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JORGE PINTO Formado em Engenharia do Ambiente (FEUP, 2010) e doutor em Filosofia Social e Política (Universidade do Minho, 2020). A nível académico, é o autor do livro A Liberdade dos Futuros - Ecorrepublicanismo para o século XXI (Tinta da China, 2021) e co-autor do livro Rendimento Básico Incondicional: Uma Defesa da Liberdade (Edições 70, 2019; vencedor do Prémio Ensaio de Filosofia 2019 da Sociedade Portuguesa de Filosofia). Tem artigos e capítulos publicados em revistas e livros de renome internacional. É co-autor das bandas desenhadas Amadeo (Saída de Emergência, 2018; Plano Nacional de Leitura), Liberdade Incondicional 2049 (Green European Journal, 2019) e Tempo (no prelo). Escreveu ainda o livro Tamem digo (Officina Noctua, 2022). Em 2014, foi um dos co-fundadores do partido LIVRE e exerce o mandato de deputado à Assembleia da República na XVI Legislatura. ________________________________ |
FINITUDE, FRAGILIDADE E FUTURO |
RESUMO As múltiplas crises ecológicas que atravessamos são um dos maiores desafios da nossa época. Perante um aprofundar destas crises, arriscamos o desencadear de uma série de reações em série, incontroladas e com consequências desconhecidas. É, portanto, urgente pensar em políticas públicas que ofereçam respostas rápidas, justas e consequentes. Neste ensaio argumentamos que as ideias de finitude e fragilidade, do ser humano e do planeta, estão interligadas e que são essenciais na definição das políticas de resposta às crises ecológicas. Ambos os princípios são discutidos à luz da liberdade tal como concebida pelos republicanos, isto é, a liberdade como não-dominação. Esta conceção de liberdade, argumentaremos, é a mais bem equipada para pensar a sustentabilidade ecológica garantindo a liberdade social partilhada. Por fim, discutiremos como o republicanismo pode pensar e promover políticas de futuro, nomeadamente através de assembleias cidadãs. |
INTRODUÇÃO
As múltiplas crises ecológicas que a humanidade atravessa são um dos principais desafios que, enquanto espécie, alguma vez enfrentámos. Da perda drástica de biodiversidade, à subida do nível dos mares, passando por níveis historicamente altos de gases poluentes e ao conjunto de alterações conhecidas como alterações climáticas, são muitas as frentes a requerer políticas públicas capazes de responder a este que é o desafio da nossa era. Como mostram vários estudos, a situação presente é já de insustentabilidade, pelo que a urgência na tomada de medidas é real. O preço da inação será um aprofundar das crises ecológicas, com desconhecidas e incontroláveis consequências ambientais, sociais e políticas.
Pensar na resposta às crises ecológicas exige também que pensemos na justiça das medidas que vierem a ser tomadas, acrescentando assim uma camada de complexidade. Assumindo que a transição ecológica é possível – e nisso acreditamos – é essencial que se pense em como tal se pode concretizar protegendo os mais frágeis e pedindo uma maior contribuição por parte daqueles que têm maior responsabilidade.
Se é difícil conceber como resultado último das crises ecológicas a extinção da espécie humana ou o fim da vida no planeta, é ainda assim possível associar as políticas que nos trouxeram até ao atual ponto de insustentabilidade ecológica sob uma lente de finitude e fragilidade. Como desenvolveremos na secção seguinte, estes dois princípios estão associados entre si e também interligados nas suas duas dimensões: a dimensão humana e a dimensão planetária.
Como argumentaremos, a finitude e a fragilidade devem ser entendidas e assimiladas como condição da vida humana e condição da vida planetária. Aceitando ambos, o desafio é o de pensar em como, num quadro de finitude e fragilidade, podemos dar resposta às alterações climáticas. Neste curto ensaio argumentaremos que essa resposta pode ser capacitada pelo poderoso conceito de liberdade. Importa referir desde já que a forma como se concebe a liberdade é determinante. Faremos uma defesa da conceção republicana de liberdade, entendida enquanto não-dominação. Defenderemos que em tempos de múltiplas crises ecológicas e na procura de respostas socialmente justas, as políticas públicas assentes na promoção da liberdade republicana serão as melhores equipadas para, por um lado, permitir respostas efetivas às alterações climáticas e, por outro e em paralelo, assegurar a proteção da efetiva liberdade humana.
A evolução tecnológica terá um papel importante na procura de respostas às crises ecológicas mas a visão determinista da tecnologia pode ser perigosa. Discutiremos então a ideia de tecnologia apropriada onde a tecnologia e o seu desenvolvimento está mais próxima dos indivíduos, promovendo assim a sua emancipação.
Por fim, olharemos para o futuro e discutiremos como podem as políticas públicas ser apoiadas por ferramentas políticas republicanas inovadoras, tais como as assembleias cidadãs. Devendo ser vistas como complementares às estruturas políticas existentes, estas ferramentas podem trazer novas visões e novas formas de promover o princípio de universalismo, entendido como a efetiva pertença à comunidade e à capacidade de participação nos processos decisórios. Deste modo, far-se-á também jus à visão de intergeracionalidade que caracteriza a política e filosofia republicana.
FINITUDE E FRAGILIDADE
A vida humana, tal como a concebemos até hoje, é finita. Saber que há um fim terreno para as nossas vidas que, invariavelmente, culminará com o nosso desaparecimento físico, tem sido tema para filósofos e religiosos desde que a nossa espécie começou a pensar-se. Não por acaso, a maioria das religiões que existem ou existiram em diferentes latitudes esforçou-se em propor cenários para o que aconteceria no momento em que, pela última vez, fechássemos os olhos. Da reencarnação a uma eterna vida etérea, são várias as respostas propostas. Ainda assim, mesmo para aqueles que adiram a uma qualquer teoria de vida para lá da morte física, é certo que existe pelo menos uma morte, a da vida terrestre; ou seja, a vida humana é finita.
Também o planeta Terra é finito e em múltiplos sentidos. É-o, desde logo, num sentido de muito longo prazo: em algum momento, daqui a alguns milhares de milhão de anos, o Sol deixará de ter energia para consumir, o que levará à sua morte e consequente destruição da Terra. Numa perspetiva mais concreta e palpável temporalmente, o planeta é finito de vários modos, destacando-se a finitude dos seus recursos, bem como a finita capacidade de processar as emissões poluentes de origem antropogénica sem que isso acarrete resultados desconhecidos e potencialmente catastróficos.[1]
A finitude da vida humana e do planeta revelam a fragilidade e vulnerabilidade de ambos. Mais, esta fragilidade é partilhada e coloca em confronto a finitude da vida humana com a finitude do planeta. Sabendo e assumindo a finitude da sua vida, o ser humano tem procurado ao longo da história o prolongar da sua longevidade. O período do iluminismo e a sua ideia de progresso foi determinante e resultou numa aposta na ciência também, quando não sobretudo, como modo de prolongar e melhorar a vida humana.[2] Esse esforço pode ser traçado até aos dias de hoje, onde ciência e tecnologia se aliam a uma tentativa de redefinição do conceito de vida sob a definição de transumanismo.[3]
No entanto, a expansão da longevidade humana, isto é, o atrasar da finitude humana, fez-se às custas de um enorme impacto sobre o planeta, ou seja, apressando a finitude planetária.[4] A este propósito, a famosa afirmação de René Descartes é todo um programa: "o ser humano é mestre e detentor da natureza". Esta visão de possessão do meio natural fez com que os impactos causados ao planeta – consequência das políticas associadas ao Progresso e, como tal, entendidas como essenciais para o desenvolvimento humano – fossem aceites sem grande oposição.[5]
De modo a rejeitar ou iludir a finitude humana e, em particular, de modo a rejeitar a ideia de fragilidade e vulnerabilidade, o iluminismo trouxe a aposta na ciência e na tecnologia, colocando-se a natureza apenas como algo que existe para ser dominado ou, na melhor das hipóteses, usado para servir o ser humano. Rejeitando-se qualquer forma de valor intrínseco, a natureza serve apenas propósitos utilitários.[6]
Ora, atendendo ao ponto fulcral em que nos encontramos e atendendo à situação de insustentabilidade ecológica na qual já vivemos, é essencial rever esta ligação entre o ser humano e a natureza. Reconhecendo a finitude humana, devemos ser capazes de reconhecer também a finitude planetária. Devemos portanto aceitar a fragilidade e a finitude enquanto condições essenciais para preparar um futuro sustentável. Olhando de forma integrada para a vida humana e para o planeta, deveremos ser capazes de reconhecer a fragilidade e vulnerabilidade partilhadas, reconhecendo assim uma fragilidade tanto social quanto ecológica.
Não se trata aqui de propor uma rejeição da ideia de vida para lá da morte ou de propor uma qualquer forma de religião; essa discussão, por interessante que seja, está fora do âmbito deste curto ensaio. Para uma excelente proposta de teoria filosófica e política assente na ideia de finitude, veja-se o ensaio "Esta Vida", do filósofo Martin Hägglund.[7] Nesta reflexão interessa-nos antes pensar em como a aceitação da finitude humana pode ser traduzida em medidas concretas que possam, em simultâneo, assegurar a maior longevidade possível e uma vida de qualidade de para um maior número possível de seres humanos enquanto em paralelo se assegura a maior longevidade planetária possível.
