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JOSÉ ANTÓNIO VIEIRA DA SILVA Director Executivo da Fundação Res Publica, e atualmente Conselheiro Especial do Comissário Europeu para o Emprego e Direitos Sociais Nicolas Schmit. É licenciado em Economia, no Instituto Superior de Economia. Anteriormente, foi Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (2015/2019 e 2005/2009) e de Economia e Inovação (2009/2011), e Deputado ao Parlamento Português de 2002 a 2005 e de 2011 a 2015. Foi também Palestrante Convidado no Instituto Universitário de Lisboa. ________________________________ |
SUSTENTABILIDADE DA SEGURANÇA SOCIAL* |
RESUMO Este artigo pretende enquadrar o debate sobre a sustentabilidade da Segurança Social nas suas três dimensões fundamentais: a social, a económica e a financeira. Depois de identificar o enorme papel da Segurança Social na redução da pobreza nos idosos identifica uma estabilidade da taxa de substituição das pensões, segundos os indicadores do Eurostat. A avaliação sintética do quadro demográfico que Portugal defronta identifica com clareza alguns dos desafios estratégicos mais relevantes do Sistema de Segurança Social. Por outro é igualmente identificada a fragilidade da proteção social no desemprego, à semelhança do que acontece na generalidade dos países da União Europeia. O impacto da crise assoviada à pandemia do Covid19 é abordado numa tentativa de identificar alguns dos seus potenciais efeitos de medio e longo prazo. São igualmente identificados alguns dos parâmetros que influenciarão a construção de alternativas para a diversificação das fontes de financiamento da segurança social no quadro dos desafios estruturais mais relevantes. ABSTRACT This article intends to frame the debate on the sustainability of Social Security in its three fundamental dimensions: the social, the economic and the financial. After identifying the huge role of Social Security in the reduction of poverty among the elderly, it identifies a stable pension replacement rate, according to Eurostat indicators. The summary evaluation of the demographic framework that Portugal is facing clearly identifies some of the most relevant strategic challenges of the Social Security System. On the other hand, the fragility of social protection in unemployment is also identified, as happens in most European Union countries. The impact of the crisis associated to the Covid19 pandemic is addressed in an attempt to identify some of its potential medium- and long-term effects. Some of the parameters that will influence the construction of alternatives for the diversification of social security financing sources within the framework of the most relevant structural challenges are also identified. |
1. De que falamos quando falamos de sustentabilidade
O debate em torno da chamada sustentabilidade da segurança social, seguramente um dos mais importantes para a nossa sociedade é, frequentemente, ferido por um poderoso efeito redutor.
Não raras vezes esta abordagem não ultrapassa uma dimensão que, sendo importante, não é a única: o equilíbrio da segurança social (S.S.) em termos de contas públicas.
Uma reflexão séria e social e politicamente relevante, obriga-nos a relevar duas questões de enorme impacto. A primeira diz respeito à necessidade de abordar a segurança social integrada, num quadro mais amplo dos sistemas de proteção social ou mesmo do conjunto das políticas públicas que hoje integram o estado social. A segunda impõe uma abordagem da S.S. numa tripla lógica de sustentabilidade - social, económica e financeira.
A sustentabilidade social avalia a adequação das prestações sociais face ao nível das necessidades e face ao nível de expectativa social existente em cada momento. O bem extra social garantido pelos sistemas de S.S. constitui-se em garantia da viabilidade da alocação de recursos a essas prestações do ponto de vista de um consenso social imprescindível.
No entanto, a dimensão dos recursos mobilizados possui limites inevitáveis, quer no impacto na despesa pública, quer no custo associado ao financiamento dos sistemas os quais, em qualquer dos modelos existentes, oneram a criação de riqueza na economia.
2. A sustentabilidade social – balanço em tempo de incertezas
Não é possível avaliar com rigor o presente e o futuro da S.S. sem distinguir aquela que é a sua matriz histórica fundamental, a dimensão contributiva, daquela que é a sua função de reforço dos equilíbrios sociais e, nomeadamente, do combate às situações de pobreza e exclusão social.
