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RUI SOUSA BASTO Doutorando em Filosofia na Universidade de Santiago de Compostela, Mestre em Filosofia Política pela Universidade do Minho, Pós-graduado em Gestão de Empresas pela Universidade Católica, Licenciado em Engenharia e Gestão Industrial pela Universidade Lusíada e Bacharel em Engenharia Química pelo Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, Rui Sousa Basto é consultor e formador. A sua dissertação de mestrado está publicada em livro pela Editora Húmus com o título “A Singularidade Humana do Antropoceno”, onde procura averiguar se o desafio ético-político das circunstâncias criadas por esta nova realidade geológica e cultural, resultante da força telúrica em que a humanidade se tornou, é acautelado pelas principais teorias do bem-estar humano. O seu objeto de investigação atual, tema da sua tese de doutoramento, estuda a possibilidade de existência de um estado de acrasia coletiva em relação ao desafio ético-político do Antropoceno. ________________________________ |
UM NOVO PARADIGMA DE DESENVOLVIMENTO PARA A ÉPOCA DO ANTROPOCENO |
Há toda a diferença do mundo entre o criminoso que evita o olhar do público e o participante na desobediência civil que toma a lei nas suas próprias mãos em aberta provocação. Esta distinção entre uma violação aberta da lei, efetuada em público, e uma violação clandestina só pode ser descurada por preconceito ou má vontade (Arendt, 1972/2017, p. 33).
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Arendt (1972/2017) separa ainda mais as águas, deixando clara a sua opinião sobre a diferença entre desobediência civil e criminal:
Além disso, o violador comum da lei, mesmo que pertença a uma organização criminosa, age para seu próprio benefício, apenas; recusa ser dominado pelo consentimento de todos os outros e cede apenas à violência das entidades que obrigam a cumprir a lei. O participante na desobediência civil, embora esteja habitualmente em desacordo com uma maioria, age em nome de um grupo; desafia a lei e as autoridades estabelecidas com o fundamento de um desacordo básico e não porque, como indivíduo, deseja criar uma exceção para si e sair impune. (p. 34).
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Muitos dos direitos de que os cidadãos usufruem hoje, como o direito à negociação coletiva ou o direito à greve resultam de processos de desobediência civil organizados, onde muitas vezes foram usados métodos violentos, tanto dos ativistas, quanto das autoridades policiais. Para Arendt (1972/2017), uma caraterística essencial da desobediência civil que a distingue da criminal é a não-violência. Os jovens ativistas climáticos têm plena consciência disso e fazem questão de sublinhar que as suas ações disruptivas são não violentas.
4.
A VERDADE DA POLÍTICA
Tudo leva a crer que a atitude desses jovens é apartidária, pois não são conhecidas ligações dos coletivos aos quais pertencem a organizações ou partidos políticos estabelecidos. Em boa verdade, nem isso faria sentido, dado que o seu discurso é antissistema, de recusa categórica do atual modelo de organização da sociedade. Eles estão informados sobre a possibilidade, não despicienda, do advento de uma catástrofe climática. É essa eventualidade que os levará a interrogar-se por que razão os decisores de cabelos grisalhos – gestores de empresas e líderes políticos – não tomam medidas para impedir que as ações humanas não ultrapassem os limites planetários estabelecidos pelas ciências da Terra até ao ponto de não-retorno. Os jovens estão convencidos de que os principais decisores da sociedade, tanto ao comando das empresas, quanto na liderança política estão conscientes de que Gaia caminha a passos largos para a sexta extinção em massa. Por isso não compreendem as razões que levam os que têm capacidade de decisão – principalmente decisão política – a absterem-se de tomar as medidas necessárias para impedir que esse cenário seja a realidade que terão de enfrentar no decurso das suas vidas. Para eles, a geração dos decisores de cabelos grisalhos está a faltar à verdade quando anuncia que as medidas assentes na economia verde são suficientes para impedir o desastre climático. Por isso os acusam de mentir quando os veem defender o conceito de desenvolvimento sustentável como a solução que permitirá debelar a crise climática sem ser necessário abdicar do modo de vida social, económico e político a que nos habituamos.
Harry Frankfurt assinala que os seres humanos não podem viver sem a verdade, «não apenas para sabermos como viver bem, mas também para sabermos como sobreviver» (Frankfurt, 2006/2017, p. 33). O filósofo americano afirma que sem a verdade não temos opinião sobre como as coisas realmente são, ou se temos opinião é certamente errada, porque as falsas convicções não contribuem em nada para enfrentarmos o que possa vir a suceder. No entanto, admite que possamos viver bem sem a verdade, mas apenas durante algum tempo:
4.
A VERDADE DA POLÍTICA
Tudo leva a crer que a atitude desses jovens é apartidária, pois não são conhecidas ligações dos coletivos aos quais pertencem a organizações ou partidos políticos estabelecidos. Em boa verdade, nem isso faria sentido, dado que o seu discurso é antissistema, de recusa categórica do atual modelo de organização da sociedade. Eles estão informados sobre a possibilidade, não despicienda, do advento de uma catástrofe climática. É essa eventualidade que os levará a interrogar-se por que razão os decisores de cabelos grisalhos – gestores de empresas e líderes políticos – não tomam medidas para impedir que as ações humanas não ultrapassem os limites planetários estabelecidos pelas ciências da Terra até ao ponto de não-retorno. Os jovens estão convencidos de que os principais decisores da sociedade, tanto ao comando das empresas, quanto na liderança política estão conscientes de que Gaia caminha a passos largos para a sexta extinção em massa. Por isso não compreendem as razões que levam os que têm capacidade de decisão – principalmente decisão política – a absterem-se de tomar as medidas necessárias para impedir que esse cenário seja a realidade que terão de enfrentar no decurso das suas vidas. Para eles, a geração dos decisores de cabelos grisalhos está a faltar à verdade quando anuncia que as medidas assentes na economia verde são suficientes para impedir o desastre climático. Por isso os acusam de mentir quando os veem defender o conceito de desenvolvimento sustentável como a solução que permitirá debelar a crise climática sem ser necessário abdicar do modo de vida social, económico e político a que nos habituamos.
Harry Frankfurt assinala que os seres humanos não podem viver sem a verdade, «não apenas para sabermos como viver bem, mas também para sabermos como sobreviver» (Frankfurt, 2006/2017, p. 33). O filósofo americano afirma que sem a verdade não temos opinião sobre como as coisas realmente são, ou se temos opinião é certamente errada, porque as falsas convicções não contribuem em nada para enfrentarmos o que possa vir a suceder. No entanto, admite que possamos viver bem sem a verdade, mas apenas durante algum tempo:
Talvez possamos viver durante algum tempo, abençoadamente ignorantes ou felizmente enganados, e dessas formas, apesar de todas as dificuldades que nos colocam em perigo, consigamos evitar durante algum tempo ficar particularmente tristes ou perturbados. No final, contudo, o mais provável é a nossa ignorância e as nossas convicções falsas tornarem piores as nossas circunstâncias. (p. 51).
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Arendt (1968/1995) afirma não existirem dúvidas sobre o mau relacionamento existente entre a verdade e a política, porque as mentiras são usadas amiúde para a substituição de meios mais violentos e, nessa medida, são relativamente inofensivas: «As mentiras foram sempre consideradas como instrumentos necessários e legítimos, não apenas na profissão de político ou demagogo, mas também na de homem de estado.» (p. 9). Para a autora, há uma distinção clara entre a verdade da razão, onde se incluem a verdade matemática, científica e filosófica, e a verdade de facto, porque ao contrário dos axiomas, descobertas e teorias, os factos e os acontecimentos são sempre instáveis, pois estão sujeitos às opiniões do cidadão e ao contexto em que são formulados. Por essa razão, Arendt (1968/1995) conclui que a simples opinião tornou-se o inverso da verdade e um dos alicerces fundamentais do poder (p. 17).
