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JOÃO PEDRO MATOS FERNANDES Nasceu em Águeda, em 1967. Licenciou-se em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto em 1991 (opção de Planeamento Territorial) e concluiu o Mestrado em Transportes no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, em 1995. Entre 1990 e 1995 trabalhou na Comissão de Coordenação da Região Norte (Ordenamento do Território), tendo sido o coordenador do setor dos transportes. Foi Adjunto do Secretário de Estado dos Recursos Naturais entre 1995 e 1997 e Chefe de Gabinete do Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente entre 1997-99. Foi Administrador da Quarternaire Portugal, Consultoria para o Desenvolvimento, SA, entre 1999 e 2005. Foi Vogal do Conselho da Administração dos Portos do Douro e Leixões entre abril de 2005 e maio de 2008 e Presidente do Conselho de Administração da Administração dos Portos do Douro e Leixões entre abril de 2008 e maio de 2012. Foi Presidente do Conselho de Administração da Administração do Porto de Viana do Castelo desde a janeiro de 2009 até maio de 2012. Foi Presidente da Associação dos Portos Portugueses, entre 2008 e 2010. Foi Docente do Instituto Superior Técnico (Infraestruturas) e do Instituto Superior de Transportes (Impactos Energéticos e Ambientais dos Transportes). Lecionou como convidado em mestrados nas Universidades do Porto, Técnica de Lisboa e de Nápoles. Entre 2012 e 2013 foi assessor do Conselho de Administração das empresas Terminais do Norte e Portos do Norte (Grupo Manica), assumindo funções de gestão do Porto de Nacala, em Moçambique. Foi Presidente do Conselho de Administração da Águas do Porto de 2014 a 2015. Foi Ministro do Ambiente no XXI Governo Constitucional até outubro de 2018, sendo posteriormente Ministro do Ambiente e da Transição Energética. ________________________________ |
COP26 – BALANÇO E DESAFIOS |
No âmbito da conferência-debate, COP26 – Balanço e Desafios, organizada pela Fundação Res Publica, a 9 de dezembro de 2021, publicamos os contributos dos oradores convidados, João Pedro Matos Fernandes, Ministro do Ambiente e da Ação Climática e Humberto Rosa, Diretor para a Biodiversidade da DG Ambiente, Comissão Europeia.
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Vou tentar dividir a minha intervenção em duas partes, mais uma. Uma sobre o acordo de Glasgow, outra sobre Portugal e o que está a fazer, e depois, falarei sobre uma erva daninha a propósito da crise energética. Uma confusão que muitos teimam em querer criar e que afinal não é confusão alguma.
Em primeiro lugar, Glasgow é filho de um acordo multilateral que é o Acordo de Paris. E o Acordo de Paris é de facto um acordo muito, mesmo muito bem-sucedido, sobretudo se pensarmos na história que vem de trás de dois acordos: o de Quioto que pareceu bem-sucedido e o de Copenhaga que confesso que nunca me convenceu. O outro é o compromisso dos países ricos relativamente à redução das emissões. Copenhaga é um exercício paternalista dos países ricos a dizer aos países pobres o que é que eles deveriam fazer. Obviamente enganaram-se. Paris, é mesmo um exercício multilateral em que todos assumem um compromisso. Nós saímos de Paris com dois números: 1,5° como objetivo e 3,1°, isto é, aquilo que resultava do somatório de todas as partes, conduziria a um aumento da temperatura de 3,1° no final do século XXI. Por isso Paris tinha uma cláusula da maior relevância e por isso Glasgow era tão relevante: é que a cada 5 anos tem que haver uma maior ambição para irmos destes 3,1° para 1,5°. Em rigor Glasgow não foi 5 anos depois de Paris foi 6 anos depois de Paris, mas porque no ano de 2020 não houve COP.
Em minha opinião, Glasgow cumpriu manifestamente as suas funções se pensarmos à luz daquilo que Paris definiu, que Paris estabeleceu, e que era a ambição máxima que se poderia esperar 5 anos antes do acordo de Paris. Por outro lado, Glasgow não cumpriu completamente as suas ambições se tivermos em conta aquilo que a ciência evoluiu e o que os fenómenos climáticos extremos nos trouxeram. Nós saímos de Glasgow com o compromisso de procura do 1,5°. Já agora, porque não é detalhe, todas as matérias do livro de regras, as regras de transparência, as regras relativamente ao mercado de carbono completamente estabelecidas, completamente fechadas, isso não é irrelevante porque era aquilo que nós tínhamos em Madrid e não fizemos nada. Na verdade, isso não é nada irrelevante e eu tenho que reconhecer que todas as partes estavam a mexer. Dou o exemplo do Brasil. Durante a conferência de Madrid, o Brasil era uma estátua de sal fugida de Sodoma e Gomorra e, manifestamente, agora, em Glasgow, o Brasil mexeu-se à procura de um acordo e, por isso, todas essas matérias não são irrelevantes e sobre elas houve de facto entendimento. Mas repito, saímos de Paris com a certeza de que podemos chegar ao 1,5° com uma meta de redução de emissões muito ambiciosa para 2030 e com um conjunto de compromissos paralelos à própria cimeira: a questão da desflorestação, a questão da tentativa do compromisso muito vasto relativamente ao fim do uso do carvão (que os Estados Unidos não assinaram), com outro compromisso paralelo que me parece da maior importância que é o acordo entre Estados Unidos e China, porque os Estados Unidos e a China ao estabelecerem um acordo, os Estados Unidos mostraram aquilo eu acho que a Presidência da COP nunca entendeu completamente, é que é preciso separar completamente economias emergentes como a China e a Índia, que não precisam de dinheiro nenhum para fazer as coisas, precisam é, obviamente em primeiro lugar, da nossa parte que nunca haja nenhum álibi para que escapem e segundo lugar precisam certamente de alguma diferença em tecnologia e know how. Uma completa diferença entre os países emergentes e os países que estão em vias de desenvolvimento que manifestamente precisam de apoio tecnológico, de apoio de saber, mas de apoio financeiro para contrabalançar. Portanto direi que desse ponto de vista Glasgow andou muito bem e podemos dizer que ficamos com um amargo de boca quando ouvimos a Índia dizer que vai sair do carbono em 2070. Na realidade, foi a primeira vez ouvimos a Índia a dizer alguma coisa sobre isto. O que queríamos, de facto, era a expressão exata ou o que mais queríamos era o phase out do carvão e ficou, salvo erro, phase down. Não é o acabar e o desfazer, é o reduzir. Em primeiro lugar, é a primeira vez que isto se escreve. Nunca se tinha escrito. Em segundo lugar, isto é um acordo multilateral, portanto, não ir ao encontro da pretensão, sobretudo da Índia, não quer dizer que a China não se tenha escondido atrás da Índia, não ir ao encontro do objetivo, da forma como a Índia quis escrever a declaração final era não termos acordo. Isso é que é a multilateralidade.