Sendo verdade que o iluminismo e a sua visão cientifista de progresso tiveram como consequência prática a depleção do planeta e uma visão de dominação da natureza que era mantida em paralelo com uma visão de dominação patriarcal e racista, devem por isso as suas bases e as ideias de tecnologia e de progresso ser simplesmente rejeitadas? Na nossa opinião, não.[8] Devemos, no entanto, ser capazes de reformular essa visão à luz dos desafios do presente e de modo a preparar o futuro.
Mas é preciso mais. Devemos recuar ainda mais na história, indo até à Grécia e Roma Antigas, recuperando as bases do pensamento republicano e trazendo-o para o século XXI; um republicanismo ecologista, antirracista, feminista e cosmopolita. Neste ensaio, o foco estará na ideia de liberdade e de como esta pode ser entendida à luz de um republicanismo ecologista, sendo esta a conceção de liberdade melhor equipada para conciliar democracia e as necessárias medidas de proteção ecológica.
A LIBERDADE EM TEMPOS DE MÚLTIPLAS CRISES
Poucos serão os conceitos tão mobilizadores como o de liberdade. Não surpreende, portanto, que a ideia e a definição de liberdade estejam no âmago de várias escolas filosóficas. Termo emancipador, a ideia de liberdade aponta para algo que queremos, enquanto humanos, ter na maior quantidade possível e que, por outro lado, não queremos ver reduzido. Assim, a definição de liberdade reveste-se de uma importância crítica, estando em permanente (re)definição.
A liberdade é, por definição, uma termo em permanente mutação e em relação ao qual existe um conflito constante pela sua definição e caracterização. Se fosse possível trazer para o presente um cidadão da Grécia Antiga, um membro do Senado da República de Roma, um cidadão florentino do século XVI ou um francês do início do século XIX e pedir-lhes para explicar porque - e como - são livres, as respostas seriam certamente muito diferentes. Esta luta pela definição de liberdade tem efeitos concretos muito visíveis e relevantes, servindo para apoiar ou limitar políticas públicas que possam ser vistas como promotoras ou como limitadoras da liberdade.
Também no presente, a ideia de liberdade tem sido usada de muitas, e por vezes antagónicas, formas. Durante a pandemia da COVID-19, era em nome da liberdade que se organizavam manifestações contra a vacinação ou contra outras medidas de combate à propagação do vírus; é também em nome de uma forma de liberdade que vemos ser feita a defesa do uso e porte de arma, a oposição a medidas estatais, em particular as do tipo fiscal, ou ainda oposição a qualquer tipo de medida que possa, independentemente da razão, coartar as possibilidades de ação do indivíduo. Não surpreende então que a ideia de liberdade tenha, nas últimas décadas e ao contrário do que aconteceu no século XIX e início do século XX, vindo a ser utilizada mais pela direita do espectro político que pela esquerda. Para que possamos discutir a conciliação entre liberdade e democracia em tempos de múltiplas crises temos de começar por definir diferentes conceções de liberdade.
Fazendo um curto e forçosamente limitado resumo de diferentes conceções de liberdade ao longo da história do pensamento humano, podemos centrar a nossa análise na liberdade entendida enquanto não-frustração, enquanto não-limitação, enquanto não-interferência e finalmente enquanto não-dominação.[9] Uma vez feita uma breve definição destas conceções de liberdade, seremos capazes de discutir como estas respondem, ou não, aos desafios das múltiplas crises que atravessamos, em particular as crises ecológicas.
É com a obra de Thomas Hobbes que se desenvolvem as conceções de liberdade enquanto não-frustração e não-limitação. Partindo da passagem do livro “Leviatã” em que Hobbes afirma que homem livre como aquele que "não é impedido de fazer o que deseja", estas duas conceções focam-se numa forma de liberdade estritamente individual e radicalmente oposta a qualquer forma de limite imposto ao indivíduo.[10] Ambas as conceções consideram que qualquer obstáculo, seja a má vontade de outro agente ou limitações naturais, contam como redutoras da liberdade. Ambas também concordam que desde que seja fisicamente possível para um agente escolher uma opção, o agente é livre nessa decisão, independentemente de todas as outras possíveis consequências negativas ou positivas. A principal diferença entre estas conceções reside no facto de o foco da não-limitação ser estritamente quantitativo - quanto maior o número de opções disponíveis para um agente, mais livre ele é -, o foco da não-frustração está na proteção da opção favorita do agente.
A conceção de liberdade como não-interferência pode ser associada à visão de liberdade negativa, tal como entendida por Isaiah Berlin na sua distinção entre liberdade positiva e negativa. Enquanto a conceção positiva de liberdade implica que uma pessoa é livre na medida em que pode ser mestre de si próprio e de exercer autodomínio, a conceção negativa é mais simples de explicar, e pode ser definida como a ausência de interferências. Ser livre neste sentido implica ter a possibilidade de escolher entre o maior número possível de opções - não apenas a que poderíamos desejar num determinado momento - sem sofrer a interferência intencional de outrem, que por sua vez poderia reduzir o número de opções disponíveis.
Esta conceção distingue-se das duas conceções anteriores de um modo relevante. Enquanto nas conceções hobbesianas qualquer tipo de obstáculo – humano ou natural, intencional ou não – é visto como redutor da liberdade, de acordo com a conceção de liberdade enquanto não-interferência, apenas aqueles obstáculos que são de origem humana e deliberados devem ser considerados enquanto tal. Deste modo, como afirma Berlin, “o sentido de liberdade ao qual me refiro implica não apenas a ausência de frustração (que pode ser obtida matando desejos), mas a ausência de obstáculos a possíveis escolhas e atividades - ausência de obstruções nas estradas pelas quais um homem pode decidir andar”.[11]
Desta curtíssima introdução às conceções de liberdade hobbeseanas e negativa entendida como não-interferência, fica rapidamente claro que estas terão sérios problemas em ser consistentes com medidas de políticas públicas que possam dar resposta efetiva às múltiplas crises ecológicas, desde logo as alterações climáticas. Reforçando que nos encontramos já numa situação de insustentabilidade ecológica, as políticas públicas que nos possam colocar numa rota de sustentabilidade terão de ser ambiciosas, corajosas, concretas.
É difícil imaginar que essas políticas não impliquem algum tipo de limitação no número de opções disponíveis. Pensemos por exemplo nas leis que possam limitar as emissões de CO2, na interdição do acesso de veículos privados aos centros das cidades ou novos impostos ambientais – de acordo com as conceções referidas acima, todos estes elementos limitariam a liberdade.[12] Na verdade, são muitas as políticas desse género já tidas no passado, seja por razões ambientais, como a interdição do uso de CFCs para preservar a camada do ozono, seja por razões tanto ambientais como de saúde humana, como a interdição do uso de alguns químicos nos produtos que consumimos. No fundo, o difícil é imaginar uma sociedade onde a liberdade entendida como não-interferência seja o fim último das políticas públicas.
O desafio é, portanto, o de saber como podemos desenvolver políticas públicas que, por um lado, respondam efetivamente às crises ecológicas e, por outro, assegurem o carácter democrático dessas medidas. Mas será que essas políticas serão forçosamente um ataque à liberdade ou representarão forçosamente uma limitação da liberdade? Tudo depende de como definamos o conceito e há pelo menos uma forma de liberdade que está mais bem equipada para dar resposta às crises ecológicas do presente: a liberdade republicana entendida como não-dominação. Esta conceção de liberdade foge ao dualismo proposto por Berlin e apresenta-se como uma terceira forma de liberdade que é, por um lado, negativa – liberdade de dominação – e, em paralelo, positiva – liberdade para agir.
A principal diferença entre dominação e mera interferência é colocada no nível da arbitrariedade; isto é, se tomado de uma maneira que sirva aos interesses do indivíduo, não se pode dizer que o ato de interferência seja arbitrário. Para ser considerada como tal, qualquer relação de dominação implica que o dominador possa cumprir três princípios: 1) capacidade de interferir, 2) arbitrariamente e 3) nas escolhas que o sujeito dominado está em posição de fazer.
A liberdade republicana, sendo social e não estritamente uma liberdade de escolha como as discutidas anteriormente, engloba por definição o aspeto democrático. Ao contrário de outras conceções de liberdade, a liberdade republicana como não-dominação é em primeiro lugar uma forma de liberdade agencial. A não-dominação refere-se principalmente à preocupação com a liberdade e o papel do agente na sociedade, mas também pode abrir espaço para a liberdade de opção, embora a um nível secundário.
Para a liberdade como não-dominação, “o objetivo principal (...) deve ser proteger as pessoas contra a dominação, [e] o secundário maximizar o número e a facilidade com que as pessoas podem exercer sua capacidade não-dominada de escolha”[13].