A tradição histórica e a evolução recente do mosso modelo de S.S. continua a distinguir progressivamente a proteção social de natureza contributiva, cobrindo as chamadas eventualidades de Desemprego, Velhice, Incapacidade para o trabalho, e parentalidade. A componente de natureza mais redistributiva de combate à pobreza e à exclusão, bem como outras situações de fragilidade social, insere-se em sistemas financiados pelas receitas gerais do Estado ainda que em algumas áreas a dimensão contributiva e não contributiva se combinam em prestações específicas (na velhice, no desemprego…).
As duas dimensões são alvo de uma crescente exigência social e política, particularmente associada a fenómenos como as situações de dependência, de aumento da esperança de vida ou da conciliação da vida familiar e profissional.
A sustentabilidade social da S.S. depende claramente da capacidade de responder de forma eficaz a esta exigência num quadro de equidade e justiça social cada vez mais complexo.
É indiscutível o reconhecimento que, pelo menos em termos relativos, a sociedade portuguesa construiu poderosas respostas a muitos dos problemas sociais identificados.
O sistema de pensões reduziu de forma notável os indicadores de pobreza e desigualdade dos mais velhos.
Segundo os dados do Eurostat, entre 2005 e 2019 o risco de pobreza e exclusão social reduziu-se em Portugal 4.5 pontos percentuais, mas reduziu-se mais de 14 pontos naqueles com mais de 65 anos.
Outra dimensão de elevado reforço nos últimos 15 anos dirigiu-se às prestações de parentalidade revelando a importância da agenda da conciliação vida pessoal e profissional e o desafio demográfico.
Maiores dificuldades revelam-se na proteção ao desemprego. No grupo das pessoas desempregadas a taxa de risco de pobreza monetária atinge em Portugal os 47,5 %, valor idêntico aos da União Europeia e que merece uma séria reflexão.
Como já constatamos em anterior artigo a fragilidade social é uma constante na generalidade dos países da União Europeia.
O quadro seguinte evidencia essa realidade bem como não parece fazer depender a fragilidade social dos desempregados na situação conjuntural nos níveis de desemprego, antes apontando para uma realidade estrutural.
O debate em torno da chamada sustentabilidade da segurança social, seguramente um dos mais importantes para a nossa sociedade é, frequentemente, ferido por um poderoso efeito redutor.
Não raras vezes esta abordagem não ultrapassa uma dimensão que, sendo importante, não é a única: o equilíbrio da segurança social (S.S.) em termos de contas públicas.
Uma reflexão séria e social e politicamente relevante, obriga-nos a relevar duas questões de enorme impacto. A primeira diz respeito à necessidade de abordar a segurança social integrada, num quadro mais amplo dos sistemas de proteção social ou mesmo do conjunto das políticas públicas que hoje integram o estado social. A segunda impõe uma abordagem da S.S. numa tripla lógica de sustentabilidade - social, económica e financeira.
A sustentabilidade social avalia a adequação das prestações sociais face ao nível das necessidades e face ao nível de expectativa social existente em cada momento. O bem extra social garantido pelos sistemas de S.S. constitui-se em garantia da viabilidade da alocação de recursos a essas prestações do ponto de vista de um consenso social imprescindível.
No entanto, a dimensão dos recursos mobilizados possui limites inevitáveis, quer no impacto na despesa pública, quer no custo associado ao financiamento dos sistemas os quais, em qualquer dos modelos existentes, oneram a criação de riqueza na economia.
2. A sustentabilidade social – balanço em tempo de incertezas
Não é possível avaliar com rigor o presente e o futuro da S.S. sem distinguir aquela que é a sua matriz histórica fundamental, a dimensão contributiva, daquela que é a sua função de reforço dos equilíbrios sociais e, nomeadamente, do combate às situações de pobreza e exclusão social.
A tradição histórica e a evolução recente do mosso modelo de S.S. continua a distinguir progressivamente a proteção social de natureza contributiva, cobrindo as chamadas eventualidades de Desemprego, Velhice, Incapacidade para o trabalho, e parentalidade. A componente de natureza mais redistributiva de combate à pobreza e à exclusão, bem como outras situações de fragilidade social, insere-se em sistemas financiados pelas receitas gerais do Estado ainda que em algumas áreas a dimensão contributiva e não contributiva se combinam em prestações específicas (na velhice, no desemprego…).
