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REINHARD NAUMANN Reinhard Naumann é desde 1996 representante da Fundação Friedrich Ebert em Portugal e investigador freelance nas áreas das relações de trabalho e das políticas de emprego. A seguir aos estudos de Ciência Política (licenciatura na Philipps-Universität Marburg em 1988) trabalhou numa editora científica e na sede do Movimento Anti-Apartheid. Em 1991 mudou-se para Portugal, a fim de colaborar num projecto de investigação na área das Industrial Relations (ISCTE, 1991-1994). Colabora em projectos do Instituto Sindical Europeu e faz parte da rede de correspondentes do Observatório Europeu da Vida do Trabalho (EURWORK) e do Centro Europeu de Expertise na Área do Direito do Trabalho, Emprego e Políticas Laborais (ECE). Tem publicado artigos científicos em algumas obras de referência na área das relações colectivas de trabalho, entre as quais contributos para os livros “The association of small and medium-sized enterprises in Europe” (Traxler and Huemer, London, Routledge, 2007), “Social Pacts in Europe: Emergence, Evolution and Institutionalization” (Avdagic, Rhodes and Visser, Oxford University Press, 2011) e “Collective Agreements: Extending Labour Protection” (Hayter and Visser, International Labour Organization, Geneva 2018). É membro do conselho científico do Instituto Ruben Rolo e da direcção da associação Práxis - Reflexão e Debate Sobre Trabalho e Sindicalismo. ________________________________ |
REFORMAS E EQUILÍBRIOS DE PODER |
RESUMO O Partido Socialista português costuma governar sozinho, raramente forma coligações com parceiros à direita e nunca com partidos de esquerda. Esse tipo de “governação solitária” distingue o PS do SPD e de outros partidos de centro-esquerda na Europa. A ausência de cooperação entre o PS e os partidos à sua esquerda é em primeiro lugar resultado da autoexclusão das esquerdas radicais que não querem integrar-se no sistema ao qual se opõem. No entanto, é do interesse estratégico dos socialistas aumentar a sua capacidade de formar alianças à esquerda enquanto mantêm as portas abertas para a cooperação com a direita. |
Coligações na Alemanha
Poucos dias após as eleições nacionais de 26 de setembro na Alemanha conversei com um amigo português sobre as probabilidades de haver um governo de coligação entre o SPD, os Verdes e os Neoliberais do FDP. Quando lhe falei do horizonte temporal da formação do novo executivo (vários meses) ele estranhou a longa duração das negociações. Improvisei a seguinte explicação: Um contrato de coligação determina as grandes linhas e uma séria de medidas concretas em todas as áreas da política governamental durante uma legislatura e a distribuição das pastas entre os partidos. No caso do “semáforo” essa tarefa é dificultada pelo facto de ser necessário construir pontes entre parceiros de diferentes campos políticos, centro-esquerda, no caso do SPD, e dos Verdes e centro-direita, no caso do FDP. Trata-se de um pacote de muita matéria e de grande complexidade. Dá muito trabalho e exige tempo. Para ter uma noção das dimensões: O acordo entre PS e o Bloco de Esquerda de 2015 continha cinco páginas e meia, o contrato da coligação acordado em finais de novembro de 2021 entre as direções de SPD, Verdes e FDP tem 177.
Desde os anos sessenta, governos de coligação baseados em acordos escritos são a regra na República Federal da Alemanha. O primeiro período de liderança do SPD no governo federal (1969-1982) baseou-se numa coligação com os liberais do FDP. Treze anos depois iniciou-se o segundo período de governação social-democrata na coligação SPD-Verdes (1998-2005). Seguiram-se entre 2013 e 2021 oito anos como parceiro júnior numa Grande Coligação com a CDU durante os quais o SPD mergulhou numa profunda crise. Recuperou de forma surpreendente nas eleições de setembro de 2021 e, está prestes a formar um governo de coligação entre três partidos, uma novidade que se deve à fragmentação do espectro partidário.
Durante a década de 1960-70, o Bundestag foi composto por três partidos (CDU/CSU, SPD e FDP). Desde então, entraram os Verdes (1983), o Partido do Socialismo Democrático / Die Linke (1990) e os nacionalistas de direita da AFD (2017). Em 1983, a CDU/CSU e o SPD alcançaram 87% dos votos, em 2021 receberam juntos menos que metade (49,8%).