Compreende-se, assim, a indignação dos jovens ativistas climáticos. Eles sabem que a verdade científica deixa poucas dúvidas sobre o cenário apocalíptico que se avizinha se nada for feito que o contrarie (Richardson, 2023). No mundo académico, com exceção dos poucos negacionistas que ainda vão sobrevivendo, a unanimidade dos cientistas é robusta, pelo menos sobre o que sucederá se nada se fizer que altere o rumo da ação humana sobre o planeta. Portanto, a verdade científica está disponível em inúmeras fontes de informação para quem estiver interessado em conhecê-la. Sabendo disso, os jovens ativistas não perdoam aos decisores de cabelo grisalho por não fazerem o que eles acham que deve ser feito. Talvez concedam que o cidadão comum se alheie da verdade de facto e se quede pela simples opinião, assumindo que toda a responsabilidade deve recair sobre os decisores e não sobre os cidadãos. Arendt (1968/1995) observa que «(…) a verdade de facto não é mais evidente do que a opinião, e essa é talvez uma das razões pelas quais os detentores de opinião consideram relativamente fácil rejeitar a verdade de facto como se fosse uma outra opinião.» (p. 31).
Na verdade, a consciencialização do cidadão comum não tem sido tarefa fácil, mas é para o desenvolvimento dessa consciência coletiva que os ativistas climáticos radicais se manifestam. A sensibilização do grande público para as questões climáticas tem-se confrontado com sérias dificuldades, principalmente de comunicação. O exemplo do sociólogo britânico Anthony Giddens é esclarecedor quando faz a comparação entre as razões apresentadas no sentido de mobilizar o cidadão comum para o combate às alterações climáticas e os argumentos dos pais desejosos que o filho deixe de fumar porque esse vício ser-lhe-á prejudicial quando tiver 40 anos. Naturalmente, nenhum jovem de 16 anos se imagina com 40 anos a sofrer danos causados pelo tabaco (Giddens, 2009). Numa outra perspetiva, o sociólogo francês Jean Baudrillard fala de “Manutenção da Catástrofe” para explicar a apatia generalizada dos cidadãos sobre os perigos da crise climática, e sugere que essa indiferença é causada pela recusa dos seres-humanos a sentirem-se vítimas de acidentes naturais, porque estão convencidos de que só eles mesmos serão capazes de promover a sua própria extinção (1962, Baudrillard citado por Gouveia, 2017).
5.
ACRASIA COLETIVA
A indiferença da sociedade civil em relação às alterações climáticas pode ser explicada, em parte, pela complexidade do tema. Por um lado, o cidadão comum, ocupado com as múltiplas preocupações do quotidiano, não tem disponibilidade mental e emocional para se inquietar com assuntos que requerem análise, reflexão e produção de opiniões sustentadas (Latour, 2014). Por outro lado, esse alheamento pode residir na circunstância de o fenómeno do aquecimento global ser classificado como um hiperobjeto, o que significa que não poderá ser entendido na sua totalidade (Morton, 2013).
Nestas circunstâncias, poderemos estar em presença de um estado de acrasia coletiva. Embora o conceito filosófico de acrasia se refira à situação em que uma pessoa age contra o seu melhor julgamento ou conhecimento do que é correto, sendo assim comummente usado para descrever uma ação individual, há autores que admitem a possibilidade de existência do estado de acrasia coletiva, que sucede quando um grupo de pessoas ou uma comunidade sabe o que é racionalmente melhor para o interesse do grupo, mas age de maneira contrária a esse conhecimento.
Um exemplo de acrasia coletiva sucede quando uma comunidade reconhece que a proteção de um recurso natural, como um rio ou uma floresta, é importante para a população, mas nada faz para garantir a sua preservação, o que constitui uma falha na sua força de vontade coletiva. Esta fraqueza pode ser explicada por diversos fatores, entre os quais se contam conflitos de interesse, problemas de coordenação, falta de comprometimento, informação assimétrica, problemas de comunicação ou simplesmente falha em agir no melhor interesse do grupo.
O economista ecológico William E. Rees espanta-se por ninguém ouvir o clamor dos cientistas sobre os excessos da mão humana no sistema-Terra, incluindo os principais meios de comunicação social (Rees, 2023). Para o investigador canadiano, o problema poderá estar na incompetência cognitiva do homo sapiens, porque ainda opera com um cérebro essencialmente paleolítico que tende a pensar em termos de relação causa-efeito imediata, respondendo aos problemas de forma simplista. Este modo cognitivo, embora tenha sido adequado ao tempo pré-agrícola, não estará adaptado ao atual contexto acelerado de mudança caraterístico do mundo moderno e à complexidade do Antropoceno (p. 5).
No caso de os agentes coletivos serem agentes políticos, a acrasia coletiva talvez possa ser explicada, em parte, pelos interesses económicos em jogo, pela sua própria complexidade, pela pressão eleitoral a que os agentes políticos estão sujeitos e por um certo grau de incerteza científica, embora as dúvidas da comunidade científica tenham vindo a desvanecer-se e sejam agora residuais. Seja como for, essa incerteza (içada como bandeira pelos negacionistas do clima) tem vindo a impedir a implementação de medidas globais imediatas, o que favorece o adiamento de sacrifícios e custos de curto-prazo – além de mudanças no estilo de vida – para se alcançarem benefícios de longo-prazo, muitas vezes impercetíveis para o cidadão comum, mas que parecem ser essenciais para evitar o Antropoceno e regressar logo que possível ao bom funcionamento do sistema-Terra, ou seja, às condições do Holoceno.
Apesar das pressões dos ambientalistas, desde os adeptos do mainstream que, numa lógica reformista, clamam por uma economia verde assente no conceito de desenvolvimento sustentável, até aos ativistas climáticos radicais, de pendor revolucionário, será necessário avaliar com prudência os danos do abandono drástico dos combustíveis fósseis, pois é em torno deles, em larga medida, que a sociedade se encontra organizada. Para Rees (2023) «(…) medidas agressivas para reduzir a utilização de combustíveis fósseis (…) constituiriam um suicídio político (se não social) na ausência de alternativas energéticas viáveis e de um plano abrangente de reestruturação socioeconómica com apoio público.» (p. 10). Com pragmatismo, Rees (2023) admite que um corte intempestivo nos combustíveis fósseis resultaria no caos económico, designadamente na redução da produção de bens, no aumento do desemprego, na diminuição dos rendimentos, no incremento da fome e das migrações massivas, em surtos de desobediência civil e criminal e até em guerras resultantes da escassez de alimentos.
A humanidade encontra-se, assim, numa encruzilhada. Donna Haraway, historiadora da consciência, vê o Antropoceno como um evento-limite. Para a investigadora norte-americana, tudo deve ser feito para que a duração do Antropoceno seja breve, de modo a ser possível reconstituir os refúgios que garantiram a diversidade cultural e biológica dos ecossistemas, tal como Anna Tsing os identificou, mas que, entretanto, foram banidos por efeito do Antropoceno (Haraway, 2015).
6.
O BANCO DOS RÉUS
Apesar de a literatura apresentar várias narrativas do Antropoceno, tudo leva a crer que a abordagem ético-política que se vier a fazer sobre esse novo tempo geológico e cultural será disputada por duas fações antagónicas: de um lado, os adeptos da narrativa naturalista, apoiados no conceito de desenvolvimento sustentável, terra firme para a economia verde, onde se incluem os projetos faraónicos de geoengenharia; do outro lado, os partidários da narrativa eco-catastrofista – de que são exemplos os suficientistas e os decrescentistas, bem como figuras mediáticas como o Papa Francisco, o secretário-geral da ONU António Guterres ou a ativista climática Greta Thunberg (Basto, 2022) – que olham para o Antropoceno como um fim de linha, na crença de que não é possível crescer infinitamente num planeta finito. A narrativa eco-catastrofista admite a elevada probabilidade de vir a suceder um colapso ambiental e, por isso, advoga uma mudança radical do modo de vida à escala global através de alterações profundas aos padrões de consumo e produção (Bonneuil, 2015). O jogo entre estas duas fações principais realizar-se-á num tabuleiro de xadrez com apenas três peças, cada uma delas com capacidade para dar xeque-mate ao empreendimento humano: a sobrepopulação; o modelo económico-político capitalista de crescimento perpétuo, na sua atual versão neoliberal; e a tecnologia que emergiu das revoluções científica e industrial[3].
