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EDITE ESTRELA Nasceu em Belver, Carrazeda de Ansiães, em 1949, é licenciada em Filologia Clássica e mestre em Comunicação Social. Desde sempre eleitora do PS, foi a 6 de outubro de 1980, o dia seguinte às eleições legislativas que deram uma maioria absoluta à AD e a derrota ao PS, que decidiu pedir o cartão de militante. E assim começou a sua vida política no Partido Socialista. Foi deputada à Assembleia da República entre 1988 e 1994, ano em que tomou posse como Presidente da Câmara Municipal de Sintra. Em 2004 foi eleita deputada ao Parlamento Europeu, tendo regressado à Assembleia da República em 2015. Atualmente assume as funções de Vice-Presidente na Assembleia da República. ________________________________ |
TÍTULO“A HISTÓRIA DO PS CONFUNDE-SE COM A HISTÓRIA DO PORTUGAL DEMOCRÁTICO”Porquê o PS?
Em primeiro lugar porque sou uma mulher de esquerda. Desde muito cedo admirei os modelos de governo dos países nórdicos protagonizados por partidos congéneres do Partido Socialista. Depois também por me identificar com a ideologia, com a declaração de princípios e o programa político do PS. Desde criança que me indignava com as desigualdades sociais, com as injustiças, e queria mudar o mundo e mudar o país. Por outro lado, também nunca me identifiquei com extremismos e fundamentalismos e com outros “ismos” que cortavam a liberdade e limitavam os direitos das pessoas. Portanto, o meu porto de abrigo político tinha mesmo de ser o PS. Conte-nos como foi a sua adesão ao PS. Quando e em que circunstâncias. Eu sempre fui eleitora do PS, nunca pertenci a nenhum outro partido nem movimento político. Fiz campanhas do PS ainda antes de ser militante, mas aderi ao PS em 1980, no dia 6 de outubro, no dia a seguir às eleições legislativas de 5 de outubro em que a AD [Aliança Democrática] obteve uma maioria absoluta e a Frente Republicana e Socialista foi derrotada. Eu tinha feito uma campanha muito ativa e empenhada e até entusiasmada e fiquei muito dececionada com o resultado. Por isso, no dia seguinte às eleições achei que era minha obrigação aderir ao PS. E foi assim que começou a minha vida política no Partido Socialista. Tive como padrinhos, e tenho muito orgulho nisso, a Maria Emília e o José Manuel Consiglieri Pedroso, grandes amigos. Nessa altura entrei logo também para o chamado Grupo do Secretariado, que estava em rutura com a Direção Nacional, e a razão era o apoio à candidatura de Ramalho Eanes e, portanto, frequentei as reuniões no famoso sótão do António Guterres. Na sua opinião, qual foi o contributo mais importante do PS para a democracia portuguesa? Eu costumo dizer que a história do PS se confunde com a história do Portugal democrático e é verdade que nos últimos cinquenta anos o PS foi o partido mais determinante em todas as alterações que ocorreram em Portugal. O combate que Mário Soares travou pela democracia é de facto um marco e isso foi uma iniciativa do Partido Socialista e de Mário Soares que nunca aceitaria que houvesse em Portugal um regime totalitário. A nível interno foram sempre muito empolgantes as vitórias eleitorais que obtivemos com Mário Soares, com António Guterres, com José Sócrates e com António Costa; as duas maiorias absolutas, tivemos também uma maioria absoluta nas eleições europeias com Ferro Rodrigues em 2004, quando eu fui eleita para o Parlamento Europeu. Também podemos dizer que as principais leis do pós-revolução têm a marca do PS. As mulheres devem muito quer a Salgado Zenha, quer a Almeida Santos. Ao Salgado Zanga porque foi ele que negociou a revisão da Concordata com a Santa Sé que passou a permitir o divórcio de casamentos religiosos. Também foi com Zenha que se alterou a legislação permitindo que as mulheres acedessem à carreira da magistratura. Com a Almeida Santos várias leis beneficiando as mulheres… Podemos dizer que com o 25 de Abril a grande revolução foi de facto na condição da mulher. As mulheres até aí eram súbditas dos maridos ou dos pais e passaram a ser cidadãs de pleno direito e isso é uma alteração enorme. E mais recentemente também a Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez, uma iniciativa dos governos socialistas, a lei da paridade que feminizou a vida política, que prestigiou o papel da mulher na sociedade. Outros marcos importantes são a adesão à CEE. Foi uma visão estratégica de Mário Soares, que não foi apoiada por todos e nem sequer foi muito bem compreendida. Ele foi um visionário e uma personalidade extraordinária, com uma enorme coragem e com uma enorme visão política. A adesão ao euro