Relativamente ao financiamento, e eu acho que nós estamos no bom caminho no sentido em que manifestamente o financiamento para a adaptação ganha uma escala que nunca tinha ganho, ainda não é metade dos 100 mil milhões, mas aumentou para o dobro relativamente ao compromisso anterior. E porque indubitavelmente os países que mais precisam de dinheiro precisam de dinheiro para adaptação. E não só precisam do dinheiro para a adaptação como esta é a área que nunca o mercado resolverá. Resumimos o Acordo de Paris a dois verbos: mitigar e adaptar. Mitigar quer dizer reduzir as emissões e o mercado dará certamente muitas respostas à redução das emissões. O mercado pode instalar solar farm em África para produzir eletricidade e com isso ganhar dinheiro. Quando estamos a falar de adaptação, quando estamos a falar de proteger o litoral, quando estamos a falar de proteger rios e ribeiras, quando estamos a falar de evitar a degradação do solo, quando estamos a falar de, muito provavelmente, de deslocalizar milhares de pessoas que estão em zonas extremamente vulneráveis, aí não haja dúvidas que tem mesmo que ser com dinheiro público.
Saímos de Glasgow com o mesmo 1,5° e, saímos de Glasgow, com o número médio das expectativas, que se foi ouvindo e não é um número fechado, de chegarmos ao final do século com aquecimento de 2,2°. Se em Paris, há 6 anos, se dissesse que após 5 anos tivéssemos passado de 3,2° para 2,2°, este era um excelente resultado. É hoje um excelente resultado? Não é! Não é porque de facto sabemos que tudo andou muito mais depressa que já estamos mesmo com aquecimento de 1,2° e, por isso, temos que, em face do que fomos aprendendo, ter de andar mais depressa nos anos mais próximos. É só aqui que eu sinto que gostaria que tivéssemos ido mais além, reconhecendo que seria extraordinariamente difícil ir mais além. Portanto direi que saio de Glasgow com uma convicção: é que é mesmo possível que a liderança destes processos esteja, não na rua, mas dentro das casas e liderada pelas instituições. Com todo o respeito com que reconheço de forma evidente que a Greta Thunberg fez muito mais pela divulgação deste problema e pelo problema da ação climática do que o senhor Al Gore ou do que o senhor John Kerry, e não é só na geração dela, mesmos junto dos meus pais, a senhora Greta Thunberg ensinou-lhes muito mais ou pelo menos fê-los pensar muito mais do que o senhor Al Gore e que o senhor John Kery, mesmo que sejam pessoas muito comprometidas com essas matérias. Mas eu não consigo aceitar que a liderança esteja na rua. No dia em que a liderança estiver na rua não haverá justiça climática, no dia em que a liderança estiver na rua não haverá transferência dinheiro para quem mais precisa e por isso têm que ser mesmo as instituições e os Estados e as democracias liberais, tanto quanto possível, a liderar este processo. Obviamente se nós não liderarmos este processo corremos um duplo risco: o risco de não atingir os nossos objetivos ou o risco de a liderança passar para a rua, o que é também um risco muito grande. Por isso sinto-me muito provocado por aqueles que querem que eu faça cada vez melhor. Acho que é mesmo isso que eu devo fazer, mas quero é mesmo tentar garantir que a liderança não está na rua porque a injustiça da transição será enorme no dia em que as instituições de demitirem do seu papel.
Portugal, já agora, Portugal e a Europa. Portugal foi o primeiro país do mundo que disse vamos ser neutros em carbono em 2050. Portugal tem um orgulho muito grande em presidir ao Conselho Europeu quando foi aprovada a lei do clima que, de forma muito simplificada, disse a mesma coisa: vamos ser neutros em carbono em 2050. Diz mais do que isso, vamos ter emissões negativas depois disso e Portugal já reduzir em 32% das suas emissões, desde 2005. 60% da eletricidade consumida provém de fontes renováveis. Li uma notícia que dizia que no mês de outubro, em Portugal, foram vendidos mais automóveis elétricos que automóveis a disel. Os automóveis elétricos já representam 25% da quota de venda destes últimos 2 meses, a comparar com os números de há mais de 6 anos em que só 1% dos veículos, em Portugal, é que eram veículos elétricos. Todos os 99% eram motores de combustão. Por isso Portugal vai bem e, sobretudo, tem cada vez mais um modelo de desenvolvimento em que deixa claro que investir na sustentabilidade é o melhor para o crescimento da economia do nosso país. Normalmente pede-se aos ministros do ambiente que quando se fala em crescimento da economia que eles estejam calados ou que sejam agnósticos. Eu não sou. Eu sou a favor do crescimento da economia e digo isto de forma inequívoca. Eu não encontro modelo de bem-estar para os portugueses, ou para os que não são portugueses, numa economia que não cresce. Agora tem que crescer neutra em carbono, regenerando recursos e cabendo dentro dos limites do sistema terrestre e, para isso, tem que ter mecanismos completamente diferentes daqueles que estiveram no passado. Dou só um exemplo. Olhamos para aquilo que foi, e foi um sucesso, a divulgação das agendas inovadoras para a indústria que foram apresentadas na presença do primeiro-ministro António Costa e do ministro Pedro Siza, no terminal de cruzeiros do porto de Leixões. 70% do investimento que lá está é investimento que tem a ver com o cluster do lítio até à reciclagem das baterias; tem a ver com a produção de energia a partir de fontes renováveis; tem a ver com a produção de gases renováveis; tem a ver com a descarbonização de processos industriais, ou seja, é investimento. Por isso, aqueles que ainda dizem, e dizem mal, que o ambiente e economia estão de costas voltadas, ou são faces voltadas da mesma moeda, estão mesmo completamente enganados. Os três cenários que estudamos, em função daquilo que foi o compromisso de neutralidade carbónica para 2050, deixou uma coisa absolutamente clara: o cenário que mais garante que Portugal vai ser neutro em carbono 2050 é o cenário em que a economia cresce mais, ou seja, quer dizer mais mobilidade e mais consumo de energia. Agora essa mobilidade tem que ter zero emissões, esse consumo de energia tem que também ter zero emissões. E por isso, o que estamos aqui a falar é mesmo de investimento 2 B, como agora se diz, 2 mil milhões de euros em cada ano relativamente ao cenário business as usual, do qual 85% deste investimento é das famílias e das empresas, ou seja, estamos mesmo a falar de pôr a economia a crescer com investimentos na sustentabilidade. Por isso é essencial que a Europa lidere este processo no mundo, até porque não lidera mais nenhum. Se pensarmos, por exemplo, na transição digital, os chineses e os americanos já estão muitos quilómetros à nossa frente e, por isso, é essencial manter a liderança política no discurso, no compromisso relativamente ao combate às alterações climáticas. Atrás dele está de facto um potencial de criação de riqueza, criação de novos empregos, e empregos qualificados da maior dimensão, e a Europa tem de o liderar. E Portugal quer liderá-lo neste contexto europeu, sendo mesmo um dos países mais progressistas.