Este esclarecimento é particularmente significativo porque, como referido, as políticas públicas de resposta às crises ecológicas provavelmente implicarão a redução do número total de opções. Mas essas interferências não representam automaticamente uma situação de dominação. Como afirma Lovett, "desde que o governo que emite essas leis ou políticas seja adequadamente controlado, ele não sujeitará os seus cidadãos à dominação e, portanto, não prejudicará a sua liberdade", o que o leva a concluir que "o Estado de direito é uma condição necessária para a existência e usufruto da liberdade”.[14] Pettit faz uma leitura semelhante e argumenta que “a interferência estatal não será dominadora (...) desde que possa ser submetida ao controlo eficaz e igualmente compartilhado por parte das pessoas”.[15]
A liberdade para os republicanos é, portanto e em primeiro lugar, não viver à mercê de outros. E para que tal aconteça é preciso relacionar a liberdade com muitos outros fatores que promovem desigualdades entre indivíduos - ao nível da riqueza e poder, por exemplo, mas também ao nível das desigualdades ecológicas - que levaram o republicano Rousseau a argumentar no seu “Discurso sobre a Desigualdade” que “a pior coisa que pode acontecer a alguém nas relações entre homem e homem é viver graças à misericórdia de outro”.[16]
Podemos então balizar uma conceção ecologista da liberdade republicana da seguinte forma: a liberdade deve ser promovida mas não à custa da depleção dos recursos do planeta ou do desrespeito por indicadores como as fronteiras planetárias; e, em paralelo, a defesa de uma sociedade ecologicamente sustentável não pode ser feita à custa da liberdade, como seria o caso em visões ecofascistas e ecoautoritárias. Esta caracterização dual permite-nos assim fazer a ponte com os princípios de finitude e fragilidade acima discutidos: uma conceção ecologista da liberdade republicana obriga-nos a aceitar a finitude e fragilidade do planeta mas, fazendo-o, permite-nos pensar em como aceitar a a finitiude e fragilidade humana de forma partilhada. No fundo, trata-se de promover uma liberdade que assuma a fragilidade humana e do planeta e que faça dessa fraqueza força.
A TECNOLOGIA APROPRIADA
Antes de avançarmos para a secção dedicada às políticas republicanas de futuro, é importante discorrer, ainda que de forma breve e forçosamente incompleta, sobre o papel do progresso tecnológico para a mitigação das alterações climáticas e para o desenvolvimento económico e social da sociedade. Muitos, mesmo no seio de movimentos ambientalistas, vêm no progresso tecnológico a principal, quando não única, via de dar resposta às crises ecológicas. Esta é uma visão assente no otimismo tecnológico, em certa medida oriunda ainda da visão de Descartes em que a tecnologia deve ser uma ferramenta para o ser humano se tornar mestre do meio natural no qual se insere.
Esta defesa do progresso tecnológico é não raras vezes apolítica e determinista. Apolítica por não considerar os efeitos sociais associados à produção e uso da tecnologia e determinista por ser apresentada como um caminho pré-determinado que é importante percorrer. Ora, nem a tecnologia pode ser apolítica – muito menos podemos deixar de considerar os impactos do seu uso – nem há um caminho pré-definido para a evolução tecnológica. Importa pois pensar em como ter uma discussão sobre tecnologia que tenha estes dois factos em consideração.
As abordagens verdes focadas no otimismo tecnológico, também chamadas de eco-modernistas[17], assemelham-se ao papel mitológico de Prometeu. De acordo com a mitologia, Prometeu conseguiu, graças à sua destreza intelectual, roubar o fogo dos deuses e oferecê-lo à humanidade para que esta se pudesse desenvolver. Temendo que os humanos se pudessem aproximar dos deuses, Zeus condena Prometeu à punição eterna, amarrando-o a uma rocha onde, todos os dias e após a regeneração do seu corpo, uma águia o vem devorar. A questão atualmente é saber se existe sequer fogo sagrado para ser roubado ou se não estamos a arriscar apenas a punição sem qualquer benefício.
Mesmo que essas tecnologias inovadoras venham a ser criadas, caso tal aconteça após a perda (ainda mais) massiva de biodiversidade ou após a passagem das fronteiras planetárias para lá do ponto de não-retorno a partir do qual as consequências são imprevisíveis, então essas tecnologias não servirão o seu propósito. Assim, mais do que assumir uma posição derrotista em relação à capacidade para alterar o funcionamento da economia baseada no extrativismo e no produtivismo e colocar todas as esperanças na evolução tecnológica, devemos também ser capazes de avançar com mudanças ao nível individual - de atitudes e de comportamento – e, sobretudo, ao nível sistémico, entrando assim naquilo a que Jackson chama a prosperidade sem crescimento.[18]
Deve por isso a tecnologia ser rejeitada? Pelo contrário; a evolução tecnológica teve, tem e terá um importante papel na resposta às crises ecológicas. O que deve ser evitado é a sacralização da tecnologia como forma única de o fazer. Deve ainda ser evitada a visão de uma evolução única da tecnologia, uma globalização tecnológica em que a mesma tecnologia se aplica em todo o planeta. Aqui, o princípio de tecnologia adequada é relevante e vai ao encontro da política republicana.
Este princípio foi desenvolvido a década de 1960 pelo economista E.F. Schumacher que, após visitar países como a Birmânia, apresentava a sua ideia de “tecnologias intermédias”. O autor, que se tornaria famoso pelo seu seminal “Small is beautiful”, defendia que em economias mais pobres e sem os meios necessários para adquirir tecnologia de alto custo, as comunidades locais poderiam codesenvolver a sua própria tecnologia. Pelo seu carácter potencialmente injurioso ou dúbio, o termo acabaria por evoluir para “tecnologias apropriadas”, podendo as suas características principais ser agrupadas em quatro pontos:
O foco das tecnologias apropriadas estava, portanto, maioritariamente nas economias mais pobres, integrado numa visão de desenvolvimento local. Numa linha semelhante, Ivan Illich defendia a promoção das ferramentas conviviais.[19] Era relevante não apenas o aspeto técnico, isto é, a concretização e utilização das próprias ferramentas, mas também a promoção da autonomia daqueles – e daquelas – que se serviriam das mesmas. Esta ideia de promoção da autonomia era central na defesa de Illich das ferramentas conviviais como pilar da sua visão de uma sociedade convivial e, numa definição bastante lata, afirma que as ferramentas conviviais são todos os dispositivos projetados racionalmente, sejam artefactos ou regras, códigos ou operadores.
Na esteira dos conceitos de Schumacher e Illich, um discípulo deste último, Wolfgang Sachs, definiu nos inícios dos anos 1990 um novo conceito que tem vindo a ganhar relevância: cosmolocalismo (ou localismo cosmopolita). Não rejeitando as suas implicações ideológicas, o cosmolocalismo desafia a visão capitalista da globalização e da economia tal como esta tem sido aplicada. Em particular, aqueles que tentam desenvolver o conceito e práticas comolocalista estão contra a homogeneização, não apenas das tecnologias e das ferramentas em si, mas também – e talvez sobretudo – contra a homogeneização das culturas, fomentada pela globalização tal como promovida pelo capitalismo do final do século XX e do século XXI.
“Desenha global, constrói local” é o mote que descreve o cosmolocalismo e que tem uma forte componente digital. Efetivamente, é da partilha que se constrói este movimento que junta engenheiros e agricultores, economistas e filósofos, europeus e africanos, entre outros. Com uma forte componente digital e informática, os princípios dos bens comuns digitais e do código aberto são uns dos pilares do cosmolocalismo tal como ele é entendido no presente. É com base nesses princípios que a partilha se faz, livre de custos, permitindo que haja uma melhoria e/ou adaptação de cada ferramenta às realidades locais. Uma construção de baixo para cima, da base local, com as suas especificidades, até uma base global, construída não a partir de um único local, mas antes constituindo-se graças às diferenças e realidades de cada geografia, numa espécie de internacional do faça-você-mesmo.
Estes princípios podem e devem reger o trabalho de progresso tecnológico que temos pela frente. Aliando tecnologia, autonomia, partilha, bens comuns, conhecimento das realidades locais e ligação entre o mundo rural e urbano, bem como a preservação do ambiente no qual se insere, o cosmolocalismo pode e deve fazer parte de uma estratégia de globalização justa e co-construída a partir de várias latitudes e longitudes.
A LIBERDADE DOS FUTUROS
No seu famoso discurso, Benjamin Constant confrontou a "Liberdade dos Antigos" com a "Liberdade dos Modernos". Perante uma urgência tão grande como o colapso climático, torna-se evidente a necessidade de um novo tipo de liberdade que proteja as gerações futuras e, paralelamente, permita a existência de possíveis futuros diferentes: a liberdade dos futuros. Ironicamente, poderá ser olhando para a liberdade dos Antigos que obteremos respostas para este futuro, em particular no que diz respeito à definição do nosso futuro coletivo.
O republicanismo é intergeracional e é-o em dois sentidos. Primeiro, promove um sentimento de pertença, abordando assim o passado e a ligação a um determinado lugar. Isto é relevante numa perspetiva ecológica, pois pode dar aos cidadãos um sentimento de pertença que os motiva a proteger, pelo menos, o seu ambiente local. Em segundo lugar, o republicanismo olha para o futuro e para as melhores formas de preservar uma república permanentemente ameaçada. Pocock tornou este ponto claro quando argumentou que "a república não era intemporal, porque não refletia por simples correspondência a ordem eterna da natureza", razão pela qual era "portanto transitória e condenada à impermanência".[20] Esta abordagem intergeracional reflete-se assim no presente: como honrar o passado, preparando ao mesmo tempo um futuro sustentável?
Para os republicanos, uma discussão fundamental é se as gerações atuais dominam as futuras. No seu ensaio dedicado ao republicanismo e à dominação da posterioridade, Corey Katz afirma que os republicanos, nomeadamente Pettit e Lovett, precisam de "morder a bala ou rever a sua conceção de dominação".[21] É assim, afirma Katz, porque os republicanos defendem uma conceção relacional de dominação, que, pelo menos tal como é entendida por estes autores, torna difícil, se não impossível, defender que um ato no presente que pode ser prejudicial no futuro constitui dominação.