As duas dimensões são alvo de uma crescente exigência social e política, particularmente associada a fenómenos como as situações de dependência, de aumento da esperança de vida ou da conciliação da vida familiar e profissional.
A sustentabilidade social da S.S. depende claramente da capacidade de responder de forma eficaz a esta exigência num quadro de equidade e justiça social cada vez mais complexo.
É indiscutível o reconhecimento que, pelo menos em termos relativos, a sociedade portuguesa construiu poderosas respostas a muitos dos problemas sociais identificados.
O sistema de pensões reduziu de forma notável os indicadores de pobreza e desigualdade dos mais velhos.
Segundo os dados do Eurostat, entre 2005 e 2019 o risco de pobreza e exclusão social reduziu-se em Portugal 4.5 pontos percentuais, mas reduziu-se mais de 14 pontos naqueles com mais de 65 anos.
Outra dimensão de elevado reforço nos últimos 15 anos dirigiu-se às prestações de parentalidade revelando a importância da agenda da conciliação vida pessoal e profissional e o desafio demográfico.
Maiores dificuldades revelam-se na proteção ao desemprego. No grupo das pessoas desempregadas a taxa de risco de pobreza monetária atinge em Portugal os 47,5 %, valor idêntico aos da União Europeia e que merece uma séria reflexão.
Como já constatamos em anterior artigo a fragilidade social é uma constante na generalidade dos países da União Europeia.
O quadro seguinte evidencia essa realidade bem como não parece fazer depender a fragilidade social dos desempregados na situação conjuntural nos níveis de desemprego, antes apontando para uma realidade estrutural.
Taxa de Pobreza das pessoas desempregadas
Fonte: Eurostat
3. A sustentabilidade económica – do macro ao micro - entre a competitividade e a demografia – a busca mítica do milagre
Do ponto de vista estrutural, e com leves diferenças relativamente aos vários modelos de financiamento, a questão económica fundamental prende-se com uma questão de simples enunciação e difícil resolução. Qual a dimensão possível de alocação de recursos às famílias e aos indivíduos privados de rendimentos próprios que tem de ser suportada pela economia por forma a que, num contexto de integração externa elevada, seja mantida a competitividade e alcançada a sustentabilidade social?
Não parece existir uma resposta simples. Contudo, parece claro que o melhor desempenho social depende de maiores esforços contributivos. E estes naturalmente, dependem de melhores níveis de desempenho económico, concretamente de melhores desempenhos do emprego global.
Neste particular, o desempenho do sistema de emprego num quadro do que poderíamos chamar o “modelo social europeu”, reflete-se a diversos níveis. No nível da taxa de emprego global, no nível global dos rendimentos do trabalho, na facilidade de entrada no mercado de trabalho das jovens gerações e na capacidade de retenção nesse mesmo mercado dos trabalhadores menos jovens.
O investimento na melhoria dos indicadores destas diferentes áreas, não apenas equilibra a sustentabilidade económica dos sistemas de proteção, como faz reduzir as necessidades de financiamento de prestações sociais substitutivas do rendimento do trabalho e melhora a eficácia dos sistemas sociais.
A observação combinada de valores das prestações sociais e de alguns dos seus resultados na União Europeia evidencia a complexidade deste tema, mas permite inferir que existe uma tendência para crescer a alocação com o nível de desenvolvimento económico, ainda que uma leitura mais exigente aconselhasse a consideração das diferenças demográficas e culturais entre as diferentes zonas da União.
Do ponto de vista estrutural, e com leves diferenças relativamente aos vários modelos de financiamento, a questão económica fundamental prende-se com uma questão de simples enunciação e difícil resolução. Qual a dimensão possível de alocação de recursos às famílias e aos indivíduos privados de rendimentos próprios que tem de ser suportada pela economia por forma a que, num contexto de integração externa elevada, seja mantida a competitividade e alcançada a sustentabilidade social?
Não parece existir uma resposta simples. Contudo, parece claro que o melhor desempenho social depende de maiores esforços contributivos. E estes naturalmente, dependem de melhores níveis de desempenho económico, concretamente de melhores desempenhos do emprego global.