6.1.
SOBREPOPULAÇÃO
Os seres-humanos são um produto da evolução, da seleção natural darwiniana, tal como as outras espécies animais. Em condições ambientais favoráveis, a espécie humana partilha com todas as outras espécies três caraterísticas principais: tende a crescer exponencialmente, a consumir todos os recursos disponíveis e a expandir-se para todos os habitats acessíveis. (Rees, 2023).
Em consequência das revoluções científica e industrial, o crescimento da população mundial sofreu um incremento assinalável. Vejamos como Rees (2023) resume esse crescimento ao longo da existência humana:
Compreende-se, assim, a indignação dos jovens ativistas climáticos. Eles sabem que a verdade científica deixa poucas dúvidas sobre o cenário apocalíptico que se avizinha se nada for feito que o contrarie (Richardson, 2023). No mundo académico, com exceção dos poucos negacionistas que ainda vão sobrevivendo, a unanimidade dos cientistas é robusta, pelo menos sobre o que sucederá se nada se fizer que altere o rumo da ação humana sobre o planeta. Portanto, a verdade científica está disponível em inúmeras fontes de informação para quem estiver interessado em conhecê-la. Sabendo disso, os jovens ativistas não perdoam aos decisores de cabelo grisalho por não fazerem o que eles acham que deve ser feito. Talvez concedam que o cidadão comum se alheie da verdade de facto e se quede pela simples opinião, assumindo que toda a responsabilidade deve recair sobre os decisores e não sobre os cidadãos. Arendt (1968/1995) observa que «(…) a verdade de facto não é mais evidente do que a opinião, e essa é talvez uma das razões pelas quais os detentores de opinião consideram relativamente fácil rejeitar a verdade de facto como se fosse uma outra opinião.» (p. 31).
Na verdade, a consciencialização do cidadão comum não tem sido tarefa fácil, mas é para o desenvolvimento dessa consciência coletiva que os ativistas climáticos radicais se manifestam. A sensibilização do grande público para as questões climáticas tem-se confrontado com sérias dificuldades, principalmente de comunicação. O exemplo do sociólogo britânico Anthony Giddens é esclarecedor quando faz a comparação entre as razões apresentadas no sentido de mobilizar o cidadão comum para o combate às alterações climáticas e os argumentos dos pais desejosos que o filho deixe de fumar porque esse vício ser-lhe-á prejudicial quando tiver 40 anos. Naturalmente, nenhum jovem de 16 anos se imagina com 40 anos a sofrer danos causados pelo tabaco (Giddens, 2009). Numa outra perspetiva, o sociólogo francês Jean Baudrillard fala de “Manutenção da Catástrofe” para explicar a apatia generalizada dos cidadãos sobre os perigos da crise climática, e sugere que essa indiferença é causada pela recusa dos seres-humanos a sentirem-se vítimas de acidentes naturais, porque estão convencidos de que só eles mesmos serão capazes de promover a sua própria extinção (1962, Baudrillard citado por Gouveia, 2017).
5.
ACRASIA COLETIVA
A indiferença da sociedade civil em relação às alterações climáticas pode ser explicada, em parte, pela complexidade do tema. Por um lado, o cidadão comum, ocupado com as múltiplas preocupações do quotidiano, não tem disponibilidade mental e emocional para se inquietar com assuntos que requerem análise, reflexão e produção de opiniões sustentadas (Latour, 2014). Por outro lado, esse alheamento pode residir na circunstância de o fenómeno do aquecimento global ser classificado como um hiperobjeto, o que significa que não poderá ser entendido na sua totalidade (Morton, 2013).
Nestas circunstâncias, poderemos estar em presença de um estado de acrasia coletiva. Embora o conceito filosófico de acrasia se refira à situação em que uma pessoa age contra o seu melhor julgamento ou conhecimento do que é correto, sendo assim comummente usado para descrever uma ação individual, há autores que admitem a possibilidade de existência do estado de acrasia coletiva, que sucede quando um grupo de pessoas ou uma comunidade sabe o que é racionalmente melhor para o interesse do grupo, mas age de maneira contrária a esse conhecimento.
Um exemplo de acrasia coletiva sucede quando uma comunidade reconhece que a proteção de um recurso natural, como um rio ou uma floresta, é importante para a população, mas nada faz para garantir a sua preservação, o que constitui uma falha na sua força de vontade coletiva. Esta fraqueza pode ser explicada por diversos fatores, entre os quais se contam conflitos de interesse, problemas de coordenação, falta de comprometimento, informação assimétrica, problemas de comunicação ou simplesmente falha em agir no melhor interesse do grupo.
O economista ecológico William E. Rees espanta-se por ninguém ouvir o clamor dos cientistas sobre os excessos da mão humana no sistema-Terra, incluindo os principais meios de comunicação social (Rees, 2023). Para o investigador canadiano, o problema poderá estar na incompetência cognitiva do homo sapiens, porque ainda opera com um cérebro essencialmente paleolítico que tende a pensar em termos de relação causa-efeito imediata, respondendo aos problemas de forma simplista. Este modo cognitivo, embora tenha sido adequado ao tempo pré-agrícola, não estará adaptado ao atual contexto acelerado de mudança caraterístico do mundo moderno e à complexidade do Antropoceno (p. 5).
No caso de os agentes coletivos serem agentes políticos, a acrasia coletiva talvez possa ser explicada, em parte, pelos interesses económicos em jogo, pela sua própria complexidade, pela pressão eleitoral a que os agentes políticos estão sujeitos e por um certo grau de incerteza científica, embora as dúvidas da comunidade científica tenham vindo a desvanecer-se e sejam agora residuais. Seja como for, essa incerteza (içada como bandeira pelos negacionistas do clima) tem vindo a impedir a implementação de medidas globais imediatas, o que favorece o adiamento de sacrifícios e custos de curto-prazo – além de mudanças no estilo de vida – para se alcançarem benefícios de longo-prazo, muitas vezes impercetíveis para o cidadão comum, mas que parecem ser essenciais para evitar o Antropoceno e regressar logo que possível ao bom funcionamento do sistema-Terra, ou seja, às condições do Holoceno.
Apesar das pressões dos ambientalistas, desde os adeptos do mainstream que, numa lógica reformista, clamam por uma economia verde assente no conceito de desenvolvimento sustentável, até aos ativistas climáticos radicais, de pendor revolucionário, será necessário avaliar com prudência os danos do abandono drástico dos combustíveis fósseis, pois é em torno deles, em larga medida, que a sociedade se encontra organizada. Para Rees (2023) «(…) medidas agressivas para reduzir a utilização de combustíveis fósseis (…) constituiriam um suicídio político (se não social) na ausência de alternativas energéticas viáveis e de um plano abrangente de reestruturação socioeconómica com apoio público.» (p. 10). Com pragmatismo, Rees (2023) admite que um corte intempestivo nos combustíveis fósseis resultaria no caos económico, designadamente na redução da produção de bens, no aumento do desemprego, na diminuição dos rendimentos, no incremento da fome e das migrações massivas, em surtos de desobediência civil e criminal e até em guerras resultantes da escassez de alimentos.
A humanidade encontra-se, assim, numa encruzilhada. Donna Haraway, historiadora da consciência, vê o Antropoceno como um evento-limite. Para a investigadora norte-americana, tudo deve ser feito para que a duração do Antropoceno seja breve, de modo a ser possível reconstituir os refúgios que garantiram a diversidade cultural e biológica dos ecossistemas, tal como Anna Tsing os identificou, mas que, entretanto, foram banidos por efeito do Antropoceno (Haraway, 2015).
6.