Olhando para o que Pettit e Lovett consideram necessário para que a dominação ocorra, o argumento de Katz parece sólido. Lovett defende que a dominação requer desequilíbrio de poder, dependência e arbitrariedade, enquanto Pettit considera que a dominação deve ser interpessoal, de conhecimento comum e que, para que a dominação seja considerada como tal, a interferência arbitrária deve ser intencional ou, pelo menos, quase-intencional.[22] Assim, é difícil justificar essas cláusulas quando se pensa na relação entre gerações.
Apesar de ser um tema com espaço para mais investigação no seio dos republicanos, Frank Lovett está consciente da "questão extraordinariamente complexa" colocada pelo desafio de como deve ser distribuída a não-dominação entre gerações.[23] O próprio Lovett é cético quanto à dominação intergeracional. Ao invés, reconhecendo que os recursos que passarão de uma geração para outra terão um impacto na possível quantidade de dominação a que os indivíduos estarão sujeitos, sendo essa dominação sempre atribuída a agentes contemporâneos. Em suma, as ações do presente podem promover as condições para a dominação futura, mas isso não faz com que os agentes do presente dominem os do futuro.
Surgem duas linhas possíveis para resolver este dilema. A primeira é uma conceção alternativa de dominação, como a proposta por Katz, em que, ao provocarem as alterações climáticas, os agentes atuais estão a praticar atos de dominação sobre a posteridade. A segunda é a atualização dos fundamentos da definição de dominação no âmbito da teoria republicana.
Quando se pensa na não-dominação entre gerações, os temas ambientais e as alterações climáticas colocam desafios ainda maiores aos republicanos e à sua definição de dominação. Se a criação e/ou manutenção de regimes opressivos - pensemos na escravatura ou no patriarcado - cria situações de dominação interpessoal e (pelo menos) semi-intencional, tanto no presente como no futuro, a realidade das alterações climáticas é um pouco diferente.
Em primeiro lugar, as alterações climáticas podem não criar situações de dominação no presente, mas promover, no futuro, situações de dominação interpessoal, bem como situações que fomentarão condições de dominação sem serem interpessoais. É o caso, por exemplo, da subida do nível do mar, do aumento do número e da intensidade dos furacões ou das secas extremas. Em segundo lugar, a cláusula da intencionalidade, já difícil de provar em qualquer relação intergeracional, é ainda mais complicada no que respeita às alterações climáticas. A ciência diz-nos que emitir mais carbono do que o planeta pode absorver terá consequências no futuro, mas será que se pode argumentar que aqueles que emitem mais do que a sua quota-parte hoje estão a limitar intencionalmente a liberdade das gerações futuras?
Seja como for, os republicanos sabem e aceitam que as alterações climáticas vão, pelo menos, fomentar situações de dominação. Como tal, podem não entender o impacto direto da geração atual sobre as futuras como uma dominação, mas, ao aceitarem que isso cria condições para relações de dominação, estarão interessados em definir limites ecológicos no presente.
Em termos mais concretos, as possíveis respostas republicanas para garantir a liberdade dos futuros incluem medidas políticas como assegurar que a Constituição refira a necessidade de proteger um planeta ecologicamente sustentável, um "Ministério do Futuro" ou a participação cívica na elaboração de políticas e na contestação política. Como Stuart White argumenta, a participação política através da deliberação e contestação "implica uma vontade e capacidade de pensar em termos do bem comum ... [e é por isso que] o cidadão democrático deve tentar formar uma certa conceção do bem comum e usá-la para considerar se existem boas razões para os outros cidadãos aceitarem propostas políticas específicas".[24] Em relação aos temas ambientais, quando os indivíduos discordam e nos casos em que o compromisso é inadequado, podem ainda estar dispostos a resolver esses desacordos através de argumentos.
Um dos desafios para os republicanos é criar inovações institucionais que lhes permitam pôr em prática os seus princípios teóricos. E uma possível resposta a este desafio passa por instituições que já existem em vários países, nomeadamente as assembleias cidadãs. Estas assembleias consistem em reunir um grupo de pessoas selecionadas (quase) aleatoriamente para que possam comentar e analisar um conjunto específico de propostas, contribuindo assim para a formação de políticas e leis. Podem também existir numa base permanente, trabalhando em conjunto com a assembleia legislativa ou com diferentes assembleias a nível local.
Não surpreende que os resultados destas assembleias cidadãs tenham frequentemente incluído uma forte dimensão ambiental. Foi o que aconteceu, por exemplo, no Reino Unido, onde os cidadãos que participaram na assembleia foram convidados a discutir e a propor um plano de luta contra as crises ecológicas, nomeadamente para combater o aquecimento global e atingir o objetivo de neutralidade carbónica em 2050. Estas pessoas foram acompanhadas neste exercício por especialistas de diferentes áreas. O resultado desta deliberação foi anunciado em setembro de 2020, num relatório com mais de 500 páginas, que defende que o caminho para a descarbonização da economia deve ser acompanhado por políticas de educação e justiça social. Da mesma forma, uma assembleia de cidadãos organizada em França, em 2020, reuniu 150 pessoas escolhidas aleatoriamente com o objetivo de definir medidas para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 40% (em relação a 1990) até ao ano 2030 e garantir a justiça social dessas medidas.
Mas que poder devem ter estas assembleias de cidadãos? Por um lado, se tiverem demasiado poder, nomeadamente a capacidade de produzir legislação, estas assembleias seriam equivalentes às atuais assembleias legislativas com representantes eleitos. Sem entrar numa discussão aprofundada sobre os méritos de ter legisladores escolhidos aleatoriamente, isso representaria uma mudança profunda no atual sistema de eleição de representantes, que poderia ser problemático em termos da sua implementação prática. Por outro lado, se o seu poder concreto for demasiado reduzido, tornando-se uma espécie de órgão consultivo, a eficácia destas assembleias será limitada. Pensemos nos vários órgãos consultivos já existentes que, apesar do seu trabalho meritório, têm pouca influência real.
Um meio-termo é, portanto, o ideal. Uma assembleia cidadã, tal como aqui imaginada, deve ter a capacidade de propor uma iniciativa legislativa, de participar e de comentar as leis elaboradas no processo parlamentar. Deve também poder propor vetos a decisões parlamentares e propor moções de censura (possivelmente sob condições como a necessidade de dois terços da assembleia de cidadãos a favor do veto), ou mesmo, como proposto por John P. McCormick, iniciar procedimentos para a destituição de representantes eleitos.[25]
Outra possibilidade foi avançada por Stuart White, que defende um sistema de petição, assembleia e referendo.[26] Segundo este esquema, os cidadãos poderiam iniciar a formação de uma assembleia de cidadãos através de petições e sem necessidade de aprovação parlamentar. Uma vez constituídas (com o apoio e a assistência do Estado), estas assembleias teriam a possibilidade de submeter as suas recomendações a referendo, mais uma vez independentemente da vontade do parlamento.
Também assente em razões políticas e ambientais, Verret-Hamelin e Vandamme apontam diversas falhas à democracia centrada apenas nos processos eleitorais, tais como a não representação apropriada da juventude, a falta de diversidade dos representantes eleitos ou o curto horizonte temporal dos legisladores. Assim, avançam, o ideal seria rejuvenescer o sistema democrático através de uma câmara legislativa com membros selecionados aleatoriamente e que possa ter um papel deliberativo e de escrutínio.[27]
CONCLUSÃO
A resposta às múltiplas crises ecológicas que atravessamos exige fortes e urgentes políticas públicas. Essas políticas devem ser efetivas, retirando-nos do atual estado de insustentabilidade no qual nos encontramos, preservando e promovendo a liberdade partilhada. Neste ensaio o nosso foco foi na teoria política republicana e como esta está equipada para informar políticas públicas de resposta às crises ecológicas, sociais e económicas do presente.
Focámo-nos em particular na conceção republicana de liberdade, entendida enquanto não dominação, argumentando que esta é a visão de liberdade mais adequada para preparar um futuro sustentável e emancipador. Sendo uma forma de liberdade social – e que, como tal, ultrapassa a simples conceção de liberdade de escolha – defendemos que esta visão é a mais capaz de promover um universalismo republicano, assente na pertença partilhada ao planeta e onde se assumam a fragilidade e finitude da vida humana e do planeta.
Por fim, discutimos como ferramentas políticas republicanas, nomeadamente assembleias cidadãs, podem contribuir para democratizar a tomada de decisões públicas de resposta às crises ecológicas.
Vivemos num momento charneira em que o nosso futuro comum e o futuro das próximas gerações está em jogo. Felizmente, é possível conceber um futuro onde todos sejamos mais livres, sejamos capazes de assim o ousar.
As múltiplas crises ecológicas que a humanidade atravessa são um dos principais desafios que, enquanto espécie, alguma vez enfrentámos. Da perda drástica de biodiversidade, à subida do nível dos mares, passando por níveis historicamente altos de gases poluentes e ao conjunto de alterações conhecidas como alterações climáticas, são muitas as frentes a requerer políticas públicas capazes de responder a este que é o desafio da nossa era. Como mostram vários estudos, a situação presente é já de insustentabilidade, pelo que a urgência na tomada de medidas é real. O preço da inação será um aprofundar das crises ecológicas, com desconhecidas e incontroláveis consequências ambientais, sociais e políticas.
Pensar na resposta às crises ecológicas exige também que pensemos na justiça das medidas que vierem a ser tomadas, acrescentando assim uma camada de complexidade. Assumindo que a transição ecológica é possível – e nisso acreditamos – é essencial que se pense em como tal se pode concretizar protegendo os mais frágeis e pedindo uma maior contribuição por parte daqueles que têm maior responsabilidade.
