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ALBERTO ARONS DE CARVALHO
Nasceu em Lisboa em 1949. É um dos fundadores do PS, tendo estado presente em Bad-Munstereifel, na Alemanha, em abril de 1973, na reunião onde a Ação Socialista Portuguesa deu lugar à formação do Partido Socialista. Foi o primeiro líder da Juventude Socialista, organização que fundou logo a seguir ao 25 de Abril. Foi deputado à Assembleia Constituinte e, posteriormente, à Assembleia da República, durante várias legislaturas. Ocupou o cargo de Secretário de Estado da Comunicação Social nos governos liderados por António Guterres. É licenciado em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa e doutorado em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. A sua carreira esteve desde cedo ligada ao jornalismo e à comunicação social. Ainda estudante de Direito, trabalhou como jornalista no República e mais tarde no jornal A Luta, mas acabou por abandonar a profissão para se dedicar à carreira académica.

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“OS NOVOS FENÓMENOS DE POPULISMO PÕEM EM CAUSA OS VALORES ESSENCIAIS DA DEMOCRACIA POLÍTICA”
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Alberto Arons de Carvalho

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Porquê o Partido Socialista?

Eu era de uma família antifascista, o meu pai tinha sido militante clandestino do Partido Comunista e depois exilado político, a minha mãe refugiada judia da Alemanha nazi, portanto tinha antecedentes familiares claramente antifascistas e fui educado e tive toda a perceção da injustiça do regime. Apesar de eu ser claramente contra regime, não apoiava e não gostava das opções ideológicas do Partido Comunista e, portanto, alinhei com o Partido Socialista, simpatizei com o Partido Socialista. Os meus pais conheciam a família de Mário Soares, eu fui colega na primária, Liceu Francês, do João Soares e do Eduardo Ferro Rodrigues… enfim, havia ali uma série de razões que me levaram a optar pelo Partido Socialista dentro do princípio geral de que era a favor de uma democracia política e queria conciliar a democracia política com preocupações sociais, com preocupações de desenvolvimento económico, com a tentativa de haver a maior igualdade possível entre os cidadãos no acesso a direitos sociais e económicos, etc. Este tipo de opções levou-me a optar pelo socialismo democrático.
 
Conte-nos como foi a sua adesão ao PS. Quando e em que circunstâncias?
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Em minha casa tínhamos o hábito de ouvir à noite a BBC em português, e também às vezes a Rádio Voz da Liberdade de Argel. Ouvíamos a leitura de notícias e da imprensa, o que é que a imprensa britânica dizia sobre Portugal, o que era uma forma de ultrapassar a censura. Recordo-me de uma vez, no final de 1968 ou princípio de 69, ouvir a leitura de um artigo do Financial Times em que se dizia que Mário Soares, que tinha regressado do exílio em São Tomé nessa altura, estava a aproximar-se de Marcelo Caetano. Fiquei indignado porque não era essa a versão que eu tinha e a informação que nós tínhamos e na minha ingenuidade resolvi escrever uma carta ao Financial Times a desmentir aquela crónica do correspondente em Lisboa. (Não sei se a carta alguma vez chegou a ser publicada, porque não tinha acesso ao Financial Times). Passados uns dias a minha mãe disse-me que tinha encontrado a Maria Barroso e que lhe tinha contado que eu tinha escrito uma carta ao Financial Times, ela ficou muito satisfeita e disse que eu iria receber num telefonema de um de uma pessoa que ela conhecia, que era o Pedro Coelho, e que me iria fazer um convite. De facto, o Pedro Coelho telefonou-me e disse-me que estavam a criar uma organização de jovens socialistas e queriam que eu aderisse e eu aderi imediatamente à Ação Socialista Portuguesa. 
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“Apesar de eu ser claramente contra regime, não apoiava e não gostava das opções ideológicas do Partido Comunista e, portanto, alinhei com o Partido Socialista, simpatizei com o Partido Socialista.”

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Que memórias guarda da reunião em Bad Munstereifel, na Alemanha, em abril de 1973, onde nasceu o Partido Socialista?