Em conclusão, Glasgow acontece do meio de uma crise energética verdadeira. E alguns tentaram fazer criar a confusão relativamente à descarbonização e à crise energética. Hoje, não tem mesmo nada a ver uma com a outra. Sim, os combustíveis estão mais caros, mas por uma única razão. É que o petróleo está mais caro. Sim, a eletricidade na produção está mais cara, mas por uma única razão. É que ainda se produz eletricidade a partir de combustíveis fósseis, mormente gás natural, e o gás natural está mais caro, logo a produção é mais cara. É exatamente o oposto. Agora fechamos o carvão vamos ter de importar energia? Bom, o que é que é o carvão? É energia. De onde é que ele vem? É tudo importado. 100% do carvão que chega a Portugal chama-se energia importada e, portanto, eu admito que por causa de se encerrar o Pego haja 1% do que se consome num dia que seja importado a partir, já agora, de um mix energético, onde também entra o carvão, mas entra residualmente enquanto aqui era 100%. Não haja a mais pequena dúvida, dos ganhos ambientais, dos enormes ganhos da balança comercial. Este phase out do carvão dos últimos 3 anos poupou a Portugal 440 milhões de euros de importação de carvão. Por isso, é absolutamente essencial, para garantir que o país se eletrifica mais e que a eletricidade é barata, que 100% da eletricidade seja produzida a partir de fontes renováveis. No dia em que isso acontecer vai ser mesmo muito mais barata, não podendo nós nunca, em situação alguma, perder a noção de eficiência. Não é porque a eletricidade é toda ela gerada a partir de fontes renováveis que nós podemos ter sempre a luz acesa. Não, de facto não têm emissões, mas nós não temos materiais do mundo para construir os aparatos todos que são necessários a essa produção de eletricidade que, lá porque não tem emissões, parece que se pode gastar ilimitadamente. Por isso aqueles que quiseram confundir a crise energética com a descarbonização, mentiram. Não há hipótese alternativa de dizer isto.
Sobre a relevância da ciência eu não tenho a mais pequena dúvida que se há preocupação, eu direi mais do que isso, se há uma causa que a humanidade procura ter no sentido de combater as alterações climáticas é a ciência que está por trás desta causa. Já houve vários momentos de aquecimento e de graves mudanças do clima no Planeta, mas nunca nenhuma por ação de uma espécie, a nossa, que vai produzindo cada vez mais gases e, particularmente, gases carbónicos que têm uma maior concentração na atmosfera e é isso que provoca os fenómenos climáticos extremos e o aquecimento global. Foi mesmo a ciência que demonstrou isso, eu diria até como cidadão que gosta de especular, até me assusto quando há uma unanimidade tão grande, quando 98% dos cientistas dizem isto, acredito que será certamente um bocadinho assim. Sim, a ciência tem aqui um papel da maior importância, nomeadamente aliada à tecnologia, na produção de novas formas de poder fazer, com o qual tem que ter um enorme cuidado. A propósito do copo meio cheio ou meio vazio eu costumo dizer que se o otimista diz que está meio cheio, o pessimista diz que está meio vazio, o engenheiro deve dizer que o copo tem o dobro do tamanho que é necessário para água que tem lá dentro. Nós temos que ter uma economia cada vez mais pensada para a generalidade da suficiência e, nesse sentido, temos mesmo que evitar coisas como, por exemplo, estarmos sempre a produzir. Há materiais que são fantásticos, mais dúcteis, mais leves, mais baratos, mas eu pergunto: E quando deixar de ser usado que é que faz? E, a maior parte das vezes, não há resposta. A ciência, aliada à tecnologia, tem que ter sempre esta preocupação.
Em relação ao papel do poder local eu direi que sem de poder local não há transição justa. Só o poder local, tendo cada vez mais a generalidade dos autarcas consciência absoluta de que existem alterações climáticas, de que é preciso combatê-las, ninguém melhor do que os autarcas sabem, em primeiro lugar, definir políticas para o território porque, tudo o que tem que ver com o ambiente, está relacionado com o território, e é capaz de contribuindo para prosseguir um objetivo global, ser capaz de garantir que ninguém fica para trás. Os autarcas são aqui absolutamente essenciais.
Tecnologia ou mudança de comportamento? Há aqui coisas diferentes. Eu direi que no setor electroprodutor, a tecnologia vai ter um papel muito relevante. Isto é, os consumidores devem ser, cada vez mais, menos consumidores e mais ativos, devem procurar a criação de comunidades energéticas de autoconsumo, a partir de fontes renováveis, mas no limite podem só acender e apagar a luz no interruptor e ficarem satisfeitos. Ficarão certamente se os eletrões todos que chegam a casa provierem de fontes renováveis. Eu posso não ter de mudar muito o meu comportamento para que, por exemplo, o setor electroprodutor chegue em Portugal aos 100% de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis. No limite isso é uma coisa das empresas e da tecnologia que elas conseguem desenvolver.