Se é difícil conceber como resultado último das crises ecológicas a extinção da espécie humana ou o fim da vida no planeta, é ainda assim possível associar as políticas que nos trouxeram até ao atual ponto de insustentabilidade ecológica sob uma lente de finitude e fragilidade. Como desenvolveremos na secção seguinte, estes dois princípios estão associados entre si e também interligados nas suas duas dimensões: a dimensão humana e a dimensão planetária.
Como argumentaremos, a finitude e a fragilidade devem ser entendidas e assimiladas como condição da vida humana e condição da vida planetária. Aceitando ambos, o desafio é o de pensar em como, num quadro de finitude e fragilidade, podemos dar resposta às alterações climáticas. Neste curto ensaio argumentaremos que essa resposta pode ser capacitada pelo poderoso conceito de liberdade. Importa referir desde já que a forma como se concebe a liberdade é determinante. Faremos uma defesa da conceção republicana de liberdade, entendida enquanto não-dominação. Defenderemos que em tempos de múltiplas crises ecológicas e na procura de respostas socialmente justas, as políticas públicas assentes na promoção da liberdade republicana serão as melhores equipadas para, por um lado, permitir respostas efetivas às alterações climáticas e, por outro e em paralelo, assegurar a proteção da efetiva liberdade humana.
A evolução tecnológica terá um papel importante na procura de respostas às crises ecológicas mas a visão determinista da tecnologia pode ser perigosa. Discutiremos então a ideia de tecnologia apropriada onde a tecnologia e o seu desenvolvimento está mais próxima dos indivíduos, promovendo assim a sua emancipação.
Por fim, olharemos para o futuro e discutiremos como podem as políticas públicas ser apoiadas por ferramentas políticas republicanas inovadoras, tais como as assembleias cidadãs. Devendo ser vistas como complementares às estruturas políticas existentes, estas ferramentas podem trazer novas visões e novas formas de promover o princípio de universalismo, entendido como a efetiva pertença à comunidade e à capacidade de participação nos processos decisórios. Deste modo, far-se-á também jus à visão de intergeracionalidade que caracteriza a política e filosofia republicana.
FINITUDE E FRAGILIDADE
A vida humana, tal como a concebemos até hoje, é finita. Saber que há um fim terreno para as nossas vidas que, invariavelmente, culminará com o nosso desaparecimento físico, tem sido tema para filósofos e religiosos desde que a nossa espécie começou a pensar-se. Não por acaso, a maioria das religiões que existem ou existiram em diferentes latitudes esforçou-se em propor cenários para o que aconteceria no momento em que, pela última vez, fechássemos os olhos. Da reencarnação a uma eterna vida etérea, são várias as respostas propostas. Ainda assim, mesmo para aqueles que adiram a uma qualquer teoria de vida para lá da morte física, é certo que existe pelo menos uma morte, a da vida terrestre; ou seja, a vida humana é finita.
Também o planeta Terra é finito e em múltiplos sentidos. É-o, desde logo, num sentido de muito longo prazo: em algum momento, daqui a alguns milhares de milhão de anos, o Sol deixará de ter energia para consumir, o que levará à sua morte e consequente destruição da Terra. Numa perspetiva mais concreta e palpável temporalmente, o planeta é finito de vários modos, destacando-se a finitude dos seus recursos, bem como a finita capacidade de processar as emissões poluentes de origem antropogénica sem que isso acarrete resultados desconhecidos e potencialmente catastróficos.[1]
A finitude da vida humana e do planeta revelam a fragilidade e vulnerabilidade de ambos. Mais, esta fragilidade é partilhada e coloca em confronto a finitude da vida humana com a finitude do planeta. Sabendo e assumindo a finitude da sua vida, o ser humano tem procurado ao longo da história o prolongar da sua longevidade. O período do iluminismo e a sua ideia de progresso foi determinante e resultou numa aposta na ciência também, quando não sobretudo, como modo de prolongar e melhorar a vida humana.[2] Esse esforço pode ser traçado até aos dias de hoje, onde ciência e tecnologia se aliam a uma tentativa de redefinição do conceito de vida sob a definição de transumanismo.[3]
No entanto, a expansão da longevidade humana, isto é, o atrasar da finitude humana, fez-se às custas de um enorme impacto sobre o planeta, ou seja, apressando a finitude planetária.[4] A este propósito, a famosa afirmação de René Descartes é todo um programa: "o ser humano é mestre e detentor da natureza". Esta visão de possessão do meio natural fez com que os impactos causados ao planeta – consequência das políticas associadas ao Progresso e, como tal, entendidas como essenciais para o desenvolvimento humano – fossem aceites sem grande oposição.[5]
De modo a rejeitar ou iludir a finitude humana e, em particular, de modo a rejeitar a ideia de fragilidade e vulnerabilidade, o iluminismo trouxe a aposta na ciência e na tecnologia, colocando-se a natureza apenas como algo que existe para ser dominado ou, na melhor das hipóteses, usado para servir o ser humano. Rejeitando-se qualquer forma de valor intrínseco, a natureza serve apenas propósitos utilitários.[6]
Ora, atendendo ao ponto fulcral em que nos encontramos e atendendo à situação de insustentabilidade ecológica na qual já vivemos, é essencial rever esta ligação entre o ser humano e a natureza. Reconhecendo a finitude humana, devemos ser capazes de reconhecer também a finitude planetária. Devemos portanto aceitar a fragilidade e a finitude enquanto condições essenciais para preparar um futuro sustentável. Olhando de forma integrada para a vida humana e para o planeta, deveremos ser capazes de reconhecer a fragilidade e vulnerabilidade partilhadas, reconhecendo assim uma fragilidade tanto social quanto ecológica.
Não se trata aqui de propor uma rejeição da ideia de vida para lá da morte ou de propor uma qualquer forma de religião; essa discussão, por interessante que seja, está fora do âmbito deste curto ensaio. Para uma excelente proposta de teoria filosófica e política assente na ideia de finitude, veja-se o ensaio "Esta Vida", do filósofo Martin Hägglund.[7] Nesta reflexão interessa-nos antes pensar em como a aceitação da finitude humana pode ser traduzida em medidas concretas que possam, em simultâneo, assegurar a maior longevidade possível e uma vida de qualidade de para um maior número possível de seres humanos enquanto em paralelo se assegura a maior longevidade planetária possível.
Sendo verdade que o iluminismo e a sua visão cientifista de progresso tiveram como consequência prática a depleção do planeta e uma visão de dominação da natureza que era mantida em paralelo com uma visão de dominação patriarcal e racista, devem por isso as suas bases e as ideias de tecnologia e de progresso ser simplesmente rejeitadas? Na nossa opinião, não.[8] Devemos, no entanto, ser capazes de reformular essa visão à luz dos desafios do presente e de modo a preparar o futuro.
Mas é preciso mais. Devemos recuar ainda mais na história, indo até à Grécia e Roma Antigas, recuperando as bases do pensamento republicano e trazendo-o para o século XXI; um republicanismo ecologista, antirracista, feminista e cosmopolita. Neste ensaio, o foco estará na ideia de liberdade e de como esta pode ser entendida à luz de um republicanismo ecologista, sendo esta a conceção de liberdade melhor equipada para conciliar democracia e as necessárias medidas de proteção ecológica.
A LIBERDADE EM TEMPOS DE MÚLTIPLAS CRISES
Poucos serão os conceitos tão mobilizadores como o de liberdade. Não surpreende, portanto, que a ideia e a definição de liberdade estejam no âmago de várias escolas filosóficas. Termo emancipador, a ideia de liberdade aponta para algo que queremos, enquanto humanos, ter na maior quantidade possível e que, por outro lado, não queremos ver reduzido. Assim, a definição de liberdade reveste-se de uma importância crítica, estando em permanente (re)definição.
A liberdade é, por definição, uma termo em permanente mutação e em relação ao qual existe um conflito constante pela sua definição e caracterização. Se fosse possível trazer para o presente um cidadão da Grécia Antiga, um membro do Senado da República de Roma, um cidadão florentino do século XVI ou um francês do início do século XIX e pedir-lhes para explicar porque - e como - são livres, as respostas seriam certamente muito diferentes. Esta luta pela definição de liberdade tem efeitos concretos muito visíveis e relevantes, servindo para apoiar ou limitar políticas públicas que possam ser vistas como promotoras ou como limitadoras da liberdade.
Também no presente, a ideia de liberdade tem sido usada de muitas, e por vezes antagónicas, formas. Durante a pandemia da COVID-19, era em nome da liberdade que se organizavam manifestações contra a vacinação ou contra outras medidas de combate à propagação do vírus; é também em nome de uma forma de liberdade que vemos ser feita a defesa do uso e porte de arma, a oposição a medidas estatais, em particular as do tipo fiscal, ou ainda oposição a qualquer tipo de medida que possa, independentemente da razão, coartar as possibilidades de ação do indivíduo. Não surpreende então que a ideia de liberdade tenha, nas últimas décadas e ao contrário do que aconteceu no século XIX e início do século XX, vindo a ser utilizada mais pela direita do espectro político que pela esquerda. Para que possamos discutir a conciliação entre liberdade e democracia em tempos de múltiplas crises temos de começar por definir diferentes conceções de liberdade.
