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Silva, P. A., Carmo, R. M., Cantante, F., Cruz, C., Estêvão, P., Manso, L., Pereira, T. S. (2020), TRABALHO E DESIGUALDADES NO GRANDE CONFINAMENTO (II): DESEMPREGO, LAYOFF E ADAPTAÇÃO AO TELETRABALHO (Estudos CoLABOR, N.º 3/2020), CoLABOR. __________________________________ |
TRABALHO E DESIGUALDADES NO GRANDE CONFINAMENTO (II): DESEMPREGO, LAYOFF |
O presente estudo, da autoria de autoria de um conjunto de investigadores do CoLABOR - Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social, sucede a uma primeira incursão do Laboratório Colaborativo nos impactos da pandemia no mercado de trabalho português, retomando a análise sobre os impactos da crise no emprego e nos rendimentos e aprofundando o olhar sobre a transição súbita para o teletrabalho a que o confinamento obrigou.
O estudo divide-se, pois, em duas partes. A primeira parte, assente em dados administrativos sobre o desemprego registado e sobre o take-up do chamado layoff simplificado(1), procura analisar o impacto da pandemia e do confinamento no mercado de trabalho, destacando-se desta secção a indagação recorrente sobre qual teria sido a extensão do aumento do desemprego não fossem as medidas extraordinárias de apoio à manutenção do emprego adotadas pelo Estado Português. A segunda parte é dedicada à adaptação ao teletrabalho durante o grande confinamento, e baseia-se numa metodologia mista que combina dados quantitativos e qualitativos recolhidos por uma equipa do ICS/ISCTE e que proporciona uma visão compreensiva (e a vários tempos) sobre a adaptação dos portugueses a esta forma de prestar trabalho. Transversal às duas grandes temáticas do estudo é a afirmação do carácter assimétrico da crise pandémica, que, fica demonstrado, “reproduz e agudiza assimetrias pré-existentes no mercado de trabalho”(2). Os autores demonstram que não apenas que a destruição de emprego afetou de forma desigual o tecido empresarial e os diferentes segmentos da força de trabalho - evidenciando quer vulnerabilidade dos setores mais expostos à procura externa (muito em particular o turismo), quer a fragilidade dos trabalhadores menos qualificados e com inserções mais precárias no mercado - mas também que foram precisamente os trabalhadores que, antes da pandemia, viviam com dificuldades, os que mais terão sido penalizados pela perda de rendimentos que a crise pandémica desencadeou. Entre os vários fatores de desigualdade abordados, são porventura as qualificações o que mais sobressai: os trabalhadores mais qualificados foram os menos atingidos pela onda de desemprego que se abateu sobre o país, apresentaram menos propensão de passar a regime de layoff e encontraram maior facilidade em transitar para o teletrabalho, ficando assim menos expostos a perdas de rendimentos e menos expostos também ao risco de contágio por Covid-19, de onde os autores concluem, com propriedade, que “os trabalhadores mais escolarizados estão duplamente protegidos face aos efeitos da pandemia e da subsequente paragem da atividade económica”. Mas, se estes são elementos que, encontram paralelo outras crises económicas, sobretudo num país estruturalmente assimétrico como Portugal, há duas questões que o estudo aborda para as quais dificilmente encontramos correspondência na história recente do mercado de trabalho nacional. A primeira é a adesão massiva ao regime de layoff e o impacto que este teve na contenção do agravamento do desemprego. A páginas tantas, diz-se que “é, aliás, perturbador pensar na dimensão que a destruição de emprego e de empresas teria caso estas medidas não tivessem sido implementadas”, sugerindo-se mais adiante que “uma análise contrafactual estimaria certamente um cenário quase apocalíptico do ponto de vista da sobrevivência das empresas e uma queda ainda mais retumbante do emprego”. Apesar de não serem mencionados no estudo, cabe mencionar de passagem os resultados do Inquérito Rápido e Excecional às Empresas promovido pelo INE, de onde se retira que mais de 57% das empresas que recorreram ao layoff simplificado afirmam que sem esse instrumento teriam diminuído o nível de emprego, em muitos casos com reduções do número de efetivos acima de 20%. Mas, sem prejuízo do papel decisivo que o layoff desempenhou na contenção do agravamento do desemprego - ainda assim o mais acelerado de que há registo - os apoios públicos não têm o condão de prevenir o encerramento de algumas empresas nem a redução do número de trabalhadores de muitas outras. Por isso, é também perturbadora a noção sempre presente de que “não conhecemos nem a amplitude do desemprego que [esta crise] gerará no futuro, nem os ritmos e sentidos que pautarão a sua evolução”. Isto apesar de, como sugerido quer pelo estudo do CoLABOR, quer pelos dados mais recentes entretanto disponibilizados, haver uma tendência de estabilização e até de tímida recuperação do emprego nos meses que se sucederam à depressão do mês de abril. |
Mas, ainda sobre o layoff, e porque, como notam os autores, “existe cada vez mais informação disponível sobre os efeitos da atual crise no emprego” - resultado do esforço meritório quer da administração pública, quer da academia e dos centros de investigação - interessa porventura fazer uma nota crítica quanto às conclusões do estudo sobre a adesão das grandes empresas ao regime de layoff e, em concreto, à ideia de que que “as empresas que têm maior robustez financeira (as de média e grande dimensão) e capacidade de resposta à travagem da economia estão a beneficiar mais em termos relativos deste apoio público”. Acontece que, à data em que o estudo foi elaborado, apenas eram conhecidos os pedidos de acesso ao layoff e as estimativas sobre o número potencial de trabalhadores abrangidos por este mecanismo. Hoje, conhecendo-se o número efetivo de empresas e trabalhadores que recorreram ao regime, os dados sugerem que a intensidade da adesão ao layoff por parte das grandes empresas, i.e. que a proporção de trabalhadores com horário reduzido ou contrato suspenso foi menor nas empresas de maior dimensão do que nas de reduzida dimensão.
