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Mamede, R. Paes (Coord.), Pereira, M., Simões, A. (2020), Portugal: Uma análise rápida do impacto da COVID-19 na economia e no mercado de trabalho, OIT. __________________________________ |
PORTUGAL: UMA ANÁLISE RÁPIDA |
Este relatório enquadra-se num conjunto de análises rápidas lançadas pelo Departamento de Emprego, Mercados de Trabalho e Jovens da OIT que avaliaram os impactos e as respostas suscitadas pela pandemia em cerca de 14 países com diferentes graus de desenvolvimento.
A análise sobre o caso português tem como ponto de partida uma leitura breve sobre o caminho de recuperação que Portugal vinha a percorrer até ao choque pandémico. Um caminho que estava a permitir ao país corrigir gradualmente “muitas das suas fragilidades sociais e económicas”, pese embora a persistência das “dívidas pública, privada e externa, os salários relativamente baixos e as elevadas desigualdades de rendimento, e o grau de segmentação do mercado de trabalho” – desafios que traduzem não só uma “herança pesada decorrente da crise anterior”, como apontado pelos autores, mas também um conjunto de problemas estruturais que a precediam, e que a pandemia veio exacerbar. O relatório inclui uma análise sobre os efeitos imediatos da COVID-19 no país e sobre aquelas que foram as primeiras respostas de política pública para conter a propagação da doença, de onde se destaca a afirmação da rapidez com que as autoridades portuguesas adotaram medidas de contenção e mitigação, bem como o reconhecimento da capacidade de resposta do SNS, que, nota-se, “lidou com a pandemia sem grandes disrupções” - o que, conclui-se mais adiante, “pode ter mudado as perceções dominantes em relação ao valor dos serviços públicos”. Ainda nesta secção, alude-se aos impactos macroeconómicos da pandemia, com suporte nas previsões das principais autoridades nacionais e internacionais, bem como aos efeitos do confinamento nas empresas, no emprego, nos rendimentos e no consumo, neste caso com recurso a um conjunto de dados administrativos, desde logo sobre o desemprego registado e sobre os despedimentos coletivos comunicados à administração do trabalho, bem como sobre a adesão ao regime de layoff simplificado - elementos que revelam a magnitude da crise induzida pela pandemia, mas que revelam igualmente a fragilidade de segmentos específicos da economia e do mercado de trabalho nacionais. É precisamente isso que emerge das partes seguintes do relatório, desde logo da análise setorial dos impactos da pandemia no mercado de trabalho português que, à semelhança de outras análises, reforça a ideia de que foram as atividades mais geradoras de desemprego foram a atividades ligadas ao turismo, sugerindo-se, com propriedade, que este facto pode estar associado à incidência elevada de contratos de trabalho precários nestes setores. Do mesmo modo, do capítulo dedicado à identificação dos grupos de trabalhadores mais afetados pela crise, retira-se, como de outros exercícios similares, que “muitos dos grupos mais afetados pela crise já se encontravam entre os desfavorecidos”. O relatório conclui desde logo pela incontornável fragilidade dos contratos temporários, com suporte numa associação expressiva entre a variação homóloga do desemprego a percentagem de trabalhadores temporários em cada setor de atividade - que, acrescente-se, é especialmente preocupante tendo em conta que os setores mais geradores de desemprego foram também os que mais recorreram ao regime de layoff simplificado. Mais à frente, afirma-se que “os custos associados ao trabalho precário tornaram-se evidentes” e que este aspeto, a par dos “benefícios de um sistema universal de proteção social”, dificilmente poderá não ser tido em conta em debates futuros sobre políticas públicas. Aparece também destacado nesta secção “enviesamento de género no risco de exposição dos trabalhadores à COVID-19”, com referência relevante à elevadíssima taxa de feminização nas atividades ligadas à ação social e à saúde humana, bem como à sobejamente conhecida sobrecarga das mulheres com o trabalho não remunerado de cuidados, nesta fase agudizado pelo encerramento temporário das escolas. A este respeito, o relatório refere um indicador que é emblemático das assimetrias entre mulheres e homens no trabalho de cuidados: mais de 80% dos beneficiários do apoio excecional às famílias que o Governo disponibilizou para os pais que precisaram de ficar em casa para cuidar de crianças durante o encerramento das escolas. Ainda neste capítulo, há uma