debate nos anos de 1960, e uma das suas tiradas mais significativas dava conta do seguinte acerca do “interesse público”, este representa: “[…] ‘os interesses que as pessoas têm em comum qua membros do público’”. - “‘those interests which people have in common qua members of the public’”. (1967 [1965]: 190).
19
Tomem-se as críticas cum grano salis, se se ouvir com boa-vontade o que Rousseau (1915 [1762]: I. VI, 32) anunciava ser o seu objetivo: “‘[e]ncontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força da comunidade a pessoa e a propriedade de cada associado, e, pela qual, cada um, unindo-se a todos, obedeça apenas a si próprio e permaneça tão livre como antes”. - “‘Trouver une forme d’association qui defende et protège de toute la force commune la personne et les biens de chaque associé, et par laquelle chacun s’unissant à tous n’obéisse pourtant qu’à lui-même et reste aussi libre qu’auparavant’”.
20
“Il n’y a pas d’intérêt général chez Rousseau, mais un intérêt commun”.
21
O problema não é necessariamente de agora: “[…] o que será da virtude quando tivermos de enriquecer a qualquer preço? Os políticos de outrora falavam incessantemente de moral e de virtude; os nossos políticos só falam de comércio e de dinheiro.” - “[…] et que deviendra la vertu, quand il faudra s’enrichir à quelque prix que ce soit? Les anciens politiques parlaient sans cesse de mœurs et de vertu; les nôtres ne parlent que de commerce et d’argent” (Rousseau, 2012 [1750]: II. 11 [paginação irregular]).
22
“[…] un Gouvernement est parvenu à son dernier degré de corruption, quand il n’a plus d’autre nerf que l’argent.”
23
Porventura, para dar um primeiro empurrão, isto bastasse: “[…] a tributação progressiva sobre o património individual […] [pois esta] permite que o interesse geral recupere o controlo do capitalismo”. - “L’impôt progressif sur le patrimoine individuel […] reprendre le contrôle du capitalisme” (Piketty, 2013: 867).
24
No final do capítulo, que já pudemos observar, Lippmann (1955: 46) acrescentava uma leitura pouco abonatória para o processo democrático, que, bem ou mal, estará relacionado com o “interesse público”: “[…] a propensão normal dos governos democráticos é a de agradar ao maior número de eleitores. A pressão do eleitorado é normalmente a favor do lado suave das equações”. - “[…] the normal propensity of democratic governments is to please the largest number of voters. The pressure of the electorate is normally for the soft side of the equations”.
1
17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). (Aproveita-se, já nesta nota, para indicar que, salvo se indicado o contrário em referências bibliográficas, todas as traduções de excertos são da responsabilidade do autor.)
2
Para efeito meramente expositivo, foi trocada a ordem pela qual a descrição aparece no texto de Moroni, e adverte-se ainda que não vamos apoiar cada ponto com os autores que ele utilizou, aparecerão poucos e quase sempre escolhidos por nós, pois o que importa é como cada uma das perspetivas se insinua dentro do debate mais amplo.
3
No entanto, como aperitivo para os pontos subsequentes, indica-se aqui o motivo que pode levar ao entendimento de que o Utilitarismo é visado: este tem a “felicidade”, o “prazer”, não como parte de um todo, mas de um “agregado”, que se pode aceitar, até certo ponto, como extra-individual; a “utilidade” como o fator substantivo a ter em conta para a finalidade das ações; e, a factualidade como confirmadora de que o ser humano busca prazer e utilidade, ou seja, esta condição será da ordem do facto, alegadamente, está à vista, e é da experiência humana, os indivíduos perseguirem a felicidade e o que lhes é mais útil.
4
«[...] there is no social entity with a good that undergoes some sacrifice for its own good. There are only individual people, different individual people, with their own individual lives».
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“O individualismo metodológico defende que uma explicação adequada de uma regularidade ou fenómeno social se baseia em motivações e comportamentos individuais”. - “Methodological individualism holds that a proper explanation of a social regularity or phenomenon is grounded in individual motivations and behaviour (Basu, 2018: 8715).
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Contributos que fazem quase lembrar umas famosas passagens de Mandeville (1824 [1714]: 36-37 [23-24]), que escrevia umas décadas antes do nosso principal autor – Rousseau – e no alvor da sociedade industrial que se veio a desenvolver. Esta lembrança surge, designadamente, quando ele escrevia sobre os benefícios sociais dos vícios, i.e., na contribuição destes para a “ordem”. O que veio a encontrar correspondência, entre outros autores, com Smith, Bentham e Malthus, alguns dos antepassados intelectuais de Hayek e Milton Friedman. E, eventualmente, também poderá encontrar correspondência com alguns dos “vícios” coetâneos.
7
O pluralismo, por seu turno, pode tender a considerar que o “interesse público” prevalece através do processo de negociação e compromisso. Este conceito serve uma doutrina normativa, tanto quanto uma análise comportamental, e tem sido diagnosticado como uma versão moderna do liberalismo clássico (Balbus, 1971: 154). No ponto imediatamente a seguir, vamos ver como o “pluralismo” também pode ser usado contra o “interesse público”.
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Um exemplo lapidar do que aqui estamos a criticar pode ser encontrado na seguinte passagem: “[…] do mundo exterior, não sabemos nem podemos saber absolutamente nada, exceto as sensações que dele experimentamos”. - “[...] of the outward world, we know and can know absolutely nothing, except the sensations which we experience from it” (Mill, 1981 [1843]: 1, iii, § 7, 62).