Mas há matérias onde, indubitavelmente, temos de mudar os comportamentos. Estou a falar da mobilidade. Dou estes dois exemplos porque no roteiro para a neutralidade carbónica há dois sectores que têm de chegar a emissões zero em 2050: a produção de eletricidade e a mobilidade terrestre. A segunda só se consegue, sem qualquer dúvida, se nós tivermos aqui um grande esforço na alteração dos comportamentos. Há uma parte social nestas matérias. Não tenho dúvidas nenhumas que nós só vamos conseguir ser neutros em carbono com esforço. Não encontro outra forma de o poder fazer. Significa este esforço necessariamente uma perda de qualidade de vida? Eu quero acreditar que não. Eu quero acreditar que não, sobretudo, se, por exemplo, nos habituarmos a partilhar mais as coisas. Eu não posso deixar de ter uma mala grande para uma viagem grande. Mas eu preciso de ser dono dessa mala, que todos sabemos que 99,9% do tempo não a uso e é um estorvo que eu tenho lá em casa? Há uma lâmpada lá em casa que só se consegue mudar com um escadote alto. Mas a lâmpada só se funde a cada 3 anos. Eu preciso ter um escadote para mudar uma lâmpada que se funde a cada 3 anos? Certamente não preciso, mas isso obriga, de facto a mudar o nosso comportamento. Sem esforço nós não conseguimos chegar onde queremos. Dando números para não especular. As energias renováveis já criaram em Portugal 9000 empregos. Só 3000 empregos são no cluster eólico de Viana do castelo, ou seja, é mais o emprego criado que emprego destruído pelas energias renováveis. Mas obviamente que isso obriga a um cuidado muito grande. Há fundos para tal, como seja ao fundo da transição justa, mas indesmentivelmente, assim como já houve momentos em que na história se perdeu uma percentagem enorme da população em face do desconhecido, seja o desconhecido da peste, ou uma outra pandemia, uma guerra terrível, nós aqui também temos que fazer este esforço. Vem aí uma mudança. Imaginando que há duas visões diferentes: uma verde e uma digital, se calhar a digital vai trazer muito mais disrupções no trabalho do que se calhar a transição verde. Recordo-me de há pouco tempo ver um estudo sobre quais são os empregos mais dispensáveis em função da transição tecnológica e concluir que o estudo não podia estar certo, porque dizia que um dos empregos mais dispensável com a transição tecnológica é o de arbitro. Se de facto o mundo fosse justo não sei quando é que o Benfica iria voltar a ganhar campeonato algum. Portanto é evidente que vai ter de continuar a haver árbitros e há sempre formas de mitigar aquilo que nos é trazido pela ciência.
Haverá o sentimento existente para a mudança? Existe cada vez mais. O Banco Europeu de Investimentos a cada ano faz um inquérito sobre qual é o grau de preocupação que as pessoas têm com as alterações climáticas e Portugal tem estado sempre liderança. Cerca de 85% dos portugueses estão preocupados ou muito preocupados com as alterações climáticas. Nós aprendemos isto de forma brusca. O que aconteceu em 2017 não deixa dúvidas. Muitas vezes a escatologia acaba por ser importante para no dar um empurrão. Portugal viu, não só, morrer mais de 100 pessoas nos incêndios de 2017, como já perdeu 13 km quadrados de costa nos últimos 30 anos, como já nenhum de nós tem dúvidas que, o que é conjuntural é não haver seca a sul do Tejo, estrutural é haver seca. Por isso acho que já nenhum de nós tem dúvidas sobre aquilo que é esta mudança. Obviamente que ainda existe uma fatia muito grande da população que acha sempre que se deve atuar no lado da oferta: se não há água façam barragens, se não há água dessalinizem, se não há água vão buscá-la a qualquer sítio. Mas esta não pode ser a saída porque os recursos são finitos. Nós temos que saber agir do lado da procura e sermos mais inteligentes a gerir esta procura e, é aqui que eu sinto também que os setores são muito diferentes entre si. Estou sinceramente convencido que uma enorme parte da indústria portuguesa tem consciência que, ou se descarboniza, ou sai do mercado. Li uma notícia há cerca de três semanas, já depois de Glasgow, que num país do sul de África, diziam que não faltam hidrocarbonetos e petróleo para explorar. Já não havia é ninguém que desse dinheiro para poderem fazer essa exploração. Os bancos deixaram de financiar esses projetos. Isso obviamente vai levar, e vai conduzir, a uma mudança que no setor industrial é muito evidente. Quais são os dois setores onde eu sinto que há uma menor propensão para a mudança? Ponto um é um setor transversal social que é mesmo o da mobilidade. A pandemia então pôs em causa tudo. Depois do PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes) há 6 anos, em que reduzimos em mais de 100 euros o valor dos passes mensais na área para Lisboa, em alguns casos, hoje temos 60% da procura que tínhamos no início da pandemia nos transportes coletivos. As pessoas têm um receio enorme de andar de transportes coletivos e isso não deixa de ser significativo e não deixa de nos fazer pensar. Há um outro setor que tem que mudar muito, a agricultura. A agricultura é o único setor produtivo em que as emissões são crescentes em Portugal. Por isso nós temos mesmo que ter aqui uma muito maior preocupação com a forma como nos alimentamos e com a forma como produzimos aquilo que comemos porque, essa sim, não tendo a mais pequena dúvida, de que é absolutamente essencial nós termos, num planeta que já hoje deixa gente a passar fome, alimentos mais baratos, a intensidade da produção é aquela que nos vai trazer problemas mais complexos do ponto de vista das emissões nos anos mais próximos.
Relativamente à dependência do gás diria o seguinte: quanto mais depressa investirmos em fontes renováveis, menos vamos sofrer com qualquer problema de gás. Se nós hoje produzimos 60% da eletricidade a partir de fontes renováveis, o que quer dizer que 8 a 9% são biomassa, 30 a 32% é gás. Quando esses 30% forem 20% e esses 20% forem 10% e quando esses 10% forem zero, esse problema deixa de existir. De facto, Portugal tem a ventura de ter água, sol e vento suficientes para produzir 100% da eletricidade que consome. Na água, desde 1910/40/50, com as barragens. Neste momento não há grande espaço para fazer mais barragens em Portugal, nem água para ela poder vir a produzir mais eletricidade, estamos mais ou menos nossos limites. No vento, com um esforço muito grande feito há cerca de 20 anos. No solar ainda somos uns meninos, apesar de já termos mais do que duplicado a produção solar, nós produzimos hoje menos eletricidade a partir do solar do que na Bélgica. Portanto, nós temos um potencial de crescimento de eletricidade a partir do solar enorme no nosso país.