Coligações em Portugal
Em Portugal os partidos da direita estão habituados a formar governos de coligação, seja no seio do seu próprio campo político (1979-1983, 2002-2005, 2011-2015), seja com o PS (PS-CDS 1978, PS-PSD 1983-1985). O PS, por outro lado, governou quase sempre sozinho, com exceção das duas coligações com partidos de direita que ocorreram em situações extremas, isto é, durante as intervenções do FMI em 1978 e 1983-1985. O PS nunca formou governos de coligação com partidos de esquerda, facto que resultou em primeiro lugar do sectarismo do Partido Comunista que sempre insistiu de forma intransigente na sua exigência de um regresso à “transição para o socialismo” e na acusação de o PS fazer parte da direita. Essa estratégia do PCP contribuiu para a instabilidade política dos primeiros dez anos da democracia portuguesa e obrigou o PS nos períodos da sua governação a procurar apoio entre os partidos à sua direita. A relação do PS com o Bloco de Esquerda que foi criado por algumas correntes da esquerda radical com raízes na luta contra a ditadura e na revolução (LCI/PSR, UDP e outras) não é muito melhor, por um lado, porque os Bloquistas querem combater o sistema capitalista e qualquer cooperação com o PS significa implicitamente uma legitimação desse mesmo sistema, e por outro lado, por haver fortes anticorpos em partes do PS contra alianças com a esquerda radical, seja com a sua parte leninista e sectária, seja com a parte mais moderna e aberta.
Apesar do seu papel decisivo na revolução, os Socialistas governaram durante as duas primeiras décadas da democracia portuguesa apenas durante quatro anos, liderando o I e II governo constitucional (1976-1978) e o governo do Bloco Central (1983-1985). Esse cenário mudou radicalmente a partir de 1995. Após dez anos na oposição, o PS conseguiu regressar ao poder e governar 19 anos num período de 26 (1995-2021). Apoiando-se numa estratégia que combina o desenvolvimento económico acelerado orientado para a economia do conhecimento com políticas sociais e laborais ativas, os governos de António Guterres (1995-2002), José Sócrates (2009-2011) e António Costa (2015-) tornaram o PS a força dominante da política portuguesa.
A receita do PS
Desde os anos 70, o desenvolvimento acelerado da economia e a modernização do estado provocaram mudanças profundas nas relações sociais. A tradicional “sociedade de providência” (Boaventura de Sousa Santos) foi desvanecendo e ergueram-se as estruturas de um Estado Social com a capacidade de assegurar um determinado nível de segurança social. O fortalecimento e a diferenciação desse estado social são uma marca distintiva da governação socialista e tornam o PS o partido de referência para os segmentos mais vulneráveis da população e também para aqueles que ganham com a modernização e que querem que os perdedores do processo sejam apoiados.
Nos confrontos entre o PS e a esquerda radical, esta última costuma apresentar-se como a única verdadeira defensora do estado social contra os ataques da direita e o alegado oportunismo dos Socialistas. Esse discurso do PCP e do Bloco de Esquerda contrasta com o facto de o PS ter sido o principal obreiro do estado social em Portugal, desde o início da democracia até hoje. Teria interesse fazer um balanço sistemático da transição da sociedade de providência para o estado social e dos contributos que deu cada uma das forças políticas. Uma análise deste tipo poderia ajudar a informar um debate alargado sobre a defesa do estado social.
Houve de facto grandes avanços na expansão do estado social, como p.e. a consolidação financeira da Segurança Social e a introdução do Rendimento Mínimo Garantido (1996). A promoção do desenvolvimento socioeconómico orientado para produtos e processos de qualidade viu-se reforçada pelas políticas para a ciência e tecnologia e para a sociedade da informação. Fizeram-se enormes progressos no fortalecimento da escola pública e do ensino superior e a iniciativa “Novas Oportunidades” deu um forte impulso à qualificação e reconversão profissional. O Serviço Nacional de Saúde cresceu, diversificou-se e demonstrou durante a pandemia da COVID-19, apesar de todas as suas fragilidades, capacidade de resposta.