Nós fomos para a Alemanha em dias diferentes e com percursos diferentes. Eu optei por ir por Paris, onde estava o meu pai exilado. Éramos vários representantes dos núcleos da Ação Socialista de Portugal e vários representantes de núcleos de vários pontos da Europa e do Brasil. Eu conhecia praticamente todos aqueles que vinham de Portugal, não conhecia praticamente nenhum, tirando Mário Soares, dos que vieram do estrangeiro e que eu ali vi pela primeira vez. Foi uma experiência muito rica.
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Por via do, digamos, traumatismo pela prisão de Salgado Zenha, de Jaime Gama, o medo do exílio de Mário Soares, dizia-se que se passássemos a partido estaríamos muito mais expostos à polícia política. Portanto, tinha sido decidido pelo núcleo de Lisboa que íamos estar contra a proposta de Mário Soares de fundação do partido. No entanto, a intervenção de Mário Soares foi de tal forma assertiva, convincente… Ele convenceu-nos de que o regime estava no fim, [que existia] descontentamento entre os militares, isolamento internacional, fragilidade nos apoios a Portugal, e que era preciso criar uma alternativa democrática que não fosse o Partido Comunista e provar aos países da Europa Ocidental que o fim do regime não significava obrigatoriamente um regime pró-comunista. Essa argumentação muito entusiástica foi muito convincente e levou-me a mudar de opinião. Houve 20 votos a favor da fundação do partido e sete contra, esses sete eram pessoas que entenderam que a decisão tinha sido tomada em Lisboa e que o mandato era vinculativo e, portanto, votaram contra. Mas de qualquer forma foi uma reunião muito interessante, não apenas por causa dessa perspetiva, muito diferente daquela que eu tinha, mas porque foi muito animadora em relação ao fim do regime, muito enriquecedora em matéria de informação sobre os contactos da Ação Socialista no contexto europeu, e pelo facto de ter conhecido ali uma um conjunto muito vasto de pessoas com diversas experiências.

Conheci ali o Fernando Loureiro, do núcleo de ação socialista na Suíça - ele trabalhava numa empresa na Suíça. A Suíça era na altura era o único país de onde os telefonemas para Portugal não eram feitos através de uma telefonista, eram diretos. E então combinámos que eu como era estudante, tinha uma vida mais livre, podia dispor mais o meu horário, através de palavras cifradas lhe iria relatando, de 15 em 15 dias, as novidades que podia contar. Ele telefonava, não para a minha casa porque tinha medo das escutas, mas para cafés situados perto da minha casa e chamavam-me por um nome que não era o meu e eu ia-lhe contando algumas coisas. Houve uma história, de que eu me arrependo, mas que é também elucidativa, que se passou no dia 24 de abril [de 1974]. Eu já sabia que nessa noite iria haver a tentativa [de golpe militar], mas não sabia como é que havia de contar e tinha medo do que lhe podia dizer. Neste caso era um café na Artilharia 1, perto de onde eu vivia, e ele à hora marcada não telefonou. Passaram cinco minutos e a chamada não chegava e eu sem saber como é que explicava [o que se ia passar] e então resolvi que o melhor era ir-me embora. Ele ligou uns minutos depois e já não me apanhou, mas o que eu não sabia, e lamento-me, é que o Mário Soares nesse dia estava na Alemanha a tentar convencer o Willy Brandt de que o regime estava no fim e de que o golpe estava muito próximo. Acho que o Willy Brandt e os assessores do SPD não estavam muito convencidos disso, mas no dia seguinte acordaram e afinal [Mário Soares] tinha razão, houve um golpe em Lisboa e a democracia estava finalmente a chegar. 
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Na sua opinião, qual foi o contributo mais importante do PS para a democracia portuguesa?

Um dos contributos foi a luta contra o regime e haver uma alternativa consistente ao regime a nível nacional e internacional. Depois, eu creio que foram vários os momentos. Desde logo, os momentos no pós-25 de Abril, a Constituição de 1976 conjuga um regime claramente de democracia política com preocupações sociais, esse é um aspeto fundamental. Depois, o facto do Partido Socialista não ter cedido na defesa de valores democráticos, por exemplo a questão de ter saído do 5º governo provisório quando houve o caso da ocupação do [jornal] República; o facto do Partido Socialista ter lutado contra a unicidade sindical. Esses foram aspetos muito determinantes para a consolidação e para a defesa do regime democrático. Mais tarde, o Serviço Nacional de Saúde, a integração europeia, a adesão à CEE em 1985. Também creio que foi importante ter acabado com o mito de que não havia possíveis entendimentos do PS à esquerda, portanto, a formação da chamada “Geringonça”. Tudo isso são passos muito importantes que o Partido Socialista protagonizou no sentido e da defesa da democracia política.
 