secção dedicada à identificação de sinais de agravamento das situações de incumprimento da legislação laboral e à necessária adaptação da atuação da inspeção do trabalho às circunstâncias particulares desta crise. Para este fim, são mobilizados testemunhos dos Parceiros Sociais com assento na Comissão Permanente da Concertação Social, combinados com dados facultados pela ACT e pela CITE, sendo que nalguns pontos a análise beneficiaria de maior aprofundamento, desde logo no sentido de confrontar as leituras feitas pelos Parceiros Sociais com a informação objetiva que se encontra na posse dos organismos públicos envolvidos. Depois de caracterizados os setores e os grupos de trabalhadores mais afetados, no imediato, pela crise pandémica, o relatório prossegue para uma análise sobre as medidas extraordinárias de apoio que as autoridades portuguesas adotaram para mitigar os efeitos socioeconómicos da pandemia. À semelhança da observação feita relativamente às medidas de contenção e mitigação, os autores destacam a rapidez da atuação do Governo português nesta frente, recordando que as primeiras medidas de apoio a empresas e trabalhadores foram anunciadas apenas “uma semana após o primeiro caso confirmado de COVD-19, e uma semana antes da adoção das principais medidas de confinamento”. |
Entre o elenco exaustivo das medidas adotadas, sobressai a afirmação do carácter inovador de uma parte das respostas, designadamente das que foram concebidas para responder aos grupos não abrangidos pelas respostas tradicionais de proteção social, incluindo os trabalhadores informais, sendo merecedora de nota a reflexão apresentada a propósito deste último ponto, até porque há neste relatório uma preocupação transversal com os impactos da crise nos trabalhadores do setor informal, em linha com agenda global da OIT. Apesar de reconhecerem o esforço permanente do Governo em dar resposta ampla a todos aqueles que perderam rendimentos em resultado da pandemia, os autores manifestam dúvidas quanto às potencialidades das medidas criadas pelas autoridades portuguesas para dar resposta a estas pessoas, notando que “os valores habitualmente envolvidos estão geralmente bem abaixo da linha de pobreza” e que “muitas das medidas ainda não atingiram os grupos-alvo”. A este respeito, poderia acrescentar-se que o alcance apenas modesto das medidas adotadas nesta frente pode decorrer não só do montante dos apoios – hoje alinhado com o que é disponibilizado, por exemplo, aos trabalhadores independentes com quebra de atividade, mas também do facto de implicarem a transição para a formalidade, aspeto que tem implicações não só do ponto de vista da ponderação custo-benefício de cada sujeito, mas também do ponto de vista do seu enquadramento profissional, visto que está subjacente a formalização de uma relação de trabalho não declarada.
O relatório dá destaque, em capítulo próprio, ao esforço continuado das autoridades no sentido de construir consensos em torno das medidas de política pública adotadas para fazer face aos efeitos da crise pandémica. O diálogo tripartido, elemento fundador e norteador da atuação da OIT, aparece em grande destaque, afirmando-se o papel crítico que desempenhou “para garantir a responsabilização partilhada do processo e uma abordagem equilibrada na resposta às diferentes e prementes necessidades decorrentes da crise”, e notando-se que, pese embora não haja, naturalmente, consenso pleno em todas as matérias, “todos os atores principais reconhecem os esforços envidados para construir consensos e desempenharam o seu papel nas soluções adotadas na resposta à crise”, sendo concluído que “os desacordos sobre questões específicas não comprometeram a estratégia geral”. Mas é também valorizado o esforço de disponibilização regular de informação à população sobre a evolução da pandemia e sobre as respostas disponibilizadas - um esforço que viria a revelar-se, como notado aliás na parte final do relatório, elemento-chave para garantir a adesão e aceitação das medidas de confinamento. Este tema é recuperado mais adiante, concluindo-se que “as ações adotadas para combater a pandemia e as suas consequências sociais e económicas parecem ter promovido a transparência, cooperação institucional a vários níveis e diálogo social no processo político”. Por fim, o relatório procura identificar algumas oportunidades de transformação estrutural da economia e do modelo de organização social do país decorrentes da necessidade de adaptação rápida a um quadro antes desconhecido. O teletrabalho, sendo hoje um