__________________________________
EDUARDO FERRO RODRIGUES Nasceu em Lisboa em 1949 e a sua politização fez-se nos movimentos estudantis de luta contra a ditadura. Foi um dos fundadores do MES, movimento nascido no pós-25 de Abril de uma “ânsia de democracia radical”. A “experiência prática” conduziu-o posteriormente ao PS, já na década de 80. Licenciado em Economia, fez carreira na administração pública, tendo chegado ao governo em 1995 como Ministro da Solidariedade e Segurança Social no executivo liderado por António Guterres, onde ocuparia várias pastas nos anos seguintes. Em 2002 foi eleito Secretário-Geral do Partido Socialista, função que manteve até 2004. Rumou a Paris no ano seguinte para ocupar o cargo de embaixador de Portugal na OCDE. Foi eleito Presidente da Assembleia da República em 2015, cargo que ocupou até 2022.. ________________________________ |
“A PARTIR DE 1980, SER DO PS ERA A FORMA MAIS RADICAL DE SER DEMOCRATA”Porquê o PS?
A minha politização foi intensa e radical desde miúdo, desde que testemunhei uma carga da GNR a cavalo sobre manifestantes que pretendiam ir a um comício do General Humberto Delgado no Liceu Camões em 1958. Depois quando presenciei, uns anos depois, vários familiares e amigos atacados aquando das greves estudantis de 1962. E mais tarde quando entrei para Económicas, para o ISCEF, e participei intensamente até como presidente da Associação dos Estudantes, nas grandes lutas entre 1968 e 1972. O MES [Movimento de Esquerda Socialista], de qual fui fundador em 1974, tinha na origem um anseio de democracia radical. Nos anos 70 tentei contribuir para isso, numa lógica anticapitalista e anti-imperialista. A partir de 1980 não foram os livros, mas a experiência prática que me conduziu naturalmente ao PS, porque naquele momento era a forma mais radical de ser democrata. Conte-nos como foi a sua adesão ao PS. Quando e em que circunstâncias? Entrei para o PS com alguma circunstância e pequena pompa a 25 de abril de 1986, depois de ter contribuído para a extinção do meu partido, do MES, que acabou com um belo jantar no Mercado do Povo em 1981, e depois de ter participado no movimento da Nova Esquerda depois de termos apoiado como independentes Mário Soares e o PS em 1983 e depois de termos avalizado, inclusivamente, o bloco central, que evidentemente poderia dispensar o nosso aval… Entrei para o PS conjuntamente com dezenas de socialistas sem partido, lembrando o que Mário Soares tinha afirmado nessa altura: “Ser socialista é ser do PS”. Na sua opinião, qual foi o contributo mais importante do PS para a democracia portuguesa? A cegueira ideológica e algum sectarismo, e também alguma generosidade utópica para os contributos na altura do processo revolucionário, levaram a que só mais tarde reconhecêssemos no PS e em Mário Soares aquilo que era o papel fundamental na edificação da própria democracia e a sua decisiva força que levou o país para a União Europeia e não para uma qualquer alternativa terceiro-mundista. E isso acho que é o mais importante a sublinhar. * * *
“‘Entrei para o PS conjuntamente com dezenas de socialistas sem partido, lembrando o que Mário Soares tinha afirmado nessa altura: “Ser socialista é ser do PS’.” * * * Quais foram os acontecimentos / momentos políticos para si mais marcantes na história do PS?