O BANCO DOS RÉUS
Apesar de a literatura apresentar várias narrativas do Antropoceno, tudo leva a crer que a abordagem ético-política que se vier a fazer sobre esse novo tempo geológico e cultural será disputada por duas fações antagónicas: de um lado, os adeptos da narrativa naturalista, apoiados no conceito de desenvolvimento sustentável, terra firme para a economia verde, onde se incluem os projetos faraónicos de geoengenharia; do outro lado, os partidários da narrativa eco-catastrofista – de que são exemplos os suficientistas e os decrescentistas, bem como figuras mediáticas como o Papa Francisco, o secretário-geral da ONU António Guterres ou a ativista climática Greta Thunberg (Basto, 2022) – que olham para o Antropoceno como um fim de linha, na crença de que não é possível crescer infinitamente num planeta finito. A narrativa eco-catastrofista admite a elevada probabilidade de vir a suceder um colapso ambiental e, por isso, advoga uma mudança radical do modo de vida à escala global através de alterações profundas aos padrões de consumo e produção (Bonneuil, 2015). O jogo entre estas duas fações principais realizar-se-á num tabuleiro de xadrez com apenas três peças, cada uma delas com capacidade para dar xeque-mate ao empreendimento humano: a sobrepopulação; o modelo económico-político capitalista de crescimento perpétuo, na sua atual versão neoliberal; e a tecnologia que emergiu das revoluções científica e industrial[3].
6.1.
SOBREPOPULAÇÃO
Os seres-humanos são um produto da evolução, da seleção natural darwiniana, tal como as outras espécies animais. Em condições ambientais favoráveis, a espécie humana partilha com todas as outras espécies três caraterísticas principais: tende a crescer exponencialmente, a consumir todos os recursos disponíveis e a expandir-se para todos os habitats acessíveis. (Rees, 2023).
Em consequência das revoluções científica e industrial, o crescimento da população mundial sofreu um incremento assinalável. Vejamos como Rees (2023) resume esse crescimento ao longo da existência humana:
(…) anatomicamente, os humanos modernos existem há cerca de 250.000 anos. Durante a maior parte deste período, a curva de crescimento populacional foi essencialmente plana. Houve um aumento global quase impercetível à medida que o homo sapiens se espalhou de África para o resto do planeta ao longo dos últimos 50 milénios, e um aumento modesto com a adoção da agricultura há 10 milénios (…). Foram necessários 99,9% da história humana para que a população atingisse mil milhões no início do século XIX. (…) Em apenas 200 anos (…) a população aumentou para sete mil milhões em 2021 e atingiu oito mil milhões apenas 11 anos depois, em novembro de 2022 (p. 7).
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Esta explosão populacional, alimentada pelos combustíveis fósseis e pela tecnologia, desencadeou o período significativamente mais grave de degradação dos ecossistemas em 250.000 anos de evolução humana. Por essa razão, quando em novembro de 2019 os cientistas publicaram as suas preocupações sobre a possibilidade de vir a suceder uma catástrofe planetária, a sobrepopulação humana foi identificada como uma das causas dessa possibilidade (Freitas, 2020; Henriques, 2020). Mas esse aviso já havia sido feito no livro do neomalthusiano Paul Erlich, The Population Bomb, publicado em 1968, e também no Relatório Meadows, de 1972, pois ambos identificam o crescimento demográfico como uma das causas principais do colapso social que se anunciava para meados do século XXI.
O planeamento populacional humano parece surgir, assim, como uma inevitabilidade. Todavia, não se trata apenas de estabilizar o número de seres-humanos que hoje habitam o planeta, mas de diminuir esse número para um nível que possa ser suportado pela extração de recursos da ecosfera e pela sua capacidade de acolher a poluição resultante da atividade humana. Para se poder resistir às condições do Antropoceno, Haraway (2015) diz que é importante que os seres humanos saibam estabelecer laços de parentesco com humanos e não humanos em vez de aumentar a sua prole como tem feito até agora. Para a historiadora norte-americana, nos próximos dois séculos talvez os seres humanos sejam apenas 2 ou 3 mil milhões e, em resultado disso, possam colher os benefícios de um nível digno de bem-estar humano e não humano.
Rees (2023) parece não ter dúvidas sobre a inevitabilidade da diminuição da população. Na opinião do economista canadiano, num futuro muito próximo ocorrerá uma escassez global de alimentos e de outros recursos materiais em resultado de uma queda acentuada de produção de energia causada pela crise climática. Dado que os combustíveis fósseis forneceram, em 2021, 82% da energia primária mundial e 61% da energia elétrica e que, em simultâneo, será impossível substituir atempadamente os combustíveis fósseis por energias renováveis, parece ser inevitável que venha a suceder uma «grande correção populacional» (p. 9).
6.2.
TECNOLOGIA
As expetativas geradas no Iluminismo sobre o papel que a ciência e a tecnologia desempenhariam para o progresso humano através da compreensão da realidade – que por sua vez possibilitaria antecipar o futuro à luz da racionalidade e realizar o domínio da natureza – não foram completamente satisfeitas ou saíram mesmo goradas. A esperança criada no Século das Luzes que se prolongaria até meados do século XIX foi bem acolhida pela maior parte dos filósofos (Brey, 2012) e pelas diversas tendências de pensamento político, incluindo Karl Marx (Garcia, 2010), mas só mais tarde, pela mão dos filósofos da chamada Escola de Frankfurt, surgiram as principais críticas à tecnologia e às implicações que comportava para a sociedade industrial. A essas críticas, fundamentadas nas análises sociológicas de Karl Marx e Max Weber, foram depois acrescentadas outras críticas formuladas pelos filósofos pós-modernos, surgidos a partir de meados do século XX (Brey, 2012). Na década de 1960, o filósofo Hans Jonas também formulou as suas preocupações sobre o que ele designou como tecnociência, criticando o triunfo do homo faber sobre o homo sapiens (Bolson, 2013).
Apesar de todas essas críticas, a visão otimista do Iluminismo ainda hoje permanece intocável, na medida em que a tecnologia é vista como um indicador de progresso das sociedades e uma das vias para a satisfação das necessidades humanas e do seu bem-estar ou felicidade. Esse quase endeusamento da tecnologia tornou «supérfluo qualquer debate sobre as relações entre a tecnologia e a estrutura moral das sociedades contemporâneas ou sobre os riscos, incertezas, subprodutos e desfechos imprevistos da mudança tecnológica.» (Garcia, 2010, p. 69).
Vem isto a propósito dos esforços que têm sido feitos por via da tecnologia para se obter a desmaterialização da produção de bens com o objetivo de permitir o crescimento das economias e, em simultâneo, reduzir ou até eliminar a utilização de recursos naturais e as emissões de gases com efeito de estufa (GEE). A desmaterialização da economia consiste na redução significativa de materiais usados para a produção de artefactos, dissociando o crescimento económico dos impactos ambientais. Ou seja, embora o PIB continue a crescer, o consumo de materiais e a emissão de carbono[4] mantém-se estável ou até diminui. A esta circunstância dá-se o nome de desmaterialização ou dissociação absoluta, em oposição à dissociação relativa, que sucede quando a utilização de recursos ou as emissões de carbono crescem menos do que o PIB (Lorek, 2014).
Talvez seja oportuno observar, num breve parêntesis, que o modelo de desenvolvimento capitalista exige que a economia cresça infinitamente. O slogan ambientalista de que «É impossível crescer infinitamente num planeta finito» não é mais que uma crítica ao capitalismo, à «tendência inevitável do capital para se acumular e se concentrar em proporções infinitas, desprovidas de limites naturais», como o economista francês Thomas Piketty observa quando se refere à crítica de Marx ao capitalismo (Piketty, 2013/2015, p. 26). Seja como for, a partir da revolução industrial a tecnologia tornou-se um valor absoluto e inquestionável, alheio a qualquer debate sobre a sua utilidade para o bem-comum. É neste contexto que se inscreve a desmaterialização da produção de bens como uma via adequada para o desenvolvimento sustentável ou crescimento verde[5].
Algumas das principais organizações internacionais, como a OCDE, o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUMA) e o Banco Mundial assumiram com entusiasmo a defesa do crescimento verde (Hickel & Kallis, 2020). Acompanhando essa euforia, a economia verde foi adotada nas políticas nacionais e encontra-se plasmada, inclusivamente, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Por exemplo, uma das metas consignadas no ODS 8 – Promover o crescimento económico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo, e o trabalho digno para todos tem o objetivo de melhorar a eficiência dos recursos naturais no consumo e na produção, procurando dissociar o crescimento económico dos impactos ambientais. Os indicadores selecionados para avaliar os progressos desta meta são a pegada material e o consumo interno de materiais (CIM), ambos quantificados de modo absoluto, per capita e em percentagem do PIB. Estes indicadores são de novo assinalados no ODS 12 - Garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis em referência ao objetivo de se poder vir a alcançar a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos naturais, uma vez mais através da dissociação.