Neste particular, o desempenho do sistema de emprego num quadro do que poderíamos chamar o “modelo social europeu”, reflete-se a diversos níveis. No nível da taxa de emprego global, no nível global dos rendimentos do trabalho, na facilidade de entrada no mercado de trabalho das jovens gerações e na capacidade de retenção nesse mesmo mercado dos trabalhadores menos jovens.
O investimento na melhoria dos indicadores destas diferentes áreas, não apenas equilibra a sustentabilidade económica dos sistemas de proteção, como faz reduzir as necessidades de financiamento de prestações sociais substitutivas do rendimento do trabalho e melhora a eficácia dos sistemas sociais.
A observação combinada de valores das prestações sociais e de alguns dos seus resultados na União Europeia evidencia a complexidade deste tema, mas permite inferir que existe uma tendência para crescer a alocação com o nível de desenvolvimento económico, ainda que uma leitura mais exigente aconselhasse a consideração das diferenças demográficas e culturais entre as diferentes zonas da União.
Quadro 1: Proteção Social na União Europeia
Fonte: Eurostat (ano mais recente disponível) (1)
4. O sistema de segurança social público e o equilíbrio financeiro – da crueza dos números à diversificação realista
A evolução da Segurança Social em Portugal nas últimas décadas evidencia-nos alguns pontos de enorme relevância:
a. A Sustentabilidade e a Demografia
É fundamentalmente o impacto da mudança demográfica que tem levado a um debate prolongado na sociedade portuguesa, pelo menos desde a elaboração do Livro Branco da Segurança Social, coordenado pelo prof. Correia de Campos ainda nos anos 90.
O que parece indiscutível é o facto da superior complexidade no enquadramento demográfico que hoje defrontamos relativamente à situação do final do século passado.
Dados recentes do Instituto Nacional de Estatística mostram claramente como o chamado duplo envelhecimento marca a dinâmica, presente e previsível, da estrutura demográfica portuguesa.
Seguindo tendências estruturais de natureza civilizacional três movimentos determinam essa dinâmica:
A evolução da Segurança Social em Portugal nas últimas décadas evidencia-nos alguns pontos de enorme relevância:
- Em primeiro lugar, a conhecida, mas nem sempre considerada, enorme dependência dos equilíbrios financeiros do setor face à evolução conjuntural. A significativa degradação destes valores durante as crises de 2009 a 2014 é muito clara, nomeadamente no confronto entre a rigidez da despesa e a dependência da receita da economia e do emprego. A notável recuperação da receita e dos saldos até 2019 confirma esta mesma relação.
- Em segundo lugar, o claro desafio estrutural associado à evolução demográfica que, ainda que minimizado pelas reformas levadas a cabo neste século, obriga a considerar o aparecimento de desequilíbrios estruturais num futuro não muito distante.
- Em terceiro lugar, a existência de um processo de amadurecimento do sistema que desempenha um papel positivo na sustentabilidade social do ajuste demográfico que continuará a marcar o setor.
- Em quarto lugar, a consideração da existência de uma tensão orçamental específica associada à longa sobrevivência da despesa inerente à Caixa Geral de Aposentações. Não tendo sido criada num verdadeiro modelo contributivo, está perto de esgotar a correção de assimetrias que existiam do lado das prestações e do acesso à reforma, e constituirá uma despesa pública sem compensação durante algumas décadas.
a. A Sustentabilidade e a Demografia
É fundamentalmente o impacto da mudança demográfica que tem levado a um debate prolongado na sociedade portuguesa, pelo menos desde a elaboração do Livro Branco da Segurança Social, coordenado pelo prof. Correia de Campos ainda nos anos 90.
O que parece indiscutível é o facto da superior complexidade no enquadramento demográfico que hoje defrontamos relativamente à situação do final do século passado.
Dados recentes do Instituto Nacional de Estatística mostram claramente como o chamado duplo envelhecimento marca a dinâmica, presente e previsível, da estrutura demográfica portuguesa.