A dificuldade de concluir o segundo mandato
Durante os últimos 26 anos, o PS conseguiu promover grandes avanços no desenvolvimento do Estado, da economia e da sociedade. No entanto, teve manifestas dificuldades em organizar no parlamento as maiorias necessárias para assegurar a continuidade da sua governação. Os governos Guterres e Sócrates não chegaram ao fim da segunda legislatura e foram substituídos por governos de direita que se apressaram a abolir ou adulterar parte das obras do PS. O governo de António Costa corre o risco de ter um destino semelhante:
Poucos dias após as eleições nacionais de 26 de setembro na Alemanha conversei com um amigo português sobre as probabilidades de haver um governo de coligação entre o SPD, os Verdes e os Neoliberais do FDP. Quando lhe falei do horizonte temporal da formação do novo executivo (vários meses) ele estranhou a longa duração das negociações. Improvisei a seguinte explicação: Um contrato de coligação determina as grandes linhas e uma séria de medidas concretas em todas as áreas da política governamental durante uma legislatura e a distribuição das pastas entre os partidos. No caso do “semáforo” essa tarefa é dificultada pelo facto de ser necessário construir pontes entre parceiros de diferentes campos políticos, centro-esquerda, no caso do SPD, e dos Verdes e centro-direita, no caso do FDP. Trata-se de um pacote de muita matéria e de grande complexidade. Dá muito trabalho e exige tempo. Para ter uma noção das dimensões: O acordo entre PS e o Bloco de Esquerda de 2015 continha cinco páginas e meia, o contrato da coligação acordado em finais de novembro de 2021 entre as direções de SPD, Verdes e FDP tem 177.
Desde os anos sessenta, governos de coligação baseados em acordos escritos são a regra na República Federal da Alemanha. O primeiro período de liderança do SPD no governo federal (1969-1982) baseou-se numa coligação com os liberais do FDP. Treze anos depois iniciou-se o segundo período de governação social-democrata na coligação SPD-Verdes (1998-2005). Seguiram-se entre 2013 e 2021 oito anos como parceiro júnior numa Grande Coligação com a CDU durante os quais o SPD mergulhou numa profunda crise. Recuperou de forma surpreendente nas eleições de setembro de 2021 e, está prestes a formar um governo de coligação entre três partidos, uma novidade que se deve à fragmentação do espectro partidário.
Durante a década de 1960-70, o Bundestag foi composto por três partidos (CDU/CSU, SPD e FDP). Desde então, entraram os Verdes (1983), o Partido do Socialismo Democrático / Die Linke (1990) e os nacionalistas de direita da AFD (2017). Em 1983, a CDU/CSU e o SPD alcançaram 87% dos votos, em 2021 receberam juntos menos que metade (49,8%).
Coligações em Portugal
Em Portugal os partidos da direita estão habituados a formar governos de coligação, seja no seio do seu próprio campo político (1979-1983, 2002-2005, 2011-2015), seja com o PS (PS-CDS 1978, PS-PSD 1983-1985). O PS, por outro lado, governou quase sempre sozinho, com exceção das duas coligações com partidos de direita que ocorreram em situações extremas, isto é, durante as intervenções do FMI em 1978 e 1983-1985. O PS nunca formou governos de coligação com partidos de esquerda, facto que resultou em primeiro lugar do sectarismo do Partido Comunista que sempre insistiu de forma intransigente na sua exigência de um regresso à “transição para o socialismo” e na acusação de o PS fazer parte da direita. Essa estratégia do PCP contribuiu para a instabilidade política dos primeiros dez anos da democracia portuguesa e obrigou o PS nos períodos da sua governação a procurar apoio entre os partidos à sua direita. A relação do PS com o Bloco de Esquerda que foi criado por algumas correntes da esquerda radical com raízes na luta contra a ditadura e na revolução (LCI/PSR, UDP e outras) não é muito melhor, por um lado, porque os Bloquistas querem combater o sistema capitalista e qualquer cooperação com o PS significa implicitamente uma legitimação desse mesmo sistema, e por outro lado, por haver fortes anticorpos em partes do PS contra alianças com a esquerda radical, seja com a sua parte leninista e sectária, seja com a parte mais moderna e aberta.