A segunda questão sem paralelo histórico que o estudo aborda é o teletrabalho: por ter passado de “uma experiência marginal no mercado de trabalho português para assumir grande relevância” (3), e por reunir, nas mesmas dimensões, tantas potencialidades quanto riscos, o teletrabalho tem suscitado amplo e intenso debate na sociedade portuguesa. Não por acaso, é um dos temas abordados de forma mais incisiva pelo estudo do CoLABOR, sendo aliás identificado um conjunto de aspetos - equilibrados, diga-se - a ter em conta numa eventual reforma legislativa sobre esta matéria. Entre as vantagens e desvantagens do trabalho remoto para a conciliação, para a gestão do tempo e para a produtividade, sempre influenciadas por variáveis-chave como sejam as qualificações, as condições habitacionais, o género ou o tipo de agregado familiar dos trabalhadores e, de forma mais transversal, pelo simultâneo encerramento das escolas, há um elemento que sobressai por remeter para a dimensão coletiva das relações de trabalho. A análise de conteúdo às perguntas abertas do inquérito promovido pelo ICS/ISCTE revelou ser frequente a referência à “importância das interações presenciais com os colegas e das dinâmicas decorrentes do trabalho em equipa, cuja riqueza se perde nas reuniões virtuais utilizando as diferentes plataformas digitais”, de onde concluem os autores que “a dimensão coletiva da experiência de trabalho não é facilmente transposta para o teletrabalho, apesar das tecnologias de comunicação crescentemente ao dispor”. Partindo precisamente desta reflexão, e sabendo que a margem para aprofundar o conhecimento sobre os impactos desta crise no mercado de trabalho é, claro, muito ampla, cabe notar que existem pelo menos dois domínios que, não sendo abordados de forma direta neste estudo, são por ele suscitados e merecem, por isso, referência. O primeiro prende-se precisamente com a dimensão coletiva das relações de trabalho e com a relação entre o teletrabalho e a individualização e fragmentação das relações laborais, tendências que interpelam os sistemas tradicionais de representação e participação dos trabalhadores e que exigem, por isso, reflexão atenta e tempestiva, sob pena de se agravar o padrão já evidente de erosão da negociação coletiva e, em sentido mais amplo, das instâncias de participação e diálogo social. O segundo, igualmente indissociável da reflexão sobre o teletrabalho, passa pela componente da segurança e saúde no trabalho: a relativa invisibilidade das condições de prestação de trabalho em regime de teletrabalho, sobretudo quando este tem lugar no domicílio, obstaculiza à ação inspetiva e requer uma abordagem preventiva reforçada, como mostram de resto os elementos empíricos mobilizados no estudo, que sugerem estar comummente associados ao teletrabalho “sintomas como dores corporais, cansaço físico”, além de sintomas “depressivos e de desânimo”. São questões que, é certo, resultam não apenas da circunstância de se estar em teletrabalho mas também do contexto do grande confinamento a que se reporta a investigação, mas que estarão com certeza presentes naquele que os autores caracterizam como um “futuro pós estado de calamidade onde, apesar de tudo, dificilmente as relações de trabalho voltarão a ser as mesmas”. — Ana Fontes
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no. 01 // fevereiro 2021
Recensão
FUNDAÇÃO RES PUBLICA
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
fundacaorespublica.pt
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
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1. Quanto ao layoff simplificado, cabe notar que, desde a data em que o estudo foi elaborado e publicado, houve relativo progresso no detalhe dos dados disponibilizados pela administração pública, estando agora acessíveis elementos que podem e devem ser mobilizados para complementar as análises proporcionadas pelo estudo do CoLABOR.
2. Sobre a relação entre as características estruturais do mercado de trabalho português e os impactos da pandemia, recomenda-se a leitura da primeira parte deste estudo do CoLABOR, em que se destaca, por exemplo, a elevada incidência de contratos não permanentes como fator de vulnerabilidade do emprego e o crescimento exponencial do setor do alojamento e da restauração como determinante da maior exposição do país a choques na procura externa.
3. Ainda que não sejam citados no estudo, consideram-se merecedores de nota os dados do módulo ad hoc do Inquérito ao Emprego do INE que sugerem que, no 2.º trimestre de 2020, o teletrabalho foi adotado por 23,1% dos trabalhadores em Portugal, no equivalente a mais de um milhão de pessoas.
2. Sobre a relação entre as características estruturais do mercado de trabalho português e os impactos da pandemia, recomenda-se a leitura da primeira parte deste estudo do CoLABOR, em que se destaca, por exemplo, a elevada incidência de contratos não permanentes como fator de vulnerabilidade do emprego e o crescimento exponencial do setor do alojamento e da restauração como determinante da maior exposição do país a choques na procura externa.
3. Ainda que não sejam citados no estudo, consideram-se merecedores de nota os dados do módulo ad hoc do Inquérito ao Emprego do INE que sugerem que, no 2.º trimestre de 2020, o teletrabalho foi adotado por 23,1% dos trabalhadores em Portugal, no equivalente a mais de um milhão de pessoas.