Sobre as condições ambientais de base eu direi que elas estão presentes. Se nós olharmos, por exemplo, para aquilo que são os investimentos nos setores que podem de alguma forma agredir o ambiente, no PRR, e no futuro do quadro comunitário de apoio, eles são quase todos de apoio à descarbonização. O que é o apoio para a indústria no PRR? 715 milhões de euros para a descarbonização da indústria. Nós pensamos muito nos fundos comunitários, mas os fundos comunitários não são a fonte de financiamento comum das famílias e das empresas. A fonte de financiamento comum das famílias e das empresas é a banca e aquilo que é absolutamente essencial é que, assim como hoje existem stress tests para a banca, exista um stress test para a cor do portfólio de empréstimos e de clientes que a banca tem. Isto é, nós temos que exigir àquele que é verdadeiramente o maior financiador da economia, e será sempre e é muito normal que assim seja. Os fundos comunitários são sempre a excecionalidade, mas a banca é que tem mesmo que cumprir este papel de cada vez mais olhar, na análise de risco que faz dos investimentos que suporta, de perceber que a regeneração dos recursos fosseis têm que estar presente. Concluo com uma afirmação: crise energética imaginei que ia ter em seis anos de governo, crise de matérias-primas é que nunca imaginei. Por isso também aqui afinal a origem das matérias-primas que parecia que poderia vir de qualquer sítio são um fator de risco muito importante para a industria e para a produção e até para a construção e é absolutamente essencial nós termos uma dupla perspetiva que é a de explorar as poucas matérias-primas que temos em proximidade, sim, eu vou dizer a palavra, lítio, e a segunda coisa que manifestamente não podemos fugir é perceber que o resíduos que produzimos não são afinal resíduos são em muitos dos casos os recursos para essa mesma produção que necessitamos e com uma muito maior proximidade e com o muito menor risco de procura.
Em primeiro lugar, Glasgow é filho de um acordo multilateral que é o Acordo de Paris. E o Acordo de Paris é de facto um acordo muito, mesmo muito bem-sucedido, sobretudo se pensarmos na história que vem de trás de dois acordos: o de Quioto que pareceu bem-sucedido e o de Copenhaga que confesso que nunca me convenceu. O outro é o compromisso dos países ricos relativamente à redução das emissões. Copenhaga é um exercício paternalista dos países ricos a dizer aos países pobres o que é que eles deveriam fazer. Obviamente enganaram-se. Paris, é mesmo um exercício multilateral em que todos assumem um compromisso. Nós saímos de Paris com dois números: 1,5° como objetivo e 3,1°, isto é, aquilo que resultava do somatório de todas as partes, conduziria a um aumento da temperatura de 3,1° no final do século XXI. Por isso Paris tinha uma cláusula da maior relevância e por isso Glasgow era tão relevante: é que a cada 5 anos tem que haver uma maior ambição para irmos destes 3,1° para 1,5°. Em rigor Glasgow não foi 5 anos depois de Paris foi 6 anos depois de Paris, mas porque no ano de 2020 não houve COP.
Em minha opinião, Glasgow cumpriu manifestamente as suas funções se pensarmos à luz daquilo que Paris definiu, que Paris estabeleceu, e que era a ambição máxima que se poderia esperar 5 anos antes do acordo de Paris. Por outro lado, Glasgow não cumpriu completamente as suas ambições se tivermos em conta aquilo que a ciência evoluiu e o que os fenómenos climáticos extremos nos trouxeram. Nós saímos de Glasgow com o compromisso de procura do 1,5°. Já agora, porque não é detalhe, todas as matérias do livro de regras, as regras de transparência, as regras relativamente ao mercado de carbono completamente estabelecidas, completamente fechadas, isso não é irrelevante porque era aquilo que nós tínhamos em Madrid e não fizemos nada. Na verdade, isso não é nada irrelevante e eu tenho que reconhecer que todas as partes estavam a mexer. Dou o exemplo do Brasil. Durante a conferência de Madrid, o Brasil era uma estátua de sal fugida de Sodoma e Gomorra e, manifestamente, agora, em Glasgow, o Brasil mexeu-se à procura de um acordo e, por isso, todas essas matérias não são irrelevantes e sobre elas houve de facto entendimento. Mas repito, saímos de Paris com a certeza de que podemos chegar ao 1,5° com uma meta de redução de emissões muito ambiciosa para 2030 e com um conjunto de compromissos paralelos à própria cimeira: a questão da desflorestação, a questão da tentativa do compromisso muito vasto relativamente ao fim do uso do carvão (que os Estados Unidos não assinaram), com outro compromisso paralelo que me parece da maior importância que é o acordo entre Estados Unidos e China, porque os Estados Unidos e a China ao estabelecerem um acordo, os Estados Unidos mostraram aquilo eu acho que a Presidência da COP nunca entendeu completamente, é que é preciso separar completamente economias emergentes como a China e a Índia, que não precisam de dinheiro nenhum para fazer as coisas, precisam é, obviamente em primeiro lugar, da nossa parte que nunca haja nenhum álibi para que escapem e segundo lugar precisam certamente de alguma diferença em tecnologia e know how. Uma completa diferença entre os países emergentes e os países que estão em vias de desenvolvimento que manifestamente precisam de apoio tecnológico, de apoio de saber, mas de apoio financeiro para contrabalançar. Portanto direi que desse ponto de vista Glasgow andou muito bem e podemos dizer que ficamos com um amargo de boca quando ouvimos a Índia dizer que vai sair do carbono em 2070. Na realidade, foi a primeira vez ouvimos a Índia a dizer alguma coisa sobre isto. O que queríamos, de facto, era a expressão exata ou o que mais queríamos era o phase out do carvão e ficou, salvo erro, phase down. Não é o acabar e o desfazer, é o reduzir. Em primeiro lugar, é a primeira vez que isto se escreve. Nunca se tinha escrito. Em segundo lugar, isto é um acordo multilateral, portanto, não ir ao encontro da pretensão, sobretudo da Índia, não quer dizer que a China não se tenha escondido atrás da Índia, não ir ao encontro do objetivo, da forma como a Índia quis escrever a declaração final era não termos acordo. Isso é que é a multilateralidade.
Relativamente ao financiamento, e eu acho que nós estamos no bom caminho no sentido em que manifestamente o financiamento para a adaptação ganha uma escala que nunca tinha ganho, ainda não é metade dos 100 mil milhões, mas aumentou para o dobro relativamente ao compromisso anterior. E porque indubitavelmente os países que mais precisam de dinheiro precisam de dinheiro para adaptação. E não só precisam do dinheiro para a adaptação como esta é a área que nunca o mercado resolverá. Resumimos o Acordo de Paris a dois verbos: mitigar e adaptar. Mitigar quer dizer reduzir as emissões e o mercado dará certamente muitas respostas à redução das emissões. O mercado pode instalar solar farm em África para produzir eletricidade e com isso ganhar dinheiro. Quando estamos a falar de adaptação, quando estamos a falar de proteger o litoral, quando estamos a falar de proteger rios e ribeiras, quando estamos a falar de evitar a degradação do solo, quando estamos a falar de, muito provavelmente, de deslocalizar milhares de pessoas que estão em zonas extremamente vulneráveis, aí não haja dúvidas que tem mesmo que ser com dinheiro público.