Quais foram os acontecimentos / momentos políticos para si mais marcantes na história do PS?
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Um deles é a fundação do Partido Socialista, de que já falei. Outro foi na estação de Santa Apolónia quando Mário Soares voltou do exílio e assisti as às intervenções da varanda da estação. Eu que sou uma pessoa que me contenho muito e que não sou de chorar de alegria, lembro-me de que não contive as lágrimas, não quando Mário Soares falou, mas quando falou José Magalhães Godinho. Era uma pessoa já de alguma idade, presumo perto dos seus 70 anos, e eu pensei “aqui está uma pessoa que lutou uma vida inteira pela democracia e que finalmente teve sucesso e conseguiu aquilo por que sempre batalhou”. Isso comoveu-me bastante. Não estive em alguns episódios mais tristes, como a ocupação da Assembleia Constituinte pela extrema esquerda. Eu fui deputado à Constituinte até ao momento em que foram aprovados os artigos relativos à comunicação social e depois voltei para o jornalismo, e portanto, não era na altura deputado e falhei esse episódio triste da democracia portuguesa. Recordo-me também de um congresso do PS que coincidia com as eleições em França, de ter chegado a informação de que o candidato socialista Mitterrand tinha ganho. Lembro-me e havia almofadas pelo ar como forma de comemorar a vitória de François Mitterrand. Houve uma série de episódios muito reconfortantes na minha vida política. 
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“[Mário Soares] convenceu-nos de que o regime estava no fim […] e que era preciso criar uma alternativa democrática que não fosse o Partido Comunista e provar aos países da Europa Ocidental que o fim do regime não significava obrigatoriamente um regime pró-comunista.”

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Quem foram/são para si as maiores referências ou as referências fundamentais do PS que mais o influenciaram ou inspiraram?

Obviamente que Mário Soares e Salgado Zenha. Em Salgado Zenha, para além da vida política e do rigor e seriedade que ele imprimia em todo o seu procedimento, há uma coisa que eu não esqueço: quando era estudante, conjuntamente com um amigo meu, o Monteiro Cardoso, fizemos um trabalho para uma cadeira de direito administrativo sobre a liberdade de imprensa. Às tantas começámos a perceber, e o próprio Salgado Zenha nos disse, que o trabalho isso devia ser publicado em livro. Entregámos o trabalho, mas continuamos a trabalhar para fazer um livro que depois publicámos. Não me esqueço que o Salgado Zenha não só arranjou a editora, como permanentemente nos deu mais documentos, emprestou-nos livros, com uma generosidade e uma afabilidade inesquecíveis. Portanto, Mário Soares e Salgado Zenha. Mas também Jorge Sampaio, uma figura marcante; António Guterres, que foi Primeiro-Ministro do governo do qual eu fui Secretário de Estado; Jorge Coelho que foi o primeiro ministro da tutela da comunicação social com quem trabalhei e que foi sempre uma figura marcante do PS e um organizador espantoso da máquina do Partido Socialista, uma figura incontornável. Nos momentos mais recentes, algumas figuras de referência, como o Augusto Santos Silva, de quem fui Secretário-de Estado, e hoje em dia o António Costa, que eu conheço desde muito jovem porque sou amigo da mãe e do padrasto e acompanhei a sua entrada na Juventude Socialista, da qual eu era líder na altura, e todo o seu percurso. 

Falando da Juventude Socialista, que fundou a seguir ao 25 de Abril e da qual foi o primeiro líder, diria que os desafios que hoje se colocam aos jovens são os mesmos de então?
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Quando eu fui dirigente da JS, numa primeira fase, o que estava em causa era a implantação e organização dos jovens socialistas. A Juventude Socialista foi criada a seguir ao 25 de Abril e nos primeiros dois anos o que se tratava era de criar as secções, as federações, implantar a JS, etc. E depois, nós não podíamos ser apenas a ala jovem do Partido Socialista, tínhamos de ter as nossas próprias motivações, as nossas próprias reivindicações, a nossa própria agenda, o nosso próprio programa. 
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“O Partido Socialista tem de ser um partido aberto à sociedade, não pode ser um partido fechado sobre a sua máquina em que não há diálogo com a sociedade civil, não há participação de independentes no espaço de discussão.”