Seguindo tendências estruturais de natureza civilizacional três movimentos determinam essa dinâmica:
- Um aumento continuado da esperança de vida e, em particular, da esperança de vida aos 65 anos (idade tradicional da idade legal de reforma durante longos anos);
- Uma contração continuada dos níveis de natalidade, especialmente explicados pelo adiamento do nascimento dos primeiros filhos;
- Uma reduzida ou negativa contribuição dos movimentos migratórios para o crescimento populacional.
Os dados mais recentes do INE mostram que, em vinte anos, a esperança de vida aos 65 anos cresceu cerca de três anos.
No que respeita à natalidade, Portugal acentuou a queda estrutural que marcou o século passado. E acentuou de forma intensa: dos cerca de 113 mil nascimentos anuais médios da última década do século XX passámos para 106 na década seguinte e para 87 mil na última década.
A queda muito expressiva da natalidade recente e a inversão dos saldos migratórios que marcaram as crises da viragem da primeira década provocaram uma forte correção às estimativas de equilíbrio demográfico para as próximas décadas.
A dimensão dessa mudança é bem expressa nas estimativas para a população portuguesa a meio do século XXI elaboradas pela Comissão Europeia no Ageing Report. Em 2009 esse exercício estimava uma população de 11,4 milhões em 2050 enquanto o relatório de 2021 faz cair esse valor para 9,4 milhões.
Foi a perceção das consequências para a Segurança Social das tendências demográficas que levou a que no programa eleitoral de 2005 do Partido Socialista tenha sido destacada a dimensão da sustentabilidade e assumido o compromisso de introduzir mudanças relevantes. “Neste quadro, é condição essencial que a idade de reforma vá acompanhando a evolução da esperança média de vida;”
A reforma de 2006 integra esta preocupação nomeadamente com a criação do Fator de Sustentabilidade com o objetivo de fazer evoluir a idade de reforma com pensão completa em linha com o aumento da esperança de vida.
b. A Diversificação do Financiamento
Ultrapassada, segundo creio, a polémica sobre a criação, no sistema de pensões, de uma transição do modelo de repartição, como é o nosso, para um modelo de capitalização ou mesmo para um modelo misto, é a questão da diversificação das fontes de financiamento que tem vindo a ganhar centralidade no debate.(2)
Uma das alternativas mais defendidas, em diferentes setores da sociedade portuguesa, prende-se com a “libertação” do modelo de financiamento da lógica de associação dominante aos rendimentos do trabalho. Primeiro, com a introdução duma ligação ao Valor Acrescentado Bruto (VAB) criado pelas empresas, depois com a consideração do conceito do Valor Acrescentado Líquido (VAL) assumindo a crítica de que taxar o VAB corresponderia a penalizar os setores mais dinâmicos e inovadores da economia.
A primeira questão que se levanta a esta lógica de tributação complementar (salários e VAL) é a de saber se o objetivo é o de diversificar com neutralidade macroeconómica sobre a carga contributiva, ou de alargar a base contributiva.
A primeira hipótese redundaria num alívio da tributação sobre o trabalho, podendo estimular a sua criação. Esta redução seria compensada com o aumento da tributação sobre empresas com maior excedente, já que, de forma simplificada, o VAL mais não é do que a conjugação da remuneração do trabalho e da remuneração do capital.(3)
Parece assim claro, que o desafio estratégico exige algum alargamento da base contributiva, sempre ponderado pela capacidade de recuperar a receita contributiva através da combinação de maior crescimento de salários e emprego, ou seja de maior dinâmica económica sustentada por reforço competitivo e melhoria da produtividade.
Verdadeiramente, a base contributiva alternativa não se afasta muito de uma contribuição dos lucros gerados para a S.S., próximo daquilo que tem vindo a ser feito, ainda que numa lógica distinta, com a consignação de parte do IRC ao sistema previdencial.
A construção de um sistema contributivo alternativo, baseado no VAL, implica uma exigente e complexa construção burocrática e alarga as hipóteses de planeamento contributivo agressivo. A ser experimentada exigiria um período considerável de aplicação simulada por forma a garantir a não existência de efeitos perversos.
Alternativas distintas encontram-se na afetação ao sistema previdencial de parcelas de outros impostos, como já acontece com o Património e poderá ser explorado em determinados impostos sobre o consumo, ou sobre o rendimento de concessões públicas.