Saímos de Glasgow com o mesmo 1,5° e, saímos de Glasgow, com o número médio das expectativas, que se foi ouvindo e não é um número fechado, de chegarmos ao final do século com aquecimento de 2,2°. Se em Paris, há 6 anos, se dissesse que após 5 anos tivéssemos passado de 3,2° para 2,2°, este era um excelente resultado. É hoje um excelente resultado? Não é! Não é porque de facto sabemos que tudo andou muito mais depressa que já estamos mesmo com aquecimento de 1,2° e, por isso, temos que, em face do que fomos aprendendo, ter de andar mais depressa nos anos mais próximos. É só aqui que eu sinto que gostaria que tivéssemos ido mais além, reconhecendo que seria extraordinariamente difícil ir mais além. Portanto direi que saio de Glasgow com uma convicção: é que é mesmo possível que a liderança destes processos esteja, não na rua, mas dentro das casas e liderada pelas instituições. Com todo o respeito com que reconheço de forma evidente que a Greta Thunberg fez muito mais pela divulgação deste problema e pelo problema da ação climática do que o senhor Al Gore ou do que o senhor John Kerry, e não é só na geração dela, mesmos junto dos meus pais, a senhora Greta Thunberg ensinou-lhes muito mais ou pelo menos fê-los pensar muito mais do que o senhor Al Gore e que o senhor John Kery, mesmo que sejam pessoas muito comprometidas com essas matérias. Mas eu não consigo aceitar que a liderança esteja na rua. No dia em que a liderança estiver na rua não haverá justiça climática, no dia em que a liderança estiver na rua não haverá transferência dinheiro para quem mais precisa e por isso têm que ser mesmo as instituições e os Estados e as democracias liberais, tanto quanto possível, a liderar este processo. Obviamente se nós não liderarmos este processo corremos um duplo risco: o risco de não atingir os nossos objetivos ou o risco de a liderança passar para a rua, o que é também um risco muito grande. Por isso sinto-me muito provocado por aqueles que querem que eu faça cada vez melhor. Acho que é mesmo isso que eu devo fazer, mas quero é mesmo tentar garantir que a liderança não está na rua porque a injustiça da transição será enorme no dia em que as instituições de demitirem do seu papel.
Portugal, já agora, Portugal e a Europa. Portugal foi o primeiro país do mundo que disse vamos ser neutros em carbono em 2050. Portugal tem um orgulho muito grande em presidir ao Conselho Europeu quando foi aprovada a lei do clima que, de forma muito simplificada, disse a mesma coisa: vamos ser neutros em carbono em 2050. Diz mais do que isso, vamos ter emissões negativas depois disso e Portugal já reduzir em 32% das suas emissões, desde 2005. 60% da eletricidade consumida provém de fontes renováveis. Li uma notícia que dizia que no mês de outubro, em Portugal, foram vendidos mais automóveis elétricos que automóveis a disel. Os automóveis elétricos já representam 25% da quota de venda destes últimos 2 meses, a comparar com os números de há mais de 6 anos em que só 1% dos veículos, em Portugal, é que eram veículos elétricos. Todos os 99% eram motores de combustão. Por isso Portugal vai bem e, sobretudo, tem cada vez mais um modelo de desenvolvimento em que deixa claro que investir na sustentabilidade é o melhor para o crescimento da economia do nosso país. Normalmente pede-se aos ministros do ambiente que quando se fala em crescimento da economia que eles estejam calados ou que sejam agnósticos. Eu não sou. Eu sou a favor do crescimento da economia e digo isto de forma inequívoca. Eu não encontro modelo de bem-estar para os portugueses, ou para os que não são portugueses, numa economia que não cresce. Agora tem que crescer neutra em carbono, regenerando recursos e cabendo dentro dos limites do sistema terrestre e, para isso, tem que ter mecanismos completamente diferentes daqueles que estiveram no passado. Dou só um exemplo. Olhamos para aquilo que foi, e foi um sucesso, a divulgação das agendas inovadoras para a indústria que foram apresentadas na presença do primeiro-ministro António Costa e do ministro Pedro Siza, no terminal de cruzeiros do porto de Leixões. 70% do investimento que lá está é investimento que tem a ver com o cluster do lítio até à reciclagem das baterias; tem a ver com a produção de energia a partir de fontes renováveis; tem a ver com a produção de gases renováveis; tem a ver com a descarbonização de processos industriais, ou seja, é investimento. Por isso, aqueles que ainda dizem, e dizem mal, que o ambiente e economia estão de costas voltadas, ou são faces voltadas da mesma moeda, estão mesmo completamente enganados. Os três cenários que estudamos, em função daquilo que foi o compromisso de neutralidade carbónica para 2050, deixou uma coisa absolutamente clara: o cenário que mais garante que Portugal vai ser neutro em carbono 2050 é o cenário em que a economia cresce mais, ou seja, quer dizer mais mobilidade e mais consumo de energia. Agora essa mobilidade tem que ter zero emissões, esse consumo de energia tem que também ter zero emissões. E por isso, o que estamos aqui a falar é mesmo de investimento 2 B, como agora se diz, 2 mil milhões de euros em cada ano relativamente ao cenário business as usual, do qual 85% deste investimento é das famílias e das empresas, ou seja, estamos mesmo a falar de pôr a economia a crescer com investimentos na sustentabilidade. Por isso é essencial que a Europa lidere este processo no mundo, até porque não lidera mais nenhum. Se pensarmos, por exemplo, na transição digital, os chineses e os americanos já estão muitos quilómetros à nossa frente e, por isso, é essencial manter a liderança política no discurso, no compromisso relativamente ao combate às alterações climáticas. Atrás dele está de facto um potencial de criação de riqueza, criação de novos empregos, e empregos qualificados da maior dimensão, e a Europa tem de o liderar. E Portugal quer liderá-lo neste contexto europeu, sendo mesmo um dos países mais progressistas.