Fazendo um curto e forçosamente limitado resumo de diferentes conceções de liberdade ao longo da história do pensamento humano, podemos centrar a nossa análise na liberdade entendida enquanto não-frustração, enquanto não-limitação, enquanto não-interferência e finalmente enquanto não-dominação.[9] Uma vez feita uma breve definição destas conceções de liberdade, seremos capazes de discutir como estas respondem, ou não, aos desafios das múltiplas crises que atravessamos, em particular as crises ecológicas.
É com a obra de Thomas Hobbes que se desenvolvem as conceções de liberdade enquanto não-frustração e não-limitação. Partindo da passagem do livro “Leviatã” em que Hobbes afirma que homem livre como aquele que "não é impedido de fazer o que deseja", estas duas conceções focam-se numa forma de liberdade estritamente individual e radicalmente oposta a qualquer forma de limite imposto ao indivíduo.[10] Ambas as conceções consideram que qualquer obstáculo, seja a má vontade de outro agente ou limitações naturais, contam como redutoras da liberdade. Ambas também concordam que desde que seja fisicamente possível para um agente escolher uma opção, o agente é livre nessa decisão, independentemente de todas as outras possíveis consequências negativas ou positivas. A principal diferença entre estas conceções reside no facto de o foco da não-limitação ser estritamente quantitativo - quanto maior o número de opções disponíveis para um agente, mais livre ele é -, o foco da não-frustração está na proteção da opção favorita do agente.
A conceção de liberdade como não-interferência pode ser associada à visão de liberdade negativa, tal como entendida por Isaiah Berlin na sua distinção entre liberdade positiva e negativa. Enquanto a conceção positiva de liberdade implica que uma pessoa é livre na medida em que pode ser mestre de si próprio e de exercer autodomínio, a conceção negativa é mais simples de explicar, e pode ser definida como a ausência de interferências. Ser livre neste sentido implica ter a possibilidade de escolher entre o maior número possível de opções - não apenas a que poderíamos desejar num determinado momento - sem sofrer a interferência intencional de outrem, que por sua vez poderia reduzir o número de opções disponíveis.
Esta conceção distingue-se das duas conceções anteriores de um modo relevante. Enquanto nas conceções hobbesianas qualquer tipo de obstáculo – humano ou natural, intencional ou não – é visto como redutor da liberdade, de acordo com a conceção de liberdade enquanto não-interferência, apenas aqueles obstáculos que são de origem humana e deliberados devem ser considerados enquanto tal. Deste modo, como afirma Berlin, “o sentido de liberdade ao qual me refiro implica não apenas a ausência de frustração (que pode ser obtida matando desejos), mas a ausência de obstáculos a possíveis escolhas e atividades - ausência de obstruções nas estradas pelas quais um homem pode decidir andar”.[11]
Desta curtíssima introdução às conceções de liberdade hobbeseanas e negativa entendida como não-interferência, fica rapidamente claro que estas terão sérios problemas em ser consistentes com medidas de políticas públicas que possam dar resposta efetiva às múltiplas crises ecológicas, desde logo as alterações climáticas. Reforçando que nos encontramos já numa situação de insustentabilidade ecológica, as políticas públicas que nos possam colocar numa rota de sustentabilidade terão de ser ambiciosas, corajosas, concretas.
É difícil imaginar que essas políticas não impliquem algum tipo de limitação no número de opções disponíveis. Pensemos por exemplo nas leis que possam limitar as emissões de CO2, na interdição do acesso de veículos privados aos centros das cidades ou novos impostos ambientais – de acordo com as conceções referidas acima, todos estes elementos limitariam a liberdade.[12] Na verdade, são muitas as políticas desse género já tidas no passado, seja por razões ambientais, como a interdição do uso de CFCs para preservar a camada do ozono, seja por razões tanto ambientais como de saúde humana, como a interdição do uso de alguns químicos nos produtos que consumimos. No fundo, o difícil é imaginar uma sociedade onde a liberdade entendida como não-interferência seja o fim último das políticas públicas.
O desafio é, portanto, o de saber como podemos desenvolver políticas públicas que, por um lado, respondam efetivamente às crises ecológicas e, por outro, assegurem o carácter democrático dessas medidas. Mas será que essas políticas serão forçosamente um ataque à liberdade ou representarão forçosamente uma limitação da liberdade? Tudo depende de como definamos o conceito e há pelo menos uma forma de liberdade que está mais bem equipada para dar resposta às crises ecológicas do presente: a liberdade republicana entendida como não-dominação. Esta conceção de liberdade foge ao dualismo proposto por Berlin e apresenta-se como uma terceira forma de liberdade que é, por um lado, negativa – liberdade de dominação – e, em paralelo, positiva – liberdade para agir.
A principal diferença entre dominação e mera interferência é colocada no nível da arbitrariedade; isto é, se tomado de uma maneira que sirva aos interesses do indivíduo, não se pode dizer que o ato de interferência seja arbitrário. Para ser considerada como tal, qualquer relação de dominação implica que o dominador possa cumprir três princípios: 1) capacidade de interferir, 2) arbitrariamente e 3) nas escolhas que o sujeito dominado está em posição de fazer.
A liberdade republicana, sendo social e não estritamente uma liberdade de escolha como as discutidas anteriormente, engloba por definição o aspeto democrático. Ao contrário de outras conceções de liberdade, a liberdade republicana como não-dominação é em primeiro lugar uma forma de liberdade agencial. A não-dominação refere-se principalmente à preocupação com a liberdade e o papel do agente na sociedade, mas também pode abrir espaço para a liberdade de opção, embora a um nível secundário.
Para a liberdade como não-dominação, “o objetivo principal (...) deve ser proteger as pessoas contra a dominação, [e] o secundário maximizar o número e a facilidade com que as pessoas podem exercer sua capacidade não-dominada de escolha”[13].
Este esclarecimento é particularmente significativo porque, como referido, as políticas públicas de resposta às crises ecológicas provavelmente implicarão a redução do número total de opções. Mas essas interferências não representam automaticamente uma situação de dominação. Como afirma Lovett, "desde que o governo que emite essas leis ou políticas seja adequadamente controlado, ele não sujeitará os seus cidadãos à dominação e, portanto, não prejudicará a sua liberdade", o que o leva a concluir que "o Estado de direito é uma condição necessária para a existência e usufruto da liberdade”.[14] Pettit faz uma leitura semelhante e argumenta que “a interferência estatal não será dominadora (...) desde que possa ser submetida ao controlo eficaz e igualmente compartilhado por parte das pessoas”.[15]
A liberdade para os republicanos é, portanto e em primeiro lugar, não viver à mercê de outros. E para que tal aconteça é preciso relacionar a liberdade com muitos outros fatores que promovem desigualdades entre indivíduos - ao nível da riqueza e poder, por exemplo, mas também ao nível das desigualdades ecológicas - que levaram o republicano Rousseau a argumentar no seu “Discurso sobre a Desigualdade” que “a pior coisa que pode acontecer a alguém nas relações entre homem e homem é viver graças à misericórdia de outro”.[16]
Podemos então balizar uma conceção ecologista da liberdade republicana da seguinte forma: a liberdade deve ser promovida mas não à custa da depleção dos recursos do planeta ou do desrespeito por indicadores como as fronteiras planetárias; e, em paralelo, a defesa de uma sociedade ecologicamente sustentável não pode ser feita à custa da liberdade, como seria o caso em visões ecofascistas e ecoautoritárias. Esta caracterização dual permite-nos assim fazer a ponte com os princípios de finitude e fragilidade acima discutidos: uma conceção ecologista da liberdade republicana obriga-nos a aceitar a finitude e fragilidade do planeta mas, fazendo-o, permite-nos pensar em como aceitar a a finitiude e fragilidade humana de forma partilhada. No fundo, trata-se de promover uma liberdade que assuma a fragilidade humana e do planeta e que faça dessa fraqueza força.
A TECNOLOGIA APROPRIADA
Antes de avançarmos para a secção dedicada às políticas republicanas de futuro, é importante discorrer, ainda que de forma breve e forçosamente incompleta, sobre o papel do progresso tecnológico para a mitigação das alterações climáticas e para o desenvolvimento económico e social da sociedade. Muitos, mesmo no seio de movimentos ambientalistas, vêm no progresso tecnológico a principal, quando não única, via de dar resposta às crises ecológicas. Esta é uma visão assente no otimismo tecnológico, em certa medida oriunda ainda da visão de Descartes em que a tecnologia deve ser uma ferramenta para o ser humano se tornar mestre do meio natural no qual se insere.
Esta defesa do progresso tecnológico é não raras vezes apolítica e determinista. Apolítica por não considerar os efeitos sociais associados à produção e uso da tecnologia e determinista por ser apresentada como um caminho pré-determinado que é importante percorrer. Ora, nem a tecnologia pode ser apolítica – muito menos podemos deixar de considerar os impactos do seu uso – nem há um caminho pré-definido para a evolução tecnológica. Importa pois pensar em como ter uma discussão sobre tecnologia que tenha estes dois factos em consideração.
As abordagens verdes focadas no otimismo tecnológico, também chamadas de eco-modernistas[17], assemelham-se ao papel mitológico de Prometeu. De acordo com a mitologia, Prometeu conseguiu, graças à sua destreza intelectual, roubar o fogo dos deuses e oferecê-lo à humanidade para que esta se pudesse desenvolver. Temendo que os humanos se pudessem aproximar dos deuses, Zeus condena Prometeu à punição eterna, amarrando-o a uma rocha onde, todos os dias e após a regeneração do seu corpo, uma águia o vem devorar. A questão atualmente é saber se existe sequer fogo sagrado para ser roubado ou se não estamos a arriscar apenas a punição sem qualquer benefício.