Apesar do seu papel decisivo na revolução, os Socialistas governaram durante as duas primeiras décadas da democracia portuguesa apenas durante quatro anos, liderando o I e II governo constitucional (1976-1978) e o governo do Bloco Central (1983-1985). Esse cenário mudou radicalmente a partir de 1995. Após dez anos na oposição, o PS conseguiu regressar ao poder e governar 19 anos num período de 26 (1995-2021). Apoiando-se numa estratégia que combina o desenvolvimento económico acelerado orientado para a economia do conhecimento com políticas sociais e laborais ativas, os governos de António Guterres (1995-2002), José Sócrates (2009-2011) e António Costa (2015-) tornaram o PS a força dominante da política portuguesa.
A receita do PS
Desde os anos 70, o desenvolvimento acelerado da economia e a modernização do estado provocaram mudanças profundas nas relações sociais. A tradicional “sociedade de providência” (Boaventura de Sousa Santos) foi desvanecendo e ergueram-se as estruturas de um Estado Social com a capacidade de assegurar um determinado nível de segurança social. O fortalecimento e a diferenciação desse estado social são uma marca distintiva da governação socialista e tornam o PS o partido de referência para os segmentos mais vulneráveis da população e também para aqueles que ganham com a modernização e que querem que os perdedores do processo sejam apoiados.
Nos confrontos entre o PS e a esquerda radical, esta última costuma apresentar-se como a única verdadeira defensora do estado social contra os ataques da direita e o alegado oportunismo dos Socialistas. Esse discurso do PCP e do Bloco de Esquerda contrasta com o facto de o PS ter sido o principal obreiro do estado social em Portugal, desde o início da democracia até hoje. Teria interesse fazer um balanço sistemático da transição da sociedade de providência para o estado social e dos contributos que deu cada uma das forças políticas. Uma análise deste tipo poderia ajudar a informar um debate alargado sobre a defesa do estado social.
Houve de facto grandes avanços na expansão do estado social, como p.e. a consolidação financeira da Segurança Social e a introdução do Rendimento Mínimo Garantido (1996). A promoção do desenvolvimento socioeconómico orientado para produtos e processos de qualidade viu-se reforçada pelas políticas para a ciência e tecnologia e para a sociedade da informação. Fizeram-se enormes progressos no fortalecimento da escola pública e do ensino superior e a iniciativa “Novas Oportunidades” deu um forte impulso à qualificação e reconversão profissional. O Serviço Nacional de Saúde cresceu, diversificou-se e demonstrou durante a pandemia da COVID-19, apesar de todas as suas fragilidades, capacidade de resposta.
A dificuldade de concluir o segundo mandato
Durante os últimos 26 anos, o PS conseguiu promover grandes avanços no desenvolvimento do Estado, da economia e da sociedade. No entanto, teve manifestas dificuldades em organizar no parlamento as maiorias necessárias para assegurar a continuidade da sua governação. Os governos Guterres e Sócrates não chegaram ao fim da segunda legislatura e foram substituídos por governos de direita que se apressaram a abolir ou adulterar parte das obras do PS. O governo de António Costa corre o risco de ter um destino semelhante:
- Em 1995, sob a liderança de António Guterres, o PS obteve uma maioria relativa no Parlamento, falhou por pouco uma maioria absoluta em 1999, e caiu em 2001-2002 devido ao bloqueio da oposição unida de direita e esquerda.
O governo Durão Barroso implementou uma série de contrarreformas, entre elas o Código de Trabalho que alterou de forma muito significativa as relações de poder nas relações laborais.
- Em 2005, o PS, liderado por José Sócrates, obteve maioria absoluta no parlamento, alcançou em 2009 uma maioria relativa e falhou em 2011 devido ao bloqueio da oposição unida de direita e de esquerda.
O governo Passos Coelho aproveitou a intervenção da Troika para implementar agressivas políticas contra a proteção social e (novamente) contra os direitos dos trabalhadores.
- Em 2015, sob a liderança de António Costa, o PS tornou-se apenas a segunda força no parlamento, mas conseguiu conquistar o poder do governo com base numa aliança parlamentar com a esquerda radical, obteve uma maioria relativa nas eleições de 2019, mas falhou em 2021 devido ao bloqueio por parte da oposição unida de direita e esquerda.
Existe o risco de um avanço das direitas (PSD, IL e Chega) nas eleições antecipadas em Janeiro de 2022, com inevitáveis repercussões nas políticas governativas dos próximos anos.