Em conclusão, Glasgow acontece do meio de uma crise energética verdadeira. E alguns tentaram fazer criar a confusão relativamente à descarbonização e à crise energética. Hoje, não tem mesmo nada a ver uma com a outra. Sim, os combustíveis estão mais caros, mas por uma única razão. É que o petróleo está mais caro. Sim, a eletricidade na produção está mais cara, mas por uma única razão. É que ainda se produz eletricidade a partir de combustíveis fósseis, mormente gás natural, e o gás natural está mais caro, logo a produção é mais cara. É exatamente o oposto. Agora fechamos o carvão vamos ter de importar energia? Bom, o que é que é o carvão? É energia. De onde é que ele vem? É tudo importado. 100% do carvão que chega a Portugal chama-se energia importada e, portanto, eu admito que por causa de se encerrar o Pego haja 1% do que se consome num dia que seja importado a partir, já agora, de um mix energético, onde também entra o carvão, mas entra residualmente enquanto aqui era 100%. Não haja a mais pequena dúvida, dos ganhos ambientais, dos enormes ganhos da balança comercial. Este phase out do carvão dos últimos 3 anos poupou a Portugal 440 milhões de euros de importação de carvão. Por isso, é absolutamente essencial, para garantir que o país se eletrifica mais e que a eletricidade é barata, que 100% da eletricidade seja produzida a partir de fontes renováveis. No dia em que isso acontecer vai ser mesmo muito mais barata, não podendo nós nunca, em situação alguma, perder a noção de eficiência. Não é porque a eletricidade é toda ela gerada a partir de fontes renováveis que nós podemos ter sempre a luz acesa. Não, de facto não têm emissões, mas nós não temos materiais do mundo para construir os aparatos todos que são necessários a essa produção de eletricidade que, lá porque não tem emissões, parece que se pode gastar ilimitadamente. Por isso aqueles que quiseram confundir a crise energética com a descarbonização, mentiram. Não há hipótese alternativa de dizer isto.
Sobre a relevância da ciência eu não tenho a mais pequena dúvida que se há preocupação, eu direi mais do que isso, se há uma causa que a humanidade procura ter no sentido de combater as alterações climáticas é a ciência que está por trás desta causa. Já houve vários momentos de aquecimento e de graves mudanças do clima no Planeta, mas nunca nenhuma por ação de uma espécie, a nossa, que vai produzindo cada vez mais gases e, particularmente, gases carbónicos que têm uma maior concentração na atmosfera e é isso que provoca os fenómenos climáticos extremos e o aquecimento global. Foi mesmo a ciência que demonstrou isso, eu diria até como cidadão que gosta de especular, até me assusto quando há uma unanimidade tão grande, quando 98% dos cientistas dizem isto, acredito que será certamente um bocadinho assim. Sim, a ciência tem aqui um papel da maior importância, nomeadamente aliada à tecnologia, na produção de novas formas de poder fazer, com o qual tem que ter um enorme cuidado. A propósito do copo meio cheio ou meio vazio eu costumo dizer que se o otimista diz que está meio cheio, o pessimista diz que está meio vazio, o engenheiro deve dizer que o copo tem o dobro do tamanho que é necessário para água que tem lá dentro. Nós temos que ter uma economia cada vez mais pensada para a generalidade da suficiência e, nesse sentido, temos mesmo que evitar coisas como, por exemplo, estarmos sempre a produzir. Há materiais que são fantásticos, mais dúcteis, mais leves, mais baratos, mas eu pergunto: E quando deixar de ser usado que é que faz? E, a maior parte das vezes, não há resposta. A ciência, aliada à tecnologia, tem que ter sempre esta preocupação.
Em relação ao papel do poder local eu direi que sem de poder local não há transição justa. Só o poder local, tendo cada vez mais a generalidade dos autarcas consciência absoluta de que existem alterações climáticas, de que é preciso combatê-las, ninguém melhor do que os autarcas sabem, em primeiro lugar, definir políticas para o território porque, tudo o que tem que ver com o ambiente, está relacionado com o território, e é capaz de contribuindo para prosseguir um objetivo global, ser capaz de garantir que ninguém fica para trás. Os autarcas são aqui absolutamente essenciais.
Tecnologia ou mudança de comportamento? Há aqui coisas diferentes. Eu direi que no setor electroprodutor, a tecnologia vai ter um papel muito relevante. Isto é, os consumidores devem ser, cada vez mais, menos consumidores e mais ativos, devem procurar a criação de comunidades energéticas de autoconsumo, a partir de fontes renováveis, mas no limite podem só acender e apagar a luz no interruptor e ficarem satisfeitos. Ficarão certamente se os eletrões todos que chegam a casa provierem de fontes renováveis. Eu posso não ter de mudar muito o meu comportamento para que, por exemplo, o setor electroprodutor chegue em Portugal aos 100% de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis. No limite isso é uma coisa das empresas e da tecnologia que elas conseguem desenvolver.
Mas há matérias onde, indubitavelmente, temos de mudar os comportamentos. Estou a falar da mobilidade. Dou estes dois exemplos porque no roteiro para a neutralidade carbónica há dois sectores que têm de chegar a emissões zero em 2050: a produção de eletricidade e a mobilidade terrestre. A segunda só se consegue, sem qualquer dúvida, se nós tivermos aqui um grande esforço na alteração dos comportamentos. Há uma parte social nestas matérias. Não tenho dúvidas nenhumas que nós só vamos conseguir ser neutros em carbono com esforço. Não encontro outra forma de o poder fazer. Significa este esforço necessariamente uma perda de qualidade de vida? Eu quero acreditar que não. Eu quero acreditar que não, sobretudo, se, por exemplo, nos habituarmos a partilhar mais as coisas. Eu não posso deixar de ter uma mala grande para uma viagem grande. Mas eu preciso de ser dono dessa mala, que todos sabemos que 99,9% do tempo não a uso e é um estorvo que eu tenho lá em casa? Há uma lâmpada lá em casa que só se consegue mudar com um escadote alto. Mas a lâmpada só se funde a cada 3 anos. Eu preciso ter um escadote para mudar uma lâmpada que se funde a cada 3 anos? Certamente não preciso, mas isso obriga, de facto a mudar o nosso comportamento. Sem esforço nós não conseguimos chegar onde queremos. Dando números para não especular. As energias renováveis já criaram em Portugal 9000 empregos. Só 3000 empregos são no cluster eólico de Viana do castelo, ou seja, é mais o emprego criado que emprego destruído pelas energias renováveis. Mas obviamente que isso obriga a um cuidado muito grande. Há fundos para tal, como seja ao fundo da transição justa, mas indesmentivelmente, assim como já houve momentos em que na história se perdeu uma percentagem enorme da população em face do desconhecido, seja o desconhecido da peste, ou uma outra pandemia, uma guerra terrível, nós aqui também temos que fazer este esforço. Vem aí uma mudança. Imaginando que há duas visões diferentes: uma verde e uma digital, se calhar a digital vai trazer muito mais disrupções no trabalho do que se calhar a transição verde. Recordo-me de há pouco tempo ver um estudo sobre quais são os empregos mais dispensáveis em função da transição tecnológica e concluir que o estudo não podia estar certo, porque dizia que um dos empregos mais dispensável com a transição tecnológica é o de arbitro. Se de facto o mundo fosse justo não sei quando é que o Benfica iria voltar a ganhar campeonato algum. Portanto é evidente que vai ter de continuar a haver árbitros e há sempre formas de mitigar aquilo que nos é trazido pela ciência.