Eu só posso falar com à-vontade da história do PS após 1986, embora tenha vivido aquele ambiente fúnebre antes de entrar para o PS, aquando da campanha de 1985 e da grande derrota que Partido Socialista teve, em que me lembro de ir à sede do PS e de se respirar um ambiente de quase casa funerária, com o Almeida Santos a receber aqueles que lá iam dar um abraço. Mas a partir de 1986, nestes quase trinta anos, as minhas grandes referências e momentos foram a campanha de Mário Soares em 1986, a sua ida à segunda volta por milímetros, que eu comemorei como se tivesse sido a verdadeira vitória; a vitória extraordinária contra Freitas do Amaral que o levou [a Mário Soares] a Belém; a minha presença muito ativa em todo o período de oposição ao cavaquismo entre 1986 e 1985; no Parlamento a partir de 1991; os Estados Gerais; a vitória de António Guterres e do PS em 1995; a participação de que muito me orgulho como ministro nestes governos entre 1995 e 2001 e a “e extraordinária” escolha de que fui alvo para Secretário-Geral em 2002; as derrotas e vitórias até 2015, quando fui eleito Presidente da Assembleia da República em voto secreto e até 2022. E evidentemente o papel central, fundamental e imprescindível do PS na construção do Estado de Direito e do Portugal europeu. Quem foram/são para si as maiores referências ou as referências fundamentais do PS, que mais o influenciaram ou inspiraram? Posso falar de todos os Secretários-Gerais com simpatia, mas salientava cinco deles: Mário Soares, Vítor Constâncio, Jorge Sampaio, António Guterres e António Costa. São pessoas muito diferentes umas das outras. Os que estão vivos, cada um ao seu nível, continuam a dar o seu contributo forte, sobretudo António Costa. * * *
“Os partidos nascem, vivem e morrem. Para que continuem a viver é muito importante que em Portugal haja um autêntico sobressalto democrático.” * * * Mário Soares é a personagem central da construção do Partido Socialista e da sua afirmação autónoma. Vítor Constâncio deu um contributo grande naquela altura para uma certa modernização programática e das ideias orgânicas e organizativas do PS, e Jorge Sampaio foi um combatente e uma pessoa que teve um papel essencial também na edificação do Estado de Direito em Portugal, tal qual o conhecemos. António Guterres levou-nos a grandes vitórias, a uma vitória eleitoral de que o PS já estava arredado há muitos anos e isso permitiu que o PS voltasse ao Governo durante vários anos a seguir a 1995. António Costa é um político genial, não é apenas um tático, é uma pessoa de princípios, com ideias para o futuro e com uma estratégia muito clara para o país. Portanto, cada um na sua época, e de acordo com as suas dificuldades e com as suas vantagens, foram marcos muito importantes na história do Partido Socialista.
Quais as questões mais desafiantes que se colocam ao presente e ao futuro do PS? Como todas as organizações humanas, os partidos nascem, vivem e morrem. Para que continuem a viver é muito importante que em Portugal haja um autêntico sobressalto democrático. Hoje, a principal alternância que se coloca está entre democracia republicana e autoritarismo populista, não é tanto a alternância entre o PS e o PSD. Hoje e amanhã temos de saber honrar o passado e desbravar o futuro sem quaisquer concessões aos neofascistas e àqueles que acham sempre que quanto pior, melhor. * * *
“O grande desafio do futuro é a defesa da democracia, o que se faz apenas conseguindo aprofundá-la.” * * * O socialismo e a social-democracia são história ou resposta para o futuro?
Eu insisto que o grande desafio do futuro é a defesa da democracia, o que se faz apenas conseguindo aprofundá-la. Com uma nova comunicação social onde a desregulação está de mãos dadas com o ataque ao Estado de Direito democrático, com a guerra na Europa a partir de Putin, com o multipluralismo sem multilateralismo, correm-se grandes riscos. Os avanços tecnológicos extraordinários podem potenciar esses riscos ou controlá-los, depende da vontade humana e não da inteligência artificial. A devastação das mudanças climáticas, das guerras sem fins, das armas de destruição massiva nessas guerras, da manipulação da informação e dos “comentadores” pode e deve ser travada, bloqueada e revertida. Hoje na Europa social, democracia e socialismo democrático são sinónimos, - com a exceção portuguesa em que um partido que se chama social-democrata e nada tem que ver com a família social-democrata europeia. Espero que para as minhas netas, netos e bisnetos, PS volte a significar socialismo democrático no quadro do liberalismo antigo. A redistribuição do rendimento pode ser muito interessante, mas como diz a canção de Sérgio Godinho só há liberdade a sério quando houver “a paz, o pão, a educação, a saúde e a habitação” e quando pertencer ao povo o que o povo produzir, mas com uma exigência básica: que ninguém, pessoas ou partidos, poderá em momento nenhum falar em nome do povo. A democracia representativa, plural, pluripartidária, com liberdade de expressão e de votação tem de ser cada vez mais forte e assegurada, com respeito pela divisão de poderes, entre [poder] legislativo, executivo e judicial, e com vitórias dos nossos ideais nas urnas, com participação muito maior nessas votações do que infelizmente neste momento se passa.
|
no. 04 // novembro 2023 Entrevista FUNDAÇÃO RES PUBLICA A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos. fundacaorespublica.pt .
|