Calculado para medir a utilização de recursos de uma economia, o CIM consiste no valor do peso total das matérias-primas (minerais, biomassa, combustíveis fósseis e metais) extraídas no território nacional, ao qual se acrescenta o valor das importações e se subtrai o das exportações. Apesar de ser um indicador razoavelmente aceite pela maioria dos investigadores, o CIM apresenta algumas limitações. Por exemplo, não inclui o impacto ambiental envolvido na produção e transporte dos bens importados, o que desvaloriza a sua qualidade (Hickel & Kallis, 2020). O cálculo do CIM em percentagem do PIB é útil na medida em que fornece uma ideia, embora incompleta, da eficiência de uma dada economia na utilização de recursos. É por essa razão que este indicador tem sido utilizado por países como a Alemanha, o Reino Unido, o Japão ou os Estados Unidos para reclamarem o suposto feito de terem obtido a dissociação relativa das suas economias. Contudo, o que na verdade sucedeu foi que esses países transferiram para os países do sul, através do comércio internacional, a extração e o processamento de materiais, mas não diminuíram o seu consumo interno (Lorek, 2014).
Esta atitude dos países desenvolvidos levanta problemas éticos que acabam por ser abafados pelo coro internacional, bem afinado, que pugna pela defesa das virtudes da desmaterialização, às quais acrescenta o argumento de que num futuro próximo os consumidores mudarão inevitavelmente o seu comportamento em consequência de uma maior consciencialização da crise climática, privilegiando bens com necessidades cada vez mais baixas de materiais e energia. Ainda que isso venha a acontecer, deve notar-se que há um máximo de eficiência definido pelos limites físicos dos recursos, i.e, um máximo termodinâmico que ocorre com o seu esgotamento integral, o que não deixa de ser preocupante se vier a suceder com recursos não renováveis. Porém, os defensores da desmaterialização não desarmam, argumentando que o problema ambiental é uma falha de mercado que pode ser resolvida pelo aumento artificial dos preços através da intervenção do Estado ou da privatização dos recursos. Todavia, se esta medida fosse posta em prática agravaria a desigualdade económica. Os consumidores também podem defraudar as expetativas dos defensores da desmaterialização, acrescentando uma dificuldade que se encontra bem ilustrada no paradoxo de Jevons, cujo enunciado nos diz que o aumento da eficiência de um recurso pode conduzir ao aumento da taxa de consumo desse recurso, em vez de a diminuir. Vejamos o seguinte exemplo:
O planeamento populacional humano parece surgir, assim, como uma inevitabilidade. Todavia, não se trata apenas de estabilizar o número de seres-humanos que hoje habitam o planeta, mas de diminuir esse número para um nível que possa ser suportado pela extração de recursos da ecosfera e pela sua capacidade de acolher a poluição resultante da atividade humana. Para se poder resistir às condições do Antropoceno, Haraway (2015) diz que é importante que os seres humanos saibam estabelecer laços de parentesco com humanos e não humanos em vez de aumentar a sua prole como tem feito até agora. Para a historiadora norte-americana, nos próximos dois séculos talvez os seres humanos sejam apenas 2 ou 3 mil milhões e, em resultado disso, possam colher os benefícios de um nível digno de bem-estar humano e não humano.
Rees (2023) parece não ter dúvidas sobre a inevitabilidade da diminuição da população. Na opinião do economista canadiano, num futuro muito próximo ocorrerá uma escassez global de alimentos e de outros recursos materiais em resultado de uma queda acentuada de produção de energia causada pela crise climática. Dado que os combustíveis fósseis forneceram, em 2021, 82% da energia primária mundial e 61% da energia elétrica e que, em simultâneo, será impossível substituir atempadamente os combustíveis fósseis por energias renováveis, parece ser inevitável que venha a suceder uma «grande correção populacional» (p. 9).
6.2.
TECNOLOGIA
As expetativas geradas no Iluminismo sobre o papel que a ciência e a tecnologia desempenhariam para o progresso humano através da compreensão da realidade – que por sua vez possibilitaria antecipar o futuro à luz da racionalidade e realizar o domínio da natureza – não foram completamente satisfeitas ou saíram mesmo goradas. A esperança criada no Século das Luzes que se prolongaria até meados do século XIX foi bem acolhida pela maior parte dos filósofos (Brey, 2012) e pelas diversas tendências de pensamento político, incluindo Karl Marx (Garcia, 2010), mas só mais tarde, pela mão dos filósofos da chamada Escola de Frankfurt, surgiram as principais críticas à tecnologia e às implicações que comportava para a sociedade industrial. A essas críticas, fundamentadas nas análises sociológicas de Karl Marx e Max Weber, foram depois acrescentadas outras críticas formuladas pelos filósofos pós-modernos, surgidos a partir de meados do século XX (Brey, 2012). Na década de 1960, o filósofo Hans Jonas também formulou as suas preocupações sobre o que ele designou como tecnociência, criticando o triunfo do homo faber sobre o homo sapiens (Bolson, 2013).
Apesar de todas essas críticas, a visão otimista do Iluminismo ainda hoje permanece intocável, na medida em que a tecnologia é vista como um indicador de progresso das sociedades e uma das vias para a satisfação das necessidades humanas e do seu bem-estar ou felicidade. Esse quase endeusamento da tecnologia tornou «supérfluo qualquer debate sobre as relações entre a tecnologia e a estrutura moral das sociedades contemporâneas ou sobre os riscos, incertezas, subprodutos e desfechos imprevistos da mudança tecnológica.» (Garcia, 2010, p. 69).
Vem isto a propósito dos esforços que têm sido feitos por via da tecnologia para se obter a desmaterialização da produção de bens com o objetivo de permitir o crescimento das economias e, em simultâneo, reduzir ou até eliminar a utilização de recursos naturais e as emissões de gases com efeito de estufa (GEE). A desmaterialização da economia consiste na redução significativa de materiais usados para a produção de artefactos, dissociando o crescimento económico dos impactos ambientais. Ou seja, embora o PIB continue a crescer, o consumo de materiais e a emissão de carbono[4] mantém-se estável ou até diminui. A esta circunstância dá-se o nome de desmaterialização ou dissociação absoluta, em oposição à dissociação relativa, que sucede quando a utilização de recursos ou as emissões de carbono crescem menos do que o PIB (Lorek, 2014).
Talvez seja oportuno observar, num breve parêntesis, que o modelo de desenvolvimento capitalista exige que a economia cresça infinitamente. O slogan ambientalista de que «É impossível crescer infinitamente num planeta finito» não é mais que uma crítica ao capitalismo, à «tendência inevitável do capital para se acumular e se concentrar em proporções infinitas, desprovidas de limites naturais», como o economista francês Thomas Piketty observa quando se refere à crítica de Marx ao capitalismo (Piketty, 2013/2015, p. 26). Seja como for, a partir da revolução industrial a tecnologia tornou-se um valor absoluto e inquestionável, alheio a qualquer debate sobre a sua utilidade para o bem-comum. É neste contexto que se inscreve a desmaterialização da produção de bens como uma via adequada para o desenvolvimento sustentável ou crescimento verde[5].
Algumas das principais organizações internacionais, como a OCDE, o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUMA) e o Banco Mundial assumiram com entusiasmo a defesa do crescimento verde (Hickel & Kallis, 2020). Acompanhando essa euforia, a economia verde foi adotada nas políticas nacionais e encontra-se plasmada, inclusivamente, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Por exemplo, uma das metas consignadas no ODS 8 – Promover o crescimento económico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo, e o trabalho digno para todos tem o objetivo de melhorar a eficiência dos recursos naturais no consumo e na produção, procurando dissociar o crescimento económico dos impactos ambientais. Os indicadores selecionados para avaliar os progressos desta meta são a pegada material e o consumo interno de materiais (CIM), ambos quantificados de modo absoluto, per capita e em percentagem do PIB. Estes indicadores são de novo assinalados no ODS 12 - Garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis em referência ao objetivo de se poder vir a alcançar a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos naturais, uma vez mais através da dissociação.