também, no tempo de António Guterres. Também foi o PS, embora tivesse conseguido envolver e mobilizar toda a sociedade, o grande motor da causa de Timor. Também gostaria de referir as presidências portuguesas da União Europeia. Nós falamos muito do que a Europa nos tem dado, e tem sido muito - os fundos comunitários são um contributo inestimável para a consolidação da nossa democracia e para a modernização do país em todas as dimensões - mas nós também demos à Europa e as nossas presidências da União Europeia foram marcantes. A Presidência de 2000, que apresentou a Estratégia de Lisboa, a Presidência de 2007 que aprovou o Tratado de Lisboa e reforçou a cidadania, e agora a Presidência de 2021 que também foi a todos os títulos bem-sucedida, não obstante ainda ser em tempo de pandemia. Destaco a grande Cimeira Social do Porto, que fez toda a diferença a nível da própria União Europeia. Portanto, o PS nestes cinquenta anos foi de facto o grande motor de desenvolvimento do país, da modernização do país, da defesa dos Direitos Humanos e faz jus ao slogan escolhido para as comemorações dos cinquenta anos “Um futuro com passado”. E a ordem dos fatores não é arbitrária, ou seja, vemos ainda mais futuro do que temos de passado, não obstante um passado muito rico e que é reconhecido pelos nossos adversários e reconhecido a nível internacional. * * *
“A democracia é um processo, é de todos os tempos, tal como a liberdade. São valores intemporais mas não adquiridos, que precisamos de ir alimentando, defendendo, aperfeiçoando”. * * * Quais foram os acontecimentos / momentos políticos para si mais marcantes na história do PS?
Obviamente as vitórias. As vitórias de Mário Soares e também de Jorge Sampaio nas Presidenciais foram muito marcantes. Sobretudo a primeira vitória de Mário Soares em que havia mais dois candidatos da esquerda, Maria de Lurdes Pintassilgo e Salgado Zenha, e a direita estava unida em torno da candidatura de Freitas do Amaral. Felizmente Mário Soares ganhou eu lembro-me de ter chorado de alegria porque foi uma grande emoção. Também as vitórias nas legislativas são momentos inesquecíveis, [tal como] os congressos, que são as grandes as reuniões magnas dos socialistas, sempre carregadas de emoção… Enfim, são tantos os momentos em que vibrei, em que me emocionei, em que me senti tão ligada a esta família política, que é difícil selecionar um momento único. A história do PS está intimamente ligada à história da democracia portuguesa e às vezes tenho dificuldade em dissociar quais são os acontecimentos da vida do PS dos acontecimentos da vida nacional, há de facto essa interligação muito íntima. Quem foram/são para si as maiores referências ou as referências fundamentais do PS que mais o influenciaram ou inspiraram? Há muitas personalidades que me marcaram. Tive o privilégio de conhecer figuras inspiradoras que marcaram o século XX e algumas das quais posso dizer que fui amiga. Algumas delas desempenharam com brilhantismo os mais altos cargos da Nação, foram Presidentes da República, Mário Soares e Jorge Sampaio, Primeiros-Ministros, António Guterres, José Sócrates e António Costa, Presidentes da Assembleia da República, Jaime Gama, Almeida Santos, e tantos outros. O António Guterres é uma figura muito inspiradora e uma mais-valia para o país e a quem muito devemos. Também Salgado Zenha de quem já falei. E também não posso deixar de referir uma outra figura que não desempenhou nenhuma função pública especial, o Nuno Brederode dos Santos, que sempre considerei uma figura extraordinária, de uma inteligência, de um brilhantismo… escrevia tão bem, era delicioso poder ouvi-lo e poder lê-lo. Quero destacar uma grande mulher, Maria Barroso. Uma mulher que teve vida própria, não apenas profissional, mas também vida política, o que era muito difícil naquele tempo ainda por cima tendo a sombra do doutor Mário Soares. Contribuiu com o seu pensamento e com a sua ação para melhorar a vida não apenas das mulheres portuguesas mas do país em geral. Estou muito grata a Maria Barroso, que é uma grande referência para mim. Quais as questões mais desafiantes que se colocam ao presente e ao futuro do PS? Ontem, hoje e amanhã, sempre a defesa da democracia. Mas também o combate à pobreza e às desigualdades. E hoje mais do que nunca o combate ao populismo e à desinformação. Nós sabemos que o populismo tem contribuído para o crescimento da extrema direita em vários países europeus e também em Portugal, sabemos que a desinformação tem perturbado atos eleitorais e inclusivamente alterado os resultados eleitorais, portanto a desinformação e o