Mesmo que essas tecnologias inovadoras venham a ser criadas, caso tal aconteça após a perda (ainda mais) massiva de biodiversidade ou após a passagem das fronteiras planetárias para lá do ponto de não-retorno a partir do qual as consequências são imprevisíveis, então essas tecnologias não servirão o seu propósito. Assim, mais do que assumir uma posição derrotista em relação à capacidade para alterar o funcionamento da economia baseada no extrativismo e no produtivismo e colocar todas as esperanças na evolução tecnológica, devemos também ser capazes de avançar com mudanças ao nível individual - de atitudes e de comportamento – e, sobretudo, ao nível sistémico, entrando assim naquilo a que Jackson chama a prosperidade sem crescimento.[18]
Deve por isso a tecnologia ser rejeitada? Pelo contrário; a evolução tecnológica teve, tem e terá um importante papel na resposta às crises ecológicas. O que deve ser evitado é a sacralização da tecnologia como forma única de o fazer. Deve ainda ser evitada a visão de uma evolução única da tecnologia, uma globalização tecnológica em que a mesma tecnologia se aplica em todo o planeta. Aqui, o princípio de tecnologia adequada é relevante e vai ao encontro da política republicana.
Este princípio foi desenvolvido a década de 1960 pelo economista E.F. Schumacher que, após visitar países como a Birmânia, apresentava a sua ideia de “tecnologias intermédias”. O autor, que se tornaria famoso pelo seu seminal “Small is beautiful”, defendia que em economias mais pobres e sem os meios necessários para adquirir tecnologia de alto custo, as comunidades locais poderiam codesenvolver a sua própria tecnologia. Pelo seu carácter potencialmente injurioso ou dúbio, o termo acabaria por evoluir para “tecnologias apropriadas”, podendo as suas características principais ser agrupadas em quatro pontos:
- Tecnologias de simples utilização, de simples manutenção e reparação;
- Tecnologias e ferramentas intensivas em trabalho, por oposição a intensivas em capital ou energia;
- Construídas com recurso a materiais locais e adaptadas às realidades no terreno;
- Tecnologias e ferramentas com o menor impacto possível no meio ambiente em que se inserem.
O foco das tecnologias apropriadas estava, portanto, maioritariamente nas economias mais pobres, integrado numa visão de desenvolvimento local. Numa linha semelhante, Ivan Illich defendia a promoção das ferramentas conviviais.[19] Era relevante não apenas o aspeto técnico, isto é, a concretização e utilização das próprias ferramentas, mas também a promoção da autonomia daqueles – e daquelas – que se serviriam das mesmas. Esta ideia de promoção da autonomia era central na defesa de Illich das ferramentas conviviais como pilar da sua visão de uma sociedade convivial e, numa definição bastante lata, afirma que as ferramentas conviviais são todos os dispositivos projetados racionalmente, sejam artefactos ou regras, códigos ou operadores.
Na esteira dos conceitos de Schumacher e Illich, um discípulo deste último, Wolfgang Sachs, definiu nos inícios dos anos 1990 um novo conceito que tem vindo a ganhar relevância: cosmolocalismo (ou localismo cosmopolita). Não rejeitando as suas implicações ideológicas, o cosmolocalismo desafia a visão capitalista da globalização e da economia tal como esta tem sido aplicada. Em particular, aqueles que tentam desenvolver o conceito e práticas comolocalista estão contra a homogeneização, não apenas das tecnologias e das ferramentas em si, mas também – e talvez sobretudo – contra a homogeneização das culturas, fomentada pela globalização tal como promovida pelo capitalismo do final do século XX e do século XXI.
“Desenha global, constrói local” é o mote que descreve o cosmolocalismo e que tem uma forte componente digital. Efetivamente, é da partilha que se constrói este movimento que junta engenheiros e agricultores, economistas e filósofos, europeus e africanos, entre outros. Com uma forte componente digital e informática, os princípios dos bens comuns digitais e do código aberto são uns dos pilares do cosmolocalismo tal como ele é entendido no presente. É com base nesses princípios que a partilha se faz, livre de custos, permitindo que haja uma melhoria e/ou adaptação de cada ferramenta às realidades locais. Uma construção de baixo para cima, da base local, com as suas especificidades, até uma base global, construída não a partir de um único local, mas antes constituindo-se graças às diferenças e realidades de cada geografia, numa espécie de internacional do faça-você-mesmo.
Estes princípios podem e devem reger o trabalho de progresso tecnológico que temos pela frente. Aliando tecnologia, autonomia, partilha, bens comuns, conhecimento das realidades locais e ligação entre o mundo rural e urbano, bem como a preservação do ambiente no qual se insere, o cosmolocalismo pode e deve fazer parte de uma estratégia de globalização justa e co-construída a partir de várias latitudes e longitudes.
A LIBERDADE DOS FUTUROS
No seu famoso discurso, Benjamin Constant confrontou a "Liberdade dos Antigos" com a "Liberdade dos Modernos". Perante uma urgência tão grande como o colapso climático, torna-se evidente a necessidade de um novo tipo de liberdade que proteja as gerações futuras e, paralelamente, permita a existência de possíveis futuros diferentes: a liberdade dos futuros. Ironicamente, poderá ser olhando para a liberdade dos Antigos que obteremos respostas para este futuro, em particular no que diz respeito à definição do nosso futuro coletivo.
O republicanismo é intergeracional e é-o em dois sentidos. Primeiro, promove um sentimento de pertença, abordando assim o passado e a ligação a um determinado lugar. Isto é relevante numa perspetiva ecológica, pois pode dar aos cidadãos um sentimento de pertença que os motiva a proteger, pelo menos, o seu ambiente local. Em segundo lugar, o republicanismo olha para o futuro e para as melhores formas de preservar uma república permanentemente ameaçada. Pocock tornou este ponto claro quando argumentou que "a república não era intemporal, porque não refletia por simples correspondência a ordem eterna da natureza", razão pela qual era "portanto transitória e condenada à impermanência".[20] Esta abordagem intergeracional reflete-se assim no presente: como honrar o passado, preparando ao mesmo tempo um futuro sustentável?
Para os republicanos, uma discussão fundamental é se as gerações atuais dominam as futuras. No seu ensaio dedicado ao republicanismo e à dominação da posterioridade, Corey Katz afirma que os republicanos, nomeadamente Pettit e Lovett, precisam de "morder a bala ou rever a sua conceção de dominação".[21] É assim, afirma Katz, porque os republicanos defendem uma conceção relacional de dominação, que, pelo menos tal como é entendida por estes autores, torna difícil, se não impossível, defender que um ato no presente que pode ser prejudicial no futuro constitui dominação.
Olhando para o que Pettit e Lovett consideram necessário para que a dominação ocorra, o argumento de Katz parece sólido. Lovett defende que a dominação requer desequilíbrio de poder, dependência e arbitrariedade, enquanto Pettit considera que a dominação deve ser interpessoal, de conhecimento comum e que, para que a dominação seja considerada como tal, a interferência arbitrária deve ser intencional ou, pelo menos, quase-intencional.[22] Assim, é difícil justificar essas cláusulas quando se pensa na relação entre gerações.
Apesar de ser um tema com espaço para mais investigação no seio dos republicanos, Frank Lovett está consciente da "questão extraordinariamente complexa" colocada pelo desafio de como deve ser distribuída a não-dominação entre gerações.[23] O próprio Lovett é cético quanto à dominação intergeracional. Ao invés, reconhecendo que os recursos que passarão de uma geração para outra terão um impacto na possível quantidade de dominação a que os indivíduos estarão sujeitos, sendo essa dominação sempre atribuída a agentes contemporâneos. Em suma, as ações do presente podem promover as condições para a dominação futura, mas isso não faz com que os agentes do presente dominem os do futuro.
Surgem duas linhas possíveis para resolver este dilema. A primeira é uma conceção alternativa de dominação, como a proposta por Katz, em que, ao provocarem as alterações climáticas, os agentes atuais estão a praticar atos de dominação sobre a posteridade. A segunda é a atualização dos fundamentos da definição de dominação no âmbito da teoria republicana.
Quando se pensa na não-dominação entre gerações, os temas ambientais e as alterações climáticas colocam desafios ainda maiores aos republicanos e à sua definição de dominação. Se a criação e/ou manutenção de regimes opressivos - pensemos na escravatura ou no patriarcado - cria situações de dominação interpessoal e (pelo menos) semi-intencional, tanto no presente como no futuro, a realidade das alterações climáticas é um pouco diferente.
Em primeiro lugar, as alterações climáticas podem não criar situações de dominação no presente, mas promover, no futuro, situações de dominação interpessoal, bem como situações que fomentarão condições de dominação sem serem interpessoais. É o caso, por exemplo, da subida do nível do mar, do aumento do número e da intensidade dos furacões ou das secas extremas. Em segundo lugar, a cláusula da intencionalidade, já difícil de provar em qualquer relação intergeracional, é ainda mais complicada no que respeita às alterações climáticas. A ciência diz-nos que emitir mais carbono do que o planeta pode absorver terá consequências no futuro, mas será que se pode argumentar que aqueles que emitem mais do que a sua quota-parte hoje estão a limitar intencionalmente a liberdade das gerações futuras?