Calculado para medir a utilização de recursos de uma economia, o CIM consiste no valor do peso total das matérias-primas (minerais, biomassa, combustíveis fósseis e metais) extraídas no território nacional, ao qual se acrescenta o valor das importações e se subtrai o das exportações. Apesar de ser um indicador razoavelmente aceite pela maioria dos investigadores, o CIM apresenta algumas limitações. Por exemplo, não inclui o impacto ambiental envolvido na produção e transporte dos bens importados, o que desvaloriza a sua qualidade (Hickel & Kallis, 2020). O cálculo do CIM em percentagem do PIB é útil na medida em que fornece uma ideia, embora incompleta, da eficiência de uma dada economia na utilização de recursos. É por essa razão que este indicador tem sido utilizado por países como a Alemanha, o Reino Unido, o Japão ou os Estados Unidos para reclamarem o suposto feito de terem obtido a dissociação relativa das suas economias. Contudo, o que na verdade sucedeu foi que esses países transferiram para os países do sul, através do comércio internacional, a extração e o processamento de materiais, mas não diminuíram o seu consumo interno (Lorek, 2014).
Esta atitude dos países desenvolvidos levanta problemas éticos que acabam por ser abafados pelo coro internacional, bem afinado, que pugna pela defesa das virtudes da desmaterialização, às quais acrescenta o argumento de que num futuro próximo os consumidores mudarão inevitavelmente o seu comportamento em consequência de uma maior consciencialização da crise climática, privilegiando bens com necessidades cada vez mais baixas de materiais e energia. Ainda que isso venha a acontecer, deve notar-se que há um máximo de eficiência definido pelos limites físicos dos recursos, i.e, um máximo termodinâmico que ocorre com o seu esgotamento integral, o que não deixa de ser preocupante se vier a suceder com recursos não renováveis. Porém, os defensores da desmaterialização não desarmam, argumentando que o problema ambiental é uma falha de mercado que pode ser resolvida pelo aumento artificial dos preços através da intervenção do Estado ou da privatização dos recursos. Todavia, se esta medida fosse posta em prática agravaria a desigualdade económica. Os consumidores também podem defraudar as expetativas dos defensores da desmaterialização, acrescentando uma dificuldade que se encontra bem ilustrada no paradoxo de Jevons, cujo enunciado nos diz que o aumento da eficiência de um recurso pode conduzir ao aumento da taxa de consumo desse recurso, em vez de a diminuir. Vejamos o seguinte exemplo:
Se tomarmos como exemplo a atual política de descarbonização da economia através da redução do consumo de energia pela adoção de medidas de conservação energética, a poupança gerada será utilizada para outras atividades consumidoras de energia. Por isso, embora se consiga reduzir o consumo específico ou consumo por unidade – obtido pelo aumento da eficiência energética –, o consumo total de energia aumenta, porque a energia poupada momentaneamente é usada para outras aplicações. Destarte, à medida que uma economia realiza progressos tecnológicos e se torna mais eficiente, mais recursos consome, porque esses recursos ficam mais baratos. Parece, enfim, que não será na tecnologia ou nas inovações tecnológicas que se encontra o remédio para os males de que padece o sistema-Terra (Basto, 2022, p. 116).
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O relatório de julho de 2019 do European Environmental Bureu (EEB)[6], Intitulado “Dissociação Desmascarada: evidências e argumentos contra o crescimento verde como única estratégia para a sustentabilidade”, assinala sete razões para que exista ceticismo sobre a possibilidade de ocorrência da dissociação de recursos, i.e., sobre a continuação do crescimento económico sem aumento das pressões ambientais. A primeira razão é o facto de o consumo de energia aumentar à medida que o recurso é extraído, porque a extração das reservas remanescentes consome mais recursos e energia; a segunda razão é o “efeito de recuperação”, ilustrado neste texto através do paradoxo de Jevons; a terceira razão é quando ocorre a transferência de um problema para outro, como é o caso da extração de lítio para a produção de veículos elétricos; a quarta razão é o impacto subestimado dos serviços, porque a economia de serviços não prescinde da economia material e, além disso, a pegada ecológica dos serviços soma-se muitas vezes à pegada dos bens materiais, em vez de a substituir; a quinta razão está relacionada com o potencial limitado da reciclagem e a sua incapacidade para fornecer recursos para satisfazer as exigências de uma economia em crescimento; a sexta razão aponta para a evidência de que o progresso tecnológico não se encontra a fornecer respostas suficientemente inovadoras e rápidas para reduzir a pressão ambiental através de uma dissociação eficiente; a sétima e última razão, já assinalada neste texto, é a falácia da dissociação reclamada por vários países de alto consumo de recursos, pois esta suposta dissociação resulta somente da externalização dos impactos ambientais desses países para os países do sul, de baixo consumo, sem provocar alterações ao balanço global. (Parrique et al., 2019). Os autores não se opõem à dissociação, mas antes à ideia e ao discurso de que esse processo tornará irrelevante o debate sobre o crescimento da economia. Embora os autores defendam que as medidas de dissociação devem prosseguir, não deixam de observar que não são uma panaceia universal, porque se baseiam na suposição incorreta de que se poderá alcançar uma dissociação suficiente através do aumento da eficiência dos recursos sem se mostrar necessário limitar a produção e o consumo económicos. Por isso, advogam um novo paradigma económico com foco na suficiência ou noutras propostas alternativas ao crescimento verde.
As conclusões do relatório citado são acompanhadas pelos resultados de muitas investigações empíricas independentes que apontam para a inexequibilidade do crescimento verde, pelo menos de forma contínua (Hickel & Kallis, 2020). O crescimento verde exige que se alcance uma dissociação absoluta e permanente entre a utilização de recursos e o PIB e entre as emissões de carbono e o PIB. No caso das emissões, obriga, ainda, que isso suceda em tempo útil para impedir que seja excedido o orçamento de carbono em 1,5ºC ou 2,0ºC estabelecido no Acordo de Paris.
Assim, num cenário em que não será politicamente aceitável questionar o crescimento económico do atual modelo de desenvolvimento, os decisores políticos têm entre mãos um problema sensível para resolver. Nenhum governo abdicaria de fazer crescer a economia tanto quanto fosse possível, porque isso contrariaria todo o discurso que o legitima, seja qual for a sua orientação política. Como observa Latouche (2012):
As conclusões do relatório citado são acompanhadas pelos resultados de muitas investigações empíricas independentes que apontam para a inexequibilidade do crescimento verde, pelo menos de forma contínua (Hickel & Kallis, 2020). O crescimento verde exige que se alcance uma dissociação absoluta e permanente entre a utilização de recursos e o PIB e entre as emissões de carbono e o PIB. No caso das emissões, obriga, ainda, que isso suceda em tempo útil para impedir que seja excedido o orçamento de carbono em 1,5ºC ou 2,0ºC estabelecido no Acordo de Paris.
Assim, num cenário em que não será politicamente aceitável questionar o crescimento económico do atual modelo de desenvolvimento, os decisores políticos têm entre mãos um problema sensível para resolver. Nenhum governo abdicaria de fazer crescer a economia tanto quanto fosse possível, porque isso contrariaria todo o discurso que o legitima, seja qual for a sua orientação política. Como observa Latouche (2012):
Todos os regimes modernos foram produtivistas: repúblicas, ditaduras e sistemas totalitários, quer os seus governos fossem de direita ou de esquerda, liberais, socialistas, populistas, sociais-liberais, sociais-democratas, centristas, radicais ou comunistas. Todos consideraram o crescimento uma pedra angular do seu sistema inquestionável (p. 48).