9
Held considera-os como “registos do interesse público” debaixo do chapéu da dita “preponderância”, onde também coloca o “agregativo” normalmente associado a Bentham. O “registo deliberativo de interesse público” (p. ex., Habermas) vai atribuir bastante peso à “persuasão”, mas é nosso entendimento que nem o que se pode extrair de Hobbes, nem o que se extrai de Hume, pode corresponder realmente a alguma proposta clara de “interesse público”, senão também de modo mitigado.
10
“[...] the most prominent opinion [...] seems to be that the public interest is a Phantom”.
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À partida deve oferecer pouca resistência a indicação de que o conceito de “interesse público” pode ser abrangido com suficiente propriedade pelo chapéu teórico que designa os “conceitos essencialmente contestados” (essentially contested concepts, Gallie, 1955-1956: 172 n.): “[q]ualquer conceito essencialmente contestado é suscetível de ser inicialmente ambíguo, [...] é persistentemente vago, uma vez que uma utilização correta do mesmo [...] não fornece a ninguém um guia seguro […] quanto à utilização seguinte [...]”. - “[a]ny essentially contested concept is liable initially to be ambiguous, […] is persistently vague, since a proper use […] affords no sure guide to anyone else […] in some future situation”.
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Rousseau (1915 [1762], III. IV, p. 74) chamava a atenção para uma questão semelhante, quando se referia ao sistema democrático: “[s]e houvesse um povo de Deuses, ele governar-se-ia democraticamente. Um governo tão perfeito não convém aos homens”. - “S’il y avait un peuple de Dieux, il se gouvernerait démocratiquement. Un gouvernement si parfait ne convient pas à des hommes”.
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O que não quer dizer que os antecedentes modernos de um pensar do “interesse público” não venham mais detrás, inclusivamente mais fluentes na língua francesa (Gunn, 2010, passim), mas a sua popularização, sobretudo na língua inglesa, é aqui que encontra uma das principais espoletas mobilizadoras.
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“Living adults share, we must believe, the same public interest”.
15
“This theme – ‘the public interest’ is vague and confused – is copiously illustrated”.
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Sinteticamente: para Bentham (1996 [1789]: 12 e 40), uma comunidade é simplesmente o “agregado” dos seus membros, de onde se segue que “[…] o interesse da comunidade é […] a soma dos interesses dos vários membros que a compõem” - “interest of the community is […] the sum of the interests of the several members who compose it”, tendendo para a busca de “felicidade” e “prazer”.
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“[...] la volonté générale peut seule diriger les forces de l’État selon la fin de son institution, qui est le bien commun [...], c’est uniquement sur cet intérêt commun que la société doit être gouvernée”.
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Barry foi um dos principais responsáveis pela vitalidade do debate nos anos de 1960, e uma das suas tiradas mais significativas dava conta do seguinte acerca do “interesse público”, este representa: “[…] ‘os interesses que as pessoas têm em comum qua membros do público’”. - “‘those interests which people have in common qua members of the public’”. (1967 [1965]: 190).
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Tomem-se as críticas cum grano salis, se se ouvir com boa-vontade o que Rousseau (1915 [1762]: I. VI, 32) anunciava ser o seu objetivo: “‘[e]ncontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força da comunidade a pessoa e a propriedade de cada associado, e, pela qual, cada um, unindo-se a todos, obedeça apenas a si próprio e permaneça tão livre como antes”. - “‘Trouver une forme d’association qui defende et protège de toute la force commune la personne et les biens de chaque associé, et par laquelle chacun s’unissant à tous n’obéisse pourtant qu’à lui-même et reste aussi libre qu’auparavant’”.
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“Il n’y a pas d’intérêt général chez Rousseau, mais un intérêt commun”.
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O problema não é necessariamente de agora: “[…] o que será da virtude quando tivermos de enriquecer a qualquer preço? Os políticos de outrora falavam incessantemente de moral e de virtude; os nossos políticos só falam de comércio e de dinheiro.” - “[…] et que deviendra la vertu, quand il faudra s’enrichir à quelque prix que ce soit? Les anciens politiques parlaient sans cesse de mœurs et de vertu; les nôtres ne parlent que de commerce et d’argent” (Rousseau, 2012 [1750]: II. 11 [paginação irregular]).
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“[…] un Gouvernement est parvenu à son dernier degré de corruption, quand il n’a plus d’autre nerf que l’argent.”
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Porventura, para dar um primeiro empurrão, isto bastasse: “[…] a tributação progressiva sobre o património individual […] [pois esta] permite que o interesse geral recupere o controlo do capitalismo”. - “L’impôt progressif sur le patrimoine individuel […] reprendre le contrôle du capitalisme” (Piketty, 2013: 867).
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No final do capítulo, que já pudemos observar, Lippmann (1955: 46) acrescentava uma leitura pouco abonatória para o processo democrático, que, bem ou mal, estará relacionado com o “interesse público”: “[…] a propensão normal dos governos democráticos é a de agradar ao maior número de eleitores. A pressão do eleitorado é normalmente a favor do lado suave das equações”. - “[…] the normal propensity of democratic governments is to please the largest number of voters. The pressure of the electorate is normally for the soft side of the equations”.