tema incontornável e gerador de debates muitas vezes polarizados, aparece naturalmente como “a mudança mais óbvia”, mas merece nota positiva o facto de se aludir igualmente à adoção - rápida e em muitos casos sem experiência anterior - de ferramentas de formação a distância e de instrumentos de e-government, bem como à adesão crescente de consumidores e empresas ao comércio eletrónico, aspetos que talvez não tenham merecido até agora tanta atenção quanto aquela que seria expectável. São também apresentadas, de passagem, algumas linhas de reflexão sobre o potencial de mudança estrutural dos modelos de produção da economia portuguesa, alavancado pela necessidade imediata de muitas empresas encontrarem “fontes alternativas de matérias-primas e produtos intermédios e/ou novos mercados de destino”, ficando talvez por dizer que esta crise veio também reforçar a importância aumentar a resiliência da economia portuguesa perante choques externos, desde logo reduzindo a dependência do setor do turismo, hoje caracterizado, como colocado pelos autores, por “uma cadeia de valor muito fragmentada, com uma mistura de segmentos de elevado e de baixo valor acrescentado”. Talvez merecesse igualmente nota mais aprofundada o facto de, conforme notado pelos autores, a crise pandémica ter induzido um aumento da procura de mão-de-obra nas atividade de saúde - e, acrescente-se, da prestação de cuidados em sentido mais amplo -, cabendo a este respeito notar que existia já uma tendência de expansão do setor dos cuidados, associado ao acentuado envelhecimento da demográfico que caracteriza o país, sendo que a pandemia veio revelar as dificuldades significativas na satisfação das necessidades de recrutamento do setor. O relatório encerra-se com um conjunto de mensagens sobre aqueles que são os desafios de curto e médio prazo para as autoridades portuguesas - designadamente a regulamentação do teletrabalho e o alargamento e a adaptação do âmbito da proteção social - em paralelo com algumas recomendações que assentam na visão sempre equilibrada da OIT sobre a regulação do mercado de trabalho e nos pilares fundadores da Declaração do Centenário para o Futuro do Trabalho: “o trabalho digno, a coesão social e serviços públicos de alta qualidade, a transição para uma economia digital e baseada no conhecimento, apoiada pelo investimento contínuo na educação e na formação, sustentabilidade ambiental e uma democracia forte”. — Ana Fontes
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no. 01 // fevereiro 2021
Recensão
FUNDAÇÃO RES PUBLICA
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
fundacaorespublica.pt
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
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1. Quanto ao layoff simplificado, cabe notar que, desde a data em que o estudo foi elaborado e publicado, houve relativo progresso no detalhe dos dados disponibilizados pela administração pública, estando agora acessíveis elementos que podem e devem ser mobilizados para complementar as análises proporcionadas pelo estudo do CoLABOR.
2. Sobre a relação entre as características estruturais do mercado de trabalho português e os impactos da pandemia, recomenda-se a leitura da primeira parte deste estudo do CoLABOR, em que se destaca, por exemplo, a elevada incidência de contratos não permanentes como fator de vulnerabilidade do emprego e o crescimento exponencial do setor do alojamento e da restauração como determinante da maior exposição do país a choques na procura externa.
3. Ainda que não sejam citados no estudo, consideram-se merecedores de nota os dados do módulo ad hoc do Inquérito ao Emprego do INE que sugerem que, no 2.º trimestre de 2020, o teletrabalho foi adotado por 23,1% dos trabalhadores em Portugal, no equivalente a mais de um milhão de pessoas.
2. Sobre a relação entre as características estruturais do mercado de trabalho português e os impactos da pandemia, recomenda-se a leitura da primeira parte deste estudo do CoLABOR, em que se destaca, por exemplo, a elevada incidência de contratos não permanentes como fator de vulnerabilidade do emprego e o crescimento exponencial do setor do alojamento e da restauração como determinante da maior exposição do país a choques na procura externa.
3. Ainda que não sejam citados no estudo, consideram-se merecedores de nota os dados do módulo ad hoc do Inquérito ao Emprego do INE que sugerem que, no 2.º trimestre de 2020, o teletrabalho foi adotado por 23,1% dos trabalhadores em Portugal, no equivalente a mais de um milhão de pessoas.