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Apesar disso, se as evidências empíricas sugerem que o crescimento verde é inexequível, pelo menos de forma permanente, parece ser necessário considerar outras soluções, embora se deva continuar a investir em avanços tecnológicos para aumentar a eficiência dos recursos. Talvez o caminho a seguir contemple a possibilidade de dissociar a prosperidade e o desenvolvimento do crescimento. Para isso, parece ser inevitável reduzir a atividade económica agregada. Será oportuno, portanto, equacionar a necessidade de uma mudança de paradigma que contemple a possibilidade do decrescimento económico.
6.3.
CAPITALISMO
O crescimento económico, endógeno ao capitalismo, fundamenta-se na ideia de que mais crescimento significa mais riqueza e bem-estar. Todavia, esta promessa ainda não foi cumprida porque a equação do crescimento não contempla o termo relativo à distribuição da riqueza, essencial para minimizar a desigualdade económica que muitos autores reclamam ser necessária ou assegurando a cada cidadão o direito de viver com dignidade, livre da condição degradante de pobreza, mesmo que a desigualdade económica subsista, como outros autores defendem (Frankfurt, 2015/2016).
Piketty (2013/2015) assevera que é importante dividir o crescimento da produção em dois fatores: o crescimento da população e o crescimento da produção por habitante, uma divisão «demasiadas vezes esquecida no debate público» (p. 120). Como assinala o economista francês, o exame da evolução dessas taxas desde a revolução industrial até 2012 revela um crescimento médio em torno de 1,6% ao ano (0,8% relativos ao crescimento da população e 0,8% ao crescimento da produção por habitante), valor que atualmente seria considerado indesejável (p. 121). Mesmo assim, não há razões para crer que a economia alcance o modo estacionário, tal como foi conjeturado por Mill (1848/1965) e defendido por Daly (2010). A longo-prazo, o crescimento da produção por habitante dos países ricos poderá ser superior a 1,2% ao ano, uma taxa que pode ser considerada otimista (Piketty, 2013/2015), mesmo tomando em consideração a desaceleração da taxa de crescimento populacional e as previsões que apontam para um máximo demográfico ainda durante este século (Vollset, 2020)[7]. Este cenário de crescimento significa mais extração de recursos e mais consumo de energia, apesar dos aumentos de eficiência proporcionados pela tecnologia.
Faz sentido, portanto, considerar alternativas ao modelo económico capitalista de desenvolvimento ilimitado. O modelo capitalista tem sido questionado por inúmeras razões desde o famoso opúsculo de Marx e Engels, mas nas condições atuais em que a humanidade se encontra, no ponto singular de ameaça à sua existência como espécie, bastará invocar uma única razão: não é possível crescer infinitamente num planeta finito, tal como reza o slogan ambientalista e como a ciência tem demonstrado.
Uma proposta que contraria o mito do crescimento contínuo é a Teoria do Decrescimento, cuja doutrina, filosofia e esboço de programa político se encontram no ensaio Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno, da autoria de Serge Latouche. O autor afirma que a sociedade de crescimento deve ser posta em causa e que isso implica questionar o capitalismo. E acrescenta: «a sociedade do crescimento não só não é desejável, como também não é sustentável» (Latouche, 2007/2012, p. 26). O autor propõe, assim, o abandono do crescimento ilimitado, que na sua opinião satisfaz apenas a obtenção de lucros para os detentores do capital, infligindo danos irreparáveis ao ambiente e à humanidade (p.18).
O movimento decrescentista também critica a forma como a tecnologia tem evoluído e por essa razão propõe uma moratória na área das inovações tecnocientíficas, reorientando a investigação científica e técnica, e na área das grandes infraestruturas, como autoestradas, TGV e outros projetos de grande porte. Em relação ao problema da sobrepopulação, Latouche (2007/2012) confessa-se agnóstico, afirmando que a atenção deve focar-se na distribuição de riqueza e no questionamento do sistema económico capitalista, em vez de ser desviada para a discussão sobre o tamanho da população (p. 44).
A teoria do Decrescimento é apenas uma das propostas de modelo de organização da sociedade alternativas ao modelo capitalista, mas talvez seja a que se mostra mais consistente na recusa de um modelo de desenvolvimento assente no crescimento ilimitado, propondo uma economia de decrescimento sereno e convivial na qual se consuma e trabalhe menos.
7.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Antropoceno corresponde ao momento em que os seres humanos se transformaram numa força telúrica capaz de modificar as condições de funcionamento do sistema-Terra. Nesta Época simultaneamente geológica e cultural, a humanidade enfrenta, talvez, o seu maior desafio ético-político, confrontando-se com a possibilidade da sua própria extinção. A transição do Holoceno para o Antropoceno corresponde à mudança da estabilidade climática para um tempo ainda pleno de incertezas, mas que não augura nada de bom, conforme tem vindo a ser anunciado pela comunidade científica. Para enfrentar este problema, há duas narrativas principais: a dos adeptos da economia verde, crentes na possibilidade do desenvolvimento sustentável, e os eco-catastrofistas, que admitem a probabilidade de vir a suceder um desastre ambiental.
As principais razões que originaram o Antropoceno são a sobrepopulação, a tecnologia e o modelo de desenvolvimento económico capitalista. Em relação à sobrepopulação, é provável que se venha a verificar durante este século uma grande contração populacional, mas talvez pelas piores razões. Por isso, o planeamento populacional global parece ser indispensável. No caso da tecnologia, teremos de admitir que a sua capacidade para alcançar a desmaterialização dos recursos é limitada, comprometendo o crescimento continuado da economia. Por fim, como o sistema económico capitalista não parece responder aos desafios do Antropoceno, talvez se deva colocar a possibilidade de abandonar as políticas de crescimento que lhes são caraterísticas e enveredar por um modelo de desenvolvimento decrescentista, conjugando-o com a otimização da eficiência na utilização dos recursos.
A sociedade civil – pelo menos aquela que tem consciência das condições criadas pelo Antropoceno e do que se projeta para um futuro próximo – parece encontrar-se num estado de “acrasia coletiva”, agindo contra o seu melhor julgamento ou conhecimento do que é correto. Este estado acrático será mais grave nos círculos da política, porque os seus agentes sabem o que aí vem, embora pareçam ignorar os sucessivos avisos da comunidade científica. É por esta razão que os jovens ativistas, sendo conhecedores dos cenários que se projetam para um tempo que irá acontecer durante as suas vidas, se manifestam de forma radical, embora (ainda) não violenta, culpando os políticos e as indústrias extractivistas pelo que poderá vir a suceder. Os jovens de todo o mundo parecem estar mais sensibilizados para os riscos do Antropoceno do que o resto da população. Vulneráveis à ansiedade climática, desenvolveram um estado mental de angústia que pode ter implicações na sua saúde física e mental e que está relacionada com a crença de que os governos não têm sido capazes de responder à crise de forma adequada, comportamento que lhes traz sentimentos de traição e abandono.
Será necessário, portanto, uma mudança de paradigma social, económico e político. Porque se é verdade que a humanidade se dirige a alta velocidade contra os limites do planeta, como afirma Serge Latouche, tudo deve ser feito para que o choque seja tão distante e menos violento quanto possível. É à política e só à política que caberá essa responsabilidade.
6.3.
CAPITALISMO
O crescimento económico, endógeno ao capitalismo, fundamenta-se na ideia de que mais crescimento significa mais riqueza e bem-estar. Todavia, esta promessa ainda não foi cumprida porque a equação do crescimento não contempla o termo relativo à distribuição da riqueza, essencial para minimizar a desigualdade económica que muitos autores reclamam ser necessária ou assegurando a cada cidadão o direito de viver com dignidade, livre da condição degradante de pobreza, mesmo que a desigualdade económica subsista, como outros autores defendem (Frankfurt, 2015/2016).