A permanência de uma componente dominante associada aos rendimentos do trabalho afigura-se incontornável, como elemento de segurança e de determinação das condições de acesso à proteção social. No entanto, não é hoje suficiente face aos desafios que encontramos.
A par da diversificação do financiamento, o modo de formação de direitos é essencial para a tripla sustentabilidade.
As reformas introduzidas há 15 anos demonstraram capacidade de ajudar a regular o equilíbrio do sistema.
Muitos acenam com o risco de degradação das prestações substitutivas. No entanto, se como citado, há um problema complexo por resolver no desemprego, os dados empíricos apontam para uma estabilidade real das taxas de substituição nas pensões.
A relação entre últimos salários e primeiras pensões tem-se mantido estável em Portugal na última década, como mostram os dados do Eurostat.
Quadro 2: Taxa de substituição agregada das pensões
Esta evolução estará a ser decerto influenciada pelo crescimento das carreiras médias dos novos pensionistas (cerca de 4 anos numa década), o que se traduz num acréscimo relativo do valor das pensões acima dos 8 pontos percentuais.
Importa, no entanto, relembrar que a transição para a nova fórmula de calculo das pensões (considerando toda a carreira) não está ainda completa e que os períodos de crise que vivemos podem retardar o crescimento das carreiras contributivas.
5. A pandemia e as eventualidades
É hoje claro, que a dimensão do impacto económico e social da pandemia do Covid19 atingiu uma dimensão que exigiu uma mobilização de recursos e uma amplitude de instrumentos, muito para além do que é o padrão de respostas da S.S.
Ainda bem longe da capacidade de avaliar esse impacto, parece claro que essa mobilização produziu resultados bem mais positivos do que era antecipado, contendo a dimensão da crise de forma notável.
Ainda assim, os efeitos no sistema de S.S. foram relevantes. Três dimensões devem ser destacadas:
- A inevitável degradação dos equilíbrios do sistema fruto do acréscimo de despesas contributivas e da quebra de receitas;
- A rapidez com que as receitas correntes da Segurança Social parecem ter recuperado, após os períodos de “congelamento” de boa parte das atividades económicas;
- A dificuldade de adequação de algumas prestações de natureza contributiva (ligadas ao desemprego) cumprirem a sua função estabilizadora, face a disfunções em segmentos específicos do mercado de trabalho.
A reflexão sobre estes temas exige atenção, ponderação e a mobilização urgente do diálogo social, numa lógica de reforço combinado da competitividade da economia sem níveis de desproteção que corroem a credibilidade dos sistemas de S.S..
Do ponto de vista estrutural, nomeadamente nos efeitos de mudanças demográficas, de transições tecnológicas e de organização do trabalho, impõe-se uma reflexão sobre os instrumentos de sustentabilidade que não estamos ainda em condições de desenvolver.
Mais recentemente ganhou enorme dimensão mediática o efeito na idade de reforma da alteração das estimativas de esperança de vida aos 65 anos. O impacto da pandemia nos indicadores de mortalidade dos mais idosos está na base dessa alteração que deverá atingir um recuo de 4 meses na idade de referência para reformas sem penalização. Não sendo fácil, ainda, avaliar a dimensão estratégica dessa mudança, é essencial que ela seja aceite como consequência de um quadro, que sendo excecional, não deixa de produzir efeitos sobre a evolução da despesa previsível do sistema de pensões.
6. A proteção social no estado democrático
A proteção social sai deste processo profundamente traumático, com o reforço da perceção pública da sua centralidade, como componente da coesão das nossas comunidades.
O debate que se lhe seguirá, e que deverá marcar o futuro da União Europeia, ganhará muito em ser participado, informado e orientado no sentido dos compromissos alargados.
Um bom ponto de partida pode ser encontrado no Compromisso Social do Porto, subscrito por todos os parceiros sociais europeus, pelos representantes da sociedade civil e pelos presidentes da Comissão e do Parlamento europeus, onde se lê:
Importa, no entanto, relembrar que a transição para a nova fórmula de calculo das pensões (considerando toda a carreira) não está ainda completa e que os períodos de crise que vivemos podem retardar o crescimento das carreiras contributivas.