Haverá o sentimento existente para a mudança? Existe cada vez mais. O Banco Europeu de Investimentos a cada ano faz um inquérito sobre qual é o grau de preocupação que as pessoas têm com as alterações climáticas e Portugal tem estado sempre liderança. Cerca de 85% dos portugueses estão preocupados ou muito preocupados com as alterações climáticas. Nós aprendemos isto de forma brusca. O que aconteceu em 2017 não deixa dúvidas. Muitas vezes a escatologia acaba por ser importante para no dar um empurrão. Portugal viu, não só, morrer mais de 100 pessoas nos incêndios de 2017, como já perdeu 13 km quadrados de costa nos últimos 30 anos, como já nenhum de nós tem dúvidas que, o que é conjuntural é não haver seca a sul do Tejo, estrutural é haver seca. Por isso acho que já nenhum de nós tem dúvidas sobre aquilo que é esta mudança. Obviamente que ainda existe uma fatia muito grande da população que acha sempre que se deve atuar no lado da oferta: se não há água façam barragens, se não há água dessalinizem, se não há água vão buscá-la a qualquer sítio. Mas esta não pode ser a saída porque os recursos são finitos. Nós temos que saber agir do lado da procura e sermos mais inteligentes a gerir esta procura e, é aqui que eu sinto também que os setores são muito diferentes entre si. Estou sinceramente convencido que uma enorme parte da indústria portuguesa tem consciência que, ou se descarboniza, ou sai do mercado. Li uma notícia há cerca de três semanas, já depois de Glasgow, que num país do sul de África, diziam que não faltam hidrocarbonetos e petróleo para explorar. Já não havia é ninguém que desse dinheiro para poderem fazer essa exploração. Os bancos deixaram de financiar esses projetos. Isso obviamente vai levar, e vai conduzir, a uma mudança que no setor industrial é muito evidente. Quais são os dois setores onde eu sinto que há uma menor propensão para a mudança? Ponto um é um setor transversal social que é mesmo o da mobilidade. A pandemia então pôs em causa tudo. Depois do PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes) há 6 anos, em que reduzimos em mais de 100 euros o valor dos passes mensais na área para Lisboa, em alguns casos, hoje temos 60% da procura que tínhamos no início da pandemia nos transportes coletivos. As pessoas têm um receio enorme de andar de transportes coletivos e isso não deixa de ser significativo e não deixa de nos fazer pensar. Há um outro setor que tem que mudar muito, a agricultura. A agricultura é o único setor produtivo em que as emissões são crescentes em Portugal. Por isso nós temos mesmo que ter aqui uma muito maior preocupação com a forma como nos alimentamos e com a forma como produzimos aquilo que comemos porque, essa sim, não tendo a mais pequena dúvida, de que é absolutamente essencial nós termos, num planeta que já hoje deixa gente a passar fome, alimentos mais baratos, a intensidade da produção é aquela que nos vai trazer problemas mais complexos do ponto de vista das emissões nos anos mais próximos.
Relativamente à dependência do gás diria o seguinte: quanto mais depressa investirmos em fontes renováveis, menos vamos sofrer com qualquer problema de gás. Se nós hoje produzimos 60% da eletricidade a partir de fontes renováveis, o que quer dizer que 8 a 9% são biomassa, 30 a 32% é gás. Quando esses 30% forem 20% e esses 20% forem 10% e quando esses 10% forem zero, esse problema deixa de existir. De facto, Portugal tem a ventura de ter água, sol e vento suficientes para produzir 100% da eletricidade que consome. Na água, desde 1910/40/50, com as barragens. Neste momento não há grande espaço para fazer mais barragens em Portugal, nem água para ela poder vir a produzir mais eletricidade, estamos mais ou menos nossos limites. No vento, com um esforço muito grande feito há cerca de 20 anos. No solar ainda somos uns meninos, apesar de já termos mais do que duplicado a produção solar, nós produzimos hoje menos eletricidade a partir do solar do que na Bélgica. Portanto, nós temos um potencial de crescimento de eletricidade a partir do solar enorme no nosso país.
Sobre as condições ambientais de base eu direi que elas estão presentes. Se nós olharmos, por exemplo, para aquilo que são os investimentos nos setores que podem de alguma forma agredir o ambiente, no PRR, e no futuro do quadro comunitário de apoio, eles são quase todos de apoio à descarbonização. O que é o apoio para a indústria no PRR? 715 milhões de euros para a descarbonização da indústria. Nós pensamos muito nos fundos comunitários, mas os fundos comunitários não são a fonte de financiamento comum das famílias e das empresas. A fonte de financiamento comum das famílias e das empresas é a banca e aquilo que é absolutamente essencial é que, assim como hoje existem stress tests para a banca, exista um stress test para a cor do portfólio de empréstimos e de clientes que a banca tem. Isto é, nós temos que exigir àquele que é verdadeiramente o maior financiador da economia, e será sempre e é muito normal que assim seja. Os fundos comunitários são sempre a excecionalidade, mas a banca é que tem mesmo que cumprir este papel de cada vez mais olhar, na análise de risco que faz dos investimentos que suporta, de perceber que a regeneração dos recursos fosseis têm que estar presente. Concluo com uma afirmação: crise energética imaginei que ia ter em seis anos de governo, crise de matérias-primas é que nunca imaginei. Por isso também aqui afinal a origem das matérias-primas que parecia que poderia vir de qualquer sítio são um fator de risco muito importante para a industria e para a produção e até para a construção e é absolutamente essencial nós termos uma dupla perspetiva que é a de explorar as poucas matérias-primas que temos em proximidade, sim, eu vou dizer a palavra, lítio, e a segunda coisa que manifestamente não podemos fugir é perceber que o resíduos que produzimos não são afinal resíduos são em muitos dos casos os recursos para essa mesma produção que necessitamos e com uma muito maior proximidade e com o muito menor risco de procura.
no. 03 // julho 2022
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FUNDAÇÃO RES PUBLICA
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
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