Seja como for, os republicanos sabem e aceitam que as alterações climáticas vão, pelo menos, fomentar situações de dominação. Como tal, podem não entender o impacto direto da geração atual sobre as futuras como uma dominação, mas, ao aceitarem que isso cria condições para relações de dominação, estarão interessados em definir limites ecológicos no presente.
Em termos mais concretos, as possíveis respostas republicanas para garantir a liberdade dos futuros incluem medidas políticas como assegurar que a Constituição refira a necessidade de proteger um planeta ecologicamente sustentável, um "Ministério do Futuro" ou a participação cívica na elaboração de políticas e na contestação política. Como Stuart White argumenta, a participação política através da deliberação e contestação "implica uma vontade e capacidade de pensar em termos do bem comum ... [e é por isso que] o cidadão democrático deve tentar formar uma certa conceção do bem comum e usá-la para considerar se existem boas razões para os outros cidadãos aceitarem propostas políticas específicas".[24] Em relação aos temas ambientais, quando os indivíduos discordam e nos casos em que o compromisso é inadequado, podem ainda estar dispostos a resolver esses desacordos através de argumentos.
Um dos desafios para os republicanos é criar inovações institucionais que lhes permitam pôr em prática os seus princípios teóricos. E uma possível resposta a este desafio passa por instituições que já existem em vários países, nomeadamente as assembleias cidadãs. Estas assembleias consistem em reunir um grupo de pessoas selecionadas (quase) aleatoriamente para que possam comentar e analisar um conjunto específico de propostas, contribuindo assim para a formação de políticas e leis. Podem também existir numa base permanente, trabalhando em conjunto com a assembleia legislativa ou com diferentes assembleias a nível local.
Não surpreende que os resultados destas assembleias cidadãs tenham frequentemente incluído uma forte dimensão ambiental. Foi o que aconteceu, por exemplo, no Reino Unido, onde os cidadãos que participaram na assembleia foram convidados a discutir e a propor um plano de luta contra as crises ecológicas, nomeadamente para combater o aquecimento global e atingir o objetivo de neutralidade carbónica em 2050. Estas pessoas foram acompanhadas neste exercício por especialistas de diferentes áreas. O resultado desta deliberação foi anunciado em setembro de 2020, num relatório com mais de 500 páginas, que defende que o caminho para a descarbonização da economia deve ser acompanhado por políticas de educação e justiça social. Da mesma forma, uma assembleia de cidadãos organizada em França, em 2020, reuniu 150 pessoas escolhidas aleatoriamente com o objetivo de definir medidas para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 40% (em relação a 1990) até ao ano 2030 e garantir a justiça social dessas medidas.
Mas que poder devem ter estas assembleias de cidadãos? Por um lado, se tiverem demasiado poder, nomeadamente a capacidade de produzir legislação, estas assembleias seriam equivalentes às atuais assembleias legislativas com representantes eleitos. Sem entrar numa discussão aprofundada sobre os méritos de ter legisladores escolhidos aleatoriamente, isso representaria uma mudança profunda no atual sistema de eleição de representantes, que poderia ser problemático em termos da sua implementação prática. Por outro lado, se o seu poder concreto for demasiado reduzido, tornando-se uma espécie de órgão consultivo, a eficácia destas assembleias será limitada. Pensemos nos vários órgãos consultivos já existentes que, apesar do seu trabalho meritório, têm pouca influência real.
Um meio-termo é, portanto, o ideal. Uma assembleia cidadã, tal como aqui imaginada, deve ter a capacidade de propor uma iniciativa legislativa, de participar e de comentar as leis elaboradas no processo parlamentar. Deve também poder propor vetos a decisões parlamentares e propor moções de censura (possivelmente sob condições como a necessidade de dois terços da assembleia de cidadãos a favor do veto), ou mesmo, como proposto por John P. McCormick, iniciar procedimentos para a destituição de representantes eleitos.[25]
Outra possibilidade foi avançada por Stuart White, que defende um sistema de petição, assembleia e referendo.[26] Segundo este esquema, os cidadãos poderiam iniciar a formação de uma assembleia de cidadãos através de petições e sem necessidade de aprovação parlamentar. Uma vez constituídas (com o apoio e a assistência do Estado), estas assembleias teriam a possibilidade de submeter as suas recomendações a referendo, mais uma vez independentemente da vontade do parlamento.
Também assente em razões políticas e ambientais, Verret-Hamelin e Vandamme apontam diversas falhas à democracia centrada apenas nos processos eleitorais, tais como a não representação apropriada da juventude, a falta de diversidade dos representantes eleitos ou o curto horizonte temporal dos legisladores. Assim, avançam, o ideal seria rejuvenescer o sistema democrático através de uma câmara legislativa com membros selecionados aleatoriamente e que possa ter um papel deliberativo e de escrutínio.[27]
CONCLUSÃO
A resposta às múltiplas crises ecológicas que atravessamos exige fortes e urgentes políticas públicas. Essas políticas devem ser efetivas, retirando-nos do atual estado de insustentabilidade no qual nos encontramos, preservando e promovendo a liberdade partilhada. Neste ensaio o nosso foco foi na teoria política republicana e como esta está equipada para informar políticas públicas de resposta às crises ecológicas, sociais e económicas do presente.
Focámo-nos em particular na conceção republicana de liberdade, entendida enquanto não dominação, argumentando que esta é a visão de liberdade mais adequada para preparar um futuro sustentável e emancipador. Sendo uma forma de liberdade social – e que, como tal, ultrapassa a simples conceção de liberdade de escolha – defendemos que esta visão é a mais capaz de promover um universalismo republicano, assente na pertença partilhada ao planeta e onde se assumam a fragilidade e finitude da vida humana e do planeta.
Por fim, discutimos como ferramentas políticas republicanas, nomeadamente assembleias cidadãs, podem contribuir para democratizar a tomada de decisões públicas de resposta às crises ecológicas.
Vivemos num momento charneira em que o nosso futuro comum e o futuro das próximas gerações está em jogo. Felizmente, é possível conceber um futuro onde todos sejamos mais livres, sejamos capazes de assim o ousar.
BIBLIOGRAFIA
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no. 05 // junho 2024
Artigo
FUNDAÇÃO RES PUBLICA
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
fundacaorespublica.pt
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
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1
Veja-se, a esse propósito, o conceito de Fronteiras Planetárias (Steffen et al. 2015) ou o recentemente apresentado conceito de “Earth system boundaries” (Rockström et al., 2023). De acordo com este último estudo, sete das oito fronteiras definidas já foram ultrapassadas.
2
Não por acaso, é nesse mesmo período que, na Europa, começam a surgir críticas profundas às religiões maioritárias e ao seu foco na vida depois da morte e se começa a apontar o foco para o papel da ciência como promotor da vida terrena.
3
More e Vita-More, 2013.
4
Os impactos das atividades humanas sobre o planeta são de tal amplitude que há quem apele a nossa era como Antropoceno ou Capitaloceno (Sharp, 2020); mais, como avançam Ceballos et al. (2017), podemos estar a atravessar a 6ª extinção em massa no nosso planeta, considerada como tal quando se observa uma perda de mais de 75 por cento das formas de vida conhecidas num curto lapso de tempo geológico.
5
Para um registo das várias, embora minoritárias, tentativas de oposição a esta visão, veja-se Audier, 2017.
6
Para uma discussão sobre o valor intrínseco da natureza e da ética ambiental veja-se Pinto, Marcelo e Cadilha (no prelo).
7
Hägglund, 2022.
8
Veja-se também Audier (2020) para uma crítica construtiva ao pensamento iluminista e de como este pode ser reformulado.
9
Para uma discussão alargada sobre as diferenças entre estas conceções de liberdade e como estas dão resposta à crise ecológica veja-se Pinto, 2021.
10
Para uma defesa contemporânea do conceito de liberdade hobbesiano, afirmando que enquanto uma opção for fisicamente possível, o agente terá a liberdade de escolher, independentemente de quaisquer consequências possíveis, veja-se Steiner, 1994; Carter, 1999; Kramer, 2003.
11
Berlin, 2002, p. 32.
12
Aqui é importante realçar que mesmo que a totalidade dos fundos coletados por um imposto ambiental fossem redirecionados para os cidadãos, a liberdade entendida como não-interferência continuaria a afirmar que existe uma redução da liberdade. Berlin é aqui claro quando afirma que mesmo que seja usado como um meio de aumentar outras liberdades, todas as leis - e certamente as leis consideradas parte dos limites ecológicos - “reduzirão alguma liberdade (Berlin, 2002, p.41, realce no original).
13
Pettit, 2003, p. 401.
14
Lovett, 2018. p. 112. Veja-se também o mais recente ensaio de Lovett (2022) onde este desenvolve os conceitos de controlo popular que a política republicana deve ter em conta.
15
Pettit, 2014, p. 111.
16
A este propósito, veja-se a análise de Anne Frémaux (2019) sobre republicanismo verde e uma economia pós-capitalista.
17
Asafu-Adjaye et al., 2015, p. 21.
18
Jackson, 2013.
19
Illich, 1973.
20
Pocock 2016, p. 53.
21
Katz, 2017, p. 296.
22
Pettit, 1997, pp. 52-53; 2012, p. 49.
23
Lovett, 2010, p, 182.
24
White, 2008, p. 126.
25
McCormick, 2011.
26
White, 2020.
27
Verret-Hamelin e Vandamme, 2022.