5. A pandemia e as eventualidades
É hoje claro, que a dimensão do impacto económico e social da pandemia do Covid19 atingiu uma dimensão que exigiu uma mobilização de recursos e uma amplitude de instrumentos, muito para além do que é o padrão de respostas da S.S.
Ainda bem longe da capacidade de avaliar esse impacto, parece claro que essa mobilização produziu resultados bem mais positivos do que era antecipado, contendo a dimensão da crise de forma notável.
Ainda assim, os efeitos no sistema de S.S. foram relevantes. Três dimensões devem ser destacadas:
- A inevitável degradação dos equilíbrios do sistema fruto do acréscimo de despesas contributivas e da quebra de receitas;
- A rapidez com que as receitas correntes da Segurança Social parecem ter recuperado, após os períodos de “congelamento” de boa parte das atividades económicas;
- A dificuldade de adequação de algumas prestações de natureza contributiva (ligadas ao desemprego) cumprirem a sua função estabilizadora, face a disfunções em segmentos específicos do mercado de trabalho.
A reflexão sobre estes temas exige atenção, ponderação e a mobilização urgente do diálogo social, numa lógica de reforço combinado da competitividade da economia sem níveis de desproteção que corroem a credibilidade dos sistemas de S.S..
Do ponto de vista estrutural, nomeadamente nos efeitos de mudanças demográficas, de transições tecnológicas e de organização do trabalho, impõe-se uma reflexão sobre os instrumentos de sustentabilidade que não estamos ainda em condições de desenvolver.
Mais recentemente ganhou enorme dimensão mediática o efeito na idade de reforma da alteração das estimativas de esperança de vida aos 65 anos. O impacto da pandemia nos indicadores de mortalidade dos mais idosos está na base dessa alteração que deverá atingir um recuo de 4 meses na idade de referência para reformas sem penalização. Não sendo fácil, ainda, avaliar a dimensão estratégica dessa mudança, é essencial que ela seja aceite como consequência de um quadro, que sendo excecional, não deixa de produzir efeitos sobre a evolução da despesa previsível do sistema de pensões.
6. A proteção social no estado democrático
A proteção social sai deste processo profundamente traumático, com o reforço da perceção pública da sua centralidade, como componente da coesão das nossas comunidades.
O debate que se lhe seguirá, e que deverá marcar o futuro da União Europeia, ganhará muito em ser participado, informado e orientado no sentido dos compromissos alargados.
Um bom ponto de partida pode ser encontrado no Compromisso Social do Porto, subscrito por todos os parceiros sociais europeus, pelos representantes da sociedade civil e pelos presidentes da Comissão e do Parlamento europeus, onde se lê:
“adotar medidas que melhorem o funcionamento dos mercados de trabalho, que contribuam para o crescimento económico sustentável e para a competitividade ao nível internacional, que promovam condições de trabalho dignas e salários justos para todos, bem como a integração das mulheres, dos jovens e de pessoas vulneráveis no mercado de trabalho… adotar medidas para reforçar os sistemas nacionais de proteção social, preservando ao mesmo tempo a sua sustentabilidade, de modo a garantir a todos uma vida digna.”
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* Este texto é um desenvolvimento de um artigo do autor na revista Cadernos de Economia 136, Jul/Set 2021
no. 03 // julho 2022
Artigo
FUNDAÇÃO RES PUBLICA
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
fundacaorespublica.pt
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
fundacaorespublica.pt
1. A diversidade ainda existente nos sistemas sociais dos diferentes Estados membros bem como a natureza relativa dos indicadores de pobreza obriga a uma ponderação muito cuidadosa destes dados.
2. Debate interessante é aquele que se prende com a experiência da chamada “capitalização virtual”. O espaço disponível implicou a sua não abordagem.
3. Um dos estudos mais interessantes e fundamentados explorando estas possibilidade encontra-se em Armindo, Silva “O SETOR DOS SERVIÇOS E OS DESAFIOS DA SEGURANÇA SOCIAL”, Confederação de Comercio e Serviços, Lisboa 2017