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Os desafios hoje são diferentes dos desafios de então. Na altura um aspeto fundamental era a implantação e a defesa da democracia política. Enfim… hoje em dia esse problema volta um pouco a estar em causa, coisa que há uns anos não estava, graças à desinformação, ao regresso da extrema-direita, ao populismo, às redes sociais, ao fim do monopólio da comunicação social no espaço público. Tudo isso são desafios novos que nos levam a pensar que a democracia não está de novo absolutamente consolidada.

Existirão muitos [problemas dos jovens] que são idênticos aos do meu tempo, mas [existem] problemas novos que têm a ver com questões ecológicas, ambientais com a terceira geração dos Direitos do Homem, com as questões da igualdade de género, com outras questões da defesa das minorias.
 
Quais as questões mais desafiantes que se colocam ao presente e ao futuro do PS?

Problemas de contexto, ou seja, a influência do espaço geoestratégico, do espaço económico internacional nas políticas públicas nacionais é muito maior do que antigamente. Por outro lado, preocupam-me os problemas, ainda por cima como pessoa que está ligada à comunicação social, que têm a ver com o facto dos media tradicionais terem perdido o monopólio do espaço público. Hoje os jornalistas, os órgãos de comunicação social, não têm o monopólio da comunicação e da informação e isso coloca problemas desafiantes sobre o rigor informativo, sobre o que circula no espaço público, a luta contra as fake news, tudo isso são desafios novos. Por outro lado, assistimos em muitos países europeus a um regresso e uma expansão de partidos da extrema-direita e isso não é apenas a memória da Segunda Guerra Mundial, do nazismo alemão, do fascismo italiano ou depois da experiência da Grécia, de Espanha e de Portugal, é também o facto de haver novos fenómenos de populismo e que põem em causa os valores essenciais da democracia política. E depois também há um outro desafio que eu creio que se coloca ao Partido Socialista. O Partido Socialista tem de ser um partido aberto à sociedade, não pode ser um partido fechado sobre a sua máquina em que não há diálogo com a sociedade civil, não há participação de independentes no espaço de discussão. O Partido Socialista tem de estar em permanente debate aberto à sociedade, com participação de pessoas que não estão inscritas e não são militantes, tem de estar aberto a pessoas da nossa área política ideológica que enriqueçam o debate, enriqueçam o espaço público, enriqueçam a nossa oferta ideológica. O partido não pode ficar fechado sobre si próprio, no seu aparelho partidário, sem renovação, sem atualização, sem se questionar permanentemente. Esse é um é um desafio que se coloca a todos os partidos e inevitavelmente a um partido como o Partido Socialista.
 
O socialismo e a social-democracia são história ou resposta para o futuro?

Creio que não [passaram à história]. Ainda hoje vi os resultados de uma sondagem na Grã-Bretanha em que o Labour está com uma vantagem brutal em relação aos Tories, o Partido Conservador. Noutros países a situação não será tão favorável, as sondagens indiciarão uma descida dos partidos da social-democracia ou de intervenção socialista, mas não creio que os valores que os partidos socialistas e social-democratas criaram e disseminaram pelo mundo estejam postos em causa. O que existe são novos contextos económicos, sociais, tecnológicos, à escala internacional, que levam a novos desafios e a um permanente ponderar do contexto económico, político, social, cultural.
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O que tem de haver por parte dos socialistas e dos social-democratas é uma abertura e uma persistente convicção de que têm de estar permanentemente a questionar, a debater, a meditar sobre os novos desafios e sobre a atualização dos valores que nortearam e que criaram os partidos da intervenção socialista. 
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Militantes da Acção Socialista Portuguesa (ASP), reunidos em Congresso na cidade alemã de Bad Munstereifel, no dia 19 de abril de 1973. Por 20 votos a favor e 7 contra, aprovaram a transformação da ASP em Partido Socialista.

Arons de Carvalho está na última fila, em pé [o segundo do lado esquerdo].

Foto cedida pela Fundação Mário Soares.
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​número 04 // novembro 2023
no. 04 // novembro 2023
Entrevista
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A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.


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