EDITORIALAs temperaturas médias globais vêm aumentando significativamente desde a revolução industrial. A última década (2011-2020) foi mesmo, segundo vários relatórios, a mais quente de que há registo. Mais impressionante, dos vinte anos mais quentes, dezanove foram registados no século XXI. Há atualmente um consenso na comunidade científica sobre o aumento de 2°C nas temperaturas médias globais, em comparação com os níveis pré-industrialização. Este consenso encontra respaldo em dados robustos que mostram que tal se deve ao aumento das emissões de gases com efeito de estufa causada pela atividade humana.
A causalidade das atividades humanas nestas emissões e as consequências no aquecimento global e na estabilidade climática surge de tal forma evidente que cunhou, nos anos 80 do século XX, uma nova idade geológica, o Antropoceno, que se popularizou no início dos anos 2000[1]. Este conceito procurou caracterizar a nova relação entre os seres humanos e o ambiente e o seu papel ativo nas alterações climáticas, um pouco por todo o globo, que se começavam a verificar de forma consistente. As alterações climáticas, ficava assim evidente, não resultavam da evolução milenar da atividade da Terra, mas da forma como os seres humanos exploravam os diferentes recursos naturais. Esta assunção pelos diferentes agentes implicou, politicamente, por consequência, uma outra: a de que não se tratava de mitigar alterações naturais alheias ao impacto humano, como acontece, por exemplo, com a atividade sísmica ou com a atividade vulcânica, mas antes de atuar sobre essas alterações, agindo diretamente sobre a atividade humana. A ação climática tornou-se assim, nos últimos anos, a expressão adotada pelos governos, não só para caracterizar a sua orgânica institucional, mas sobretudo para definir as políticas públicas dedicadas às alterações climáticas. É, porém, a emergência destas alterações, muito consubstanciada no objetivo amplamente partilhado de limitar o aquecimento global a 2º C até 2050, que precipita uma forte discussão sobre as políticas a adotar. O Acordo de Paris, firmado em Dezembro de 2015 no âmbito da 21ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP21), materializa-o internacionalmente. A assumida necessidade emergente de descarbonizar as economias, alarga a discussão da preservação ambiental, do tratamento de resíduos sólidos urbanos, da desflorestação, ou da gestão dos recursos hídricos, para todo o ciclo produtivo. As matérias-primas e a sua gestão, as cadeias logísticas e o seu impacto, a obsolescência programa dos produtos ou os padrões de consumo crescentes, o transporte aéreo e a livre circulação de pessoas, a limitação de acesso a determinados locais, ou mesmo a restrição ou proibição de consumo de determinados produtos trouxe uma discussão mais complexa e mais difícil para o espaço público. Ao ser assumidas pelos governos dos diferentes países, as políticas públicas de ação climática refletem necessariamente as perspetivas económicas, sociais, culturais e institucionais dos governos. Por outras palavras, a transversalidade da resposta às alterações climáticas torna implausível não admitir as visões que diferentes famílias políticas, as suas correntes internas, e os movimentos sociais, mais ou menos estruturados e mais ou menos politicamente comprometidos, defenderão. Essa defesa será sempre integrada nas políticas públicas que implementarão e, por isso mesmo, obrigam-nos a um amplo debate e a uma reflexão profunda sobre as Políticas Públicas num futuro e num contexto de Alterações Climáticas. Foi precisamente este o mote da 5ª Edição do Prémio Res Publica, cujo conjunto de trabalhos mais destacados pelo júri do Prémio publicamos na 5ª edição da Revista Res Publica. A coincidência das edições da revista e do prémio não mais é do que isso, mas a reflexão e promoção do debate democrático que aqui se procura fazer tem, pela sua importância e atualidade, laivos de quinta-essência. Os ensaios agora publicados responderam ao desafio de refletir genericamente sobre as políticas públicas num futuro e num contexto de alterações climáticas, ainda que pudessem versar sobre tópicos concretos que a Fundação Res Publica, no âmbito da sua missão, considerou particularmente relevantes:
Como recorda Jorge Pinto, autor do ensaio vencedor e, por isso, com a primazia na publicação desta edição, “pensar na resposta às crises ecológicas exige também que pensemos na justiça das medidas que vierem a ser tomadas, acrescentando assim uma camada de complexidade.” Foi pela complexidade desta camada que a reflexão não foi limitada, nem o poderá ser o debate que estes ensaios suscitarão aos diferentes públicos. Houvesse mais certezas do que desafios e não teria a autora do segundo ensaio vencedor, Catarina Silva, afirmado que “os desafios impostos às sociedades pela mudança climática são, a muitos níveis, novos e, por isso, as formas tradicionais de governança podem relevar-se, por vezes, inadequadas para abordar essas questões” (em nossa tradução livre).
À complexidade da reflexão e à novidade das soluções, acrescentamos “uma abordagem a esta problemática que procura enfatizar especialmente a natureza pluridisciplinar das questões relacionadas com a crise climática”, tal como tentada pela Helena Halpern, vencedora do prémio jovem desta edição. Importa referir que, num encontro feliz, esta é a primeira edição do Prémio Res Publica que dedica um prémio específico aos jovens, precisamente num dos temas que mais politicamente os tens mobilizado. Apresentamos ainda nesta edição sete outros ensaios que, não tendo sido vencedores, merecem ser lidos e partilhados. As reflexões que trazem enriquecem a discussão, nas três dimensões que atrás referimos: complexidade, novidade e pluridisciplinaridade. |
no. 05 // junho 2024 Editorial FUNDAÇÃO RES PUBLICA A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos. fundacaorespublica.pt 1
Steffen W., Grinevald J., Crutzen P. and McNeill J. (2011). The Anthropocene: conceptual and historical perspectives. Phil. Trans. R. Soc. A: 369842–867. |