populismo corroem a democracia. A democracia é um processo, é de todos os tempos, tal como a liberdade. São valores intemporais, mas não adquiridos para sempre, que precisamos de ir alimentando, defendendo, aperfeiçoando, aperfeiçoando a qualidade da nossa democracia. Também nos tempos de hoje, o combate às alterações climáticas. Estamos a sofrer cada vez mais, cada vez temos mais catástrofes naturais, mais devastadoras, e mais persistentes. Este combate é um combate para o qual todos estamos convocados e que tem de ser levado com seriedade. Não posso deixar de enfatizar o papel que António Guterres tem desempenhado para levar o mundo para este combate que é o combate urgente e determinante, que não consente adiamentos. O socialismo e a social-democracia são história ou resposta para o futuro? Mais uma vez eu referiria o slogan dos 50 anos do PS, ou seja, a social-democracia ou socialismo democrático tem futuro e tem passado. O passado fala por si, é conhecido, e todas as grandes marcas civilizacionais, todas as conquistas no que diz respeito às liberdades e às garantias, no que diz respeito à democracia e ao próprio desenvolvimento, ao Estado social, tudo isso tem a marca da social-democracia europeia e da social-democracia portuguesa, ou seja, do Partido Socialista. Em relação ao futuro, mais uma vez também, basta pensar nas respostas que foram dadas às recentes crises do século XXI: na resposta que a Europa deu à crise financeira, então liderada por uma maioria de direita no Conselho, na Comissão Europeia e no Parlamento Europeu, a receita que encontrou foi a austeridade. A austeridade com os resultados que nós conhecemos. A Europa ficou mais desigual, mais pobre e o mesmo aconteceu em Portugal. Depois, com António Costa, virámos a página da austeridade e conseguimos não deixar ninguém para trás. Os apoios aos mais carenciados, aos mais desfavorecidos foram disponibilizados com contas certas, tanto que conseguimos reduzir o déficit e reduzir a dívida pública; tivemos no final de 2019 um superavit que nos foi muito vantajoso quando surgiu a pandemia e para dar resposta às primeiras necessidades antes de a Europa tomar a decisão que se impunha e que tomou. Acho que a Europa esteve à altura do desafio e conseguiu estar unida na tomada de decisão, conseguiu em tempo útil decidir o que era preciso fazer quer na aquisição das vacinas, quer depois na disponibilização dos recursos financeiros para acorrer às empresas e às famílias. Depois de tudo isso veio a invasão da Ucrânia pela Rússia e os efeitos nefastos dessa guerra, designadamente o aumento do custo de vida, o aumento do custo da energia que depois se reflete nos bens alimentares e em tudo mais e também a inflação elevadíssima como há muito não se via. * * *
“Podemos dizer que com o 25 de Abril a grande revolução foi de facto na condição da mulher. As mulheres até aí eram súbditas dos maridos ou dos pais e passaram a ser cidadãs de pleno direito e isso é uma alteração enorme.” * * * Felizmente todos os indicadores reconhecem o sucesso das políticas adotadas pelos governos de António Costa, quer no combate à pandemia, quer também agora para mitigar os efeitos da guerra na Ucrânia. Crescimento económico acima da média europeia, baixa taxa de desemprego, inferior à média europeia, exportações em alta, atração de investimentos estrangeiro, e tudo isto com o aumento dos apoios sociais, às famílias, às pessoas, também às empresas, aumento das pensões, investimento no Serviço Nacional de Saúde e na escola pública, soluções para a redução da tarifa da energia, mais recentemente o IVA zero para bens alimentares. Claro que a economia é importante, sem ela não há criação de emprego, não há bem-estar e não há dividendos para se poder distribuir pelas pessoas que mais necessitam, mas a economia tem de estar ao serviço das pessoas, as pessoas estão em primeiro lugar.
Gostaria também de sublinhar que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa reconheceu o grande peso político que António Costa tem na Europa, e eu também sou testemunha disso. A marca Portugal é uma marca prestigiada a nível internacional e isso deve-se muito também a António Costa, ele é uma voz audível e respeitada que tem contribuído para influenciar as políticas europeias de que resultam benefícios para a Europa e para Portugal, portanto todos os cidadãos disso beneficiam. António Costa é sem dúvida uma mais-valia para o PS e sobretudo para o país. Concluindo, sim! O socialismo democrático e a social democracia tem passado e tem um grande futuro. E mais do que nunca é necessário que tenha força porque