Piketty (2013/2015) assevera que é importante dividir o crescimento da produção em dois fatores: o crescimento da população e o crescimento da produção por habitante, uma divisão «demasiadas vezes esquecida no debate público» (p. 120). Como assinala o economista francês, o exame da evolução dessas taxas desde a revolução industrial até 2012 revela um crescimento médio em torno de 1,6% ao ano (0,8% relativos ao crescimento da população e 0,8% ao crescimento da produção por habitante), valor que atualmente seria considerado indesejável (p. 121). Mesmo assim, não há razões para crer que a economia alcance o modo estacionário, tal como foi conjeturado por Mill (1848/1965) e defendido por Daly (2010). A longo-prazo, o crescimento da produção por habitante dos países ricos poderá ser superior a 1,2% ao ano, uma taxa que pode ser considerada otimista (Piketty, 2013/2015), mesmo tomando em consideração a desaceleração da taxa de crescimento populacional e as previsões que apontam para um máximo demográfico ainda durante este século (Vollset, 2020)[7]. Este cenário de crescimento significa mais extração de recursos e mais consumo de energia, apesar dos aumentos de eficiência proporcionados pela tecnologia.
Faz sentido, portanto, considerar alternativas ao modelo económico capitalista de desenvolvimento ilimitado. O modelo capitalista tem sido questionado por inúmeras razões desde o famoso opúsculo de Marx e Engels, mas nas condições atuais em que a humanidade se encontra, no ponto singular de ameaça à sua existência como espécie, bastará invocar uma única razão: não é possível crescer infinitamente num planeta finito, tal como reza o slogan ambientalista e como a ciência tem demonstrado.
Uma proposta que contraria o mito do crescimento contínuo é a Teoria do Decrescimento, cuja doutrina, filosofia e esboço de programa político se encontram no ensaio Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno, da autoria de Serge Latouche. O autor afirma que a sociedade de crescimento deve ser posta em causa e que isso implica questionar o capitalismo. E acrescenta: «a sociedade do crescimento não só não é desejável, como também não é sustentável» (Latouche, 2007/2012, p. 26). O autor propõe, assim, o abandono do crescimento ilimitado, que na sua opinião satisfaz apenas a obtenção de lucros para os detentores do capital, infligindo danos irreparáveis ao ambiente e à humanidade (p.18).
O movimento decrescentista também critica a forma como a tecnologia tem evoluído e por essa razão propõe uma moratória na área das inovações tecnocientíficas, reorientando a investigação científica e técnica, e na área das grandes infraestruturas, como autoestradas, TGV e outros projetos de grande porte. Em relação ao problema da sobrepopulação, Latouche (2007/2012) confessa-se agnóstico, afirmando que a atenção deve focar-se na distribuição de riqueza e no questionamento do sistema económico capitalista, em vez de ser desviada para a discussão sobre o tamanho da população (p. 44).
A teoria do Decrescimento é apenas uma das propostas de modelo de organização da sociedade alternativas ao modelo capitalista, mas talvez seja a que se mostra mais consistente na recusa de um modelo de desenvolvimento assente no crescimento ilimitado, propondo uma economia de decrescimento sereno e convivial na qual se consuma e trabalhe menos.
7.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Antropoceno corresponde ao momento em que os seres humanos se transformaram numa força telúrica capaz de modificar as condições de funcionamento do sistema-Terra. Nesta Época simultaneamente geológica e cultural, a humanidade enfrenta, talvez, o seu maior desafio ético-político, confrontando-se com a possibilidade da sua própria extinção. A transição do Holoceno para o Antropoceno corresponde à mudança da estabilidade climática para um tempo ainda pleno de incertezas, mas que não augura nada de bom, conforme tem vindo a ser anunciado pela comunidade científica. Para enfrentar este problema, há duas narrativas principais: a dos adeptos da economia verde, crentes na possibilidade do desenvolvimento sustentável, e os eco-catastrofistas, que admitem a probabilidade de vir a suceder um desastre ambiental.
As principais razões que originaram o Antropoceno são a sobrepopulação, a tecnologia e o modelo de desenvolvimento económico capitalista. Em relação à sobrepopulação, é provável que se venha a verificar durante este século uma grande contração populacional, mas talvez pelas piores razões. Por isso, o planeamento populacional global parece ser indispensável. No caso da tecnologia, teremos de admitir que a sua capacidade para alcançar a desmaterialização dos recursos é limitada, comprometendo o crescimento continuado da economia. Por fim, como o sistema económico capitalista não parece responder aos desafios do Antropoceno, talvez se deva colocar a possibilidade de abandonar as políticas de crescimento que lhes são caraterísticas e enveredar por um modelo de desenvolvimento decrescentista, conjugando-o com a otimização da eficiência na utilização dos recursos.
A sociedade civil – pelo menos aquela que tem consciência das condições criadas pelo Antropoceno e do que se projeta para um futuro próximo – parece encontrar-se num estado de “acrasia coletiva”, agindo contra o seu melhor julgamento ou conhecimento do que é correto. Este estado acrático será mais grave nos círculos da política, porque os seus agentes sabem o que aí vem, embora pareçam ignorar os sucessivos avisos da comunidade científica. É por esta razão que os jovens ativistas, sendo conhecedores dos cenários que se projetam para um tempo que irá acontecer durante as suas vidas, se manifestam de forma radical, embora (ainda) não violenta, culpando os políticos e as indústrias extractivistas pelo que poderá vir a suceder. Os jovens de todo o mundo parecem estar mais sensibilizados para os riscos do Antropoceno do que o resto da população. Vulneráveis à ansiedade climática, desenvolveram um estado mental de angústia que pode ter implicações na sua saúde física e mental e que está relacionada com a crença de que os governos não têm sido capazes de responder à crise de forma adequada, comportamento que lhes traz sentimentos de traição e abandono.
Será necessário, portanto, uma mudança de paradigma social, económico e político. Porque se é verdade que a humanidade se dirige a alta velocidade contra os limites do planeta, como afirma Serge Latouche, tudo deve ser feito para que o choque seja tão distante e menos violento quanto possível. É à política e só à política que caberá essa responsabilidade.
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no. 05 // junho 2024
Artigo
FUNDAÇÃO RES PUBLICA
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
fundacaorespublica.pt
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
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1
O Centro de Resiliência de Estocolmo monitoriza nove limites planetários que não devem ser excedidos de forma a assegurar um espaço operacional seguro para a humanidade: (1) alterações climáticas, (2) integridade da biosfera, (3) introdução de novas entidades, como os resíduos nucleares, (4) desflorestação, (5) perda de biodiversidade, (6) fluxos biogeoquímicos, (7) carga de aerossóis na atmosfera, (8) depleção da camada de ozono e (9) acidificação dos oceanos. Os seis primeiros limites desta lista já foram ultrapassados (Richardson et al., 2023).
2
As três jovens ativistas que em 26 de setembro de 2023 atiraram tinta verde ao ministro do Ambiente e da Ação Climática numa conferência organizada pela CNN e patrocinada pela EDP e a GALP foram identificadas pela polícia, mas não foram detidas, porque o visado não apresentou queixa.
3
Estas três variáveis integram a identidade I = PAT, comummente usada pela comunidade científica para relacionar o impacto da ação humana no meio ambiente I, através do produto da população P (número de habitantes do planeta) com a riqueza (affluence) A (PIB per capita em $/pessoa/ano) e a tecnologia T (em joules por $ de PIB para a energia e kg por $ de PIB para recursos materiais).
4
Para simplificar, usaremos o dióxido de carbono (CO2) ou simplesmente o carbono (C) para significarmos os GEE, uma vez que o CO2, produzido em grande escala pelos seres humanos na queima dos combustíveis fósseis é o principal responsável pelo aquecimento global.
5
Os conceitos de desenvolvimento sustentável e de crescimento verde ou economia verde serão tratados, no âmbito deste artigo, como expressões com significados semelhantes, pois ambos possuem a ideia central de que a expansão económica contínua é compatível com a manutenção dos ecossistemas planetários.
6
O EEB é uma rede europeia de organizações ambientais criada em 1974, constituída por mais de 180 membros de 40 países que representam cerca de 30 milhões de cidadãos (https://eeb.org/).
7
O estudo de 2021 publicado na revista Lancet afirma que o ápice do crescimento populacional ocorrerá em 2060, com 9,7 mil milhões de habitantes, ano a partir do qual se observará uma diminuição até estabilizar em 8,8 mil milhões em 2100, contrariando a previsão da ONU de que a população atingiria o pico de crescimento em 2100, com 11,2 mil milhões de habitantes.