A posição de charneira do PS
Em 2015, António Costa abriu a porta no parlamento à cooperação com a esquerda radical sem, no entanto, se comprometer com uma aliança permanente. Foi um passo importante para posicionar o PS como um partido capaz de formar alianças à esquerda e à direita. Olhando para a posição do PS no sistema político português parece uma estratégia adequada. Situado entre o maior partido de centro-direita (PSD) e a maior força da esquerda radical (BE), o PS parece predestinado a desempenhar o papel de uma charneira que assegura a coesão do sistema no seu todo.
O governo do Bloco Central de 1983-85 e os compromissos entre PS e PSD, que possibilitaram as sete revisões constitucionais entre 1982 e 2005, e a preparação da entrada na Zona Euro durante a segunda metade da década de noventa demonstram que há um grande denominador comum entre os dois partidos. O surgimento da Iniciativa Liberal que defende um liberalismo antissocial e do CHEGA, que mobiliza os piores instintos retrógrados de partes da população, pode no futuro dificultar entendimentos entre Socialistas e Social-democratas, mas as estratégicas de PS e PSD continuarão, em larga medida, compatíveis.
A ponte entre o PS e as esquerdas radicais é muito curta e estreita. Os acordos parlamentares que constituíram a base da geringonça continham medidas relevantes nas políticas sociais, económicas, fiscais e de emprego, mas representaram no seu todo um compromisso muito limitado em termos de conteúdos e de duração. Excluíam as grandes divergências (estratégia para o desenvolvimento económica, combate ao défice, integração europeia, política externa e de segurança) e não definiram passos para a continuação da cooperação. Parece-me que as bases do PS e do BE gostaram da experiência dos quatro anos de cooperação. Neste contexto, um debate sobre um projeto comum para além da legislatura 2015-2019 poderia ter criado dinâmicas interessantes no seio dos dois partidos e em seu redor. Uma aproximação bem-sucedida poderia ter produzido um entendimento para uma governação estável durante mais quatro anos, mas parece não ter havido vontade de nenhum dos lados para assumir os riscos de uma negociação orientada para um compromisso alargado.
Conclusões
É no interesse do PS manter a sua capacidade de colaborar com a direita moderada e, simultaneamente fazer evoluir a sua relação com a esquerda radical no sentido de uma consolidação e de um alargamento de consensos. Uma melhor relação com a esquerda alarga o leque de escolhas de parceiros para a governação e aumenta o poder negocial do PS em relação à direita.
O PCP parece ser cada vez menos relevante neste contexto porque está em pleno declínio e reage à sua própria crise com os habituais reflexos sectários. O Bloco de Esquerda, por outro lado, tem a sua base eleitoral num milieu jovem com capital cultural e em crescimento. Apela com eficácia ao desejo de mudanças mais profundas na sociedade existente numa parte da população. O debate sobre a possibilidade de alianças à esquerda não deve excluir ninguém, mas é preciso ter em conta que o potencial parceiro do futuro é o Bloco, o PC tem os dias contados.
A maioria dos dirigentes do BE quer manter o espírito anticapitalista do partido e tem uma forte aversão contra o reformismo dentro do sistema representado pelo PS. A base social do BE é semelhante à base dos Verdes na Alemanha, mas o Bloco não está disposto a ir pelo mesmo caminho. Nos anos 70, os Verdes alemães questionaram o sistema económico, político e social sob todos os aspetos, integraram-se desde os anos 80 sucessivamente nas instituições parlamentares e são hoje uma parte constitutiva do establishment. Para os Bloquistas uma assimilação desse gênero é inaceitável e terão de encontrar uma forma de “ir ao jogo” sem perder o seu espírito crítico em relação ao sistema dentro do qual vivem e trabalham. O BE tem de participar na conceção e implementação de políticas progressistas concretas, se não será condenado a fazer uma trajetória semelhante a do PCP.
Os dilemas dos Bloquistas não são problemas que o PS tenha de resolver, mas os Socialistas podem e devem delinear uma estratégia que aumente a sua capacidade de formar alianças à esquerda. A procura de compromissos dá muito trabalho e pode ser inconveniente ou irritante, mas faz parte do jogo e é decisiva na luta por um futuro melhor.
Em 2015, António Costa abriu a porta no parlamento à cooperação com a esquerda radical sem, no entanto, se comprometer com uma aliança permanente. Foi um passo importante para posicionar o PS como um partido capaz de formar alianças à esquerda e à direita. Olhando para a posição do PS no sistema político português parece uma estratégia adequada. Situado entre o maior partido de centro-direita (PSD) e a maior força da esquerda radical (BE), o PS parece predestinado a desempenhar o papel de uma charneira que assegura a coesão do sistema no seu todo.
O governo do Bloco Central de 1983-85 e os compromissos entre PS e PSD, que possibilitaram as sete revisões constitucionais entre 1982 e 2005, e a preparação da entrada na Zona Euro durante a segunda metade da década de noventa demonstram que há um grande denominador comum entre os dois partidos. O surgimento da Iniciativa Liberal que defende um liberalismo antissocial e do CHEGA, que mobiliza os piores instintos retrógrados de partes da população, pode no futuro dificultar entendimentos entre Socialistas e Social-democratas, mas as estratégicas de PS e PSD continuarão, em larga medida, compatíveis.
A ponte entre o PS e as esquerdas radicais é muito curta e estreita. Os acordos parlamentares que constituíram a base da geringonça continham medidas relevantes nas políticas sociais, económicas, fiscais e de emprego, mas representaram no seu todo um compromisso muito limitado em termos de conteúdos e de duração. Excluíam as grandes divergências (estratégia para o desenvolvimento económica, combate ao défice, integração europeia, política externa e de segurança) e não definiram passos para a continuação da cooperação. Parece-me que as bases do PS e do BE gostaram da experiência dos quatro anos de cooperação. Neste contexto, um debate sobre um projeto comum para além da legislatura 2015-2019 poderia ter criado dinâmicas interessantes no seio dos dois partidos e em seu redor. Uma aproximação bem-sucedida poderia ter produzido um entendimento para uma governação estável durante mais quatro anos, mas parece não ter havido vontade de nenhum dos lados para assumir os riscos de uma negociação orientada para um compromisso alargado.
Conclusões
É no interesse do PS manter a sua capacidade de colaborar com a direita moderada e, simultaneamente fazer evoluir a sua relação com a esquerda radical no sentido de uma consolidação e de um alargamento de consensos. Uma melhor relação com a esquerda alarga o leque de escolhas de parceiros para a governação e aumenta o poder negocial do PS em relação à direita.
O PCP parece ser cada vez menos relevante neste contexto porque está em pleno declínio e reage à sua própria crise com os habituais reflexos sectários. O Bloco de Esquerda, por outro lado, tem a sua base eleitoral num milieu jovem com capital cultural e em crescimento. Apela com eficácia ao desejo de mudanças mais profundas na sociedade existente numa parte da população. O debate sobre a possibilidade de alianças à esquerda não deve excluir ninguém, mas é preciso ter em conta que o potencial parceiro do futuro é o Bloco, o PC tem os dias contados.
A maioria dos dirigentes do BE quer manter o espírito anticapitalista do partido e tem uma forte aversão contra o reformismo dentro do sistema representado pelo PS. A base social do BE é semelhante à base dos Verdes na Alemanha, mas o Bloco não está disposto a ir pelo mesmo caminho. Nos anos 70, os Verdes alemães questionaram o sistema económico, político e social sob todos os aspetos, integraram-se desde os anos 80 sucessivamente nas instituições parlamentares e são hoje uma parte constitutiva do establishment. Para os Bloquistas uma assimilação desse gênero é inaceitável e terão de encontrar uma forma de “ir ao jogo” sem perder o seu espírito crítico em relação ao sistema dentro do qual vivem e trabalham. O BE tem de participar na conceção e implementação de políticas progressistas concretas, se não será condenado a fazer uma trajetória semelhante a do PCP.
Os dilemas dos Bloquistas não são problemas que o PS tenha de resolver, mas os Socialistas podem e devem delinear uma estratégia que aumente a sua capacidade de formar alianças à esquerda. A procura de compromissos dá muito trabalho e pode ser inconveniente ou irritante, mas faz parte do jogo e é decisiva na luta por um futuro melhor.
no. 03 // julho 2022
Artigo
FUNDAÇÃO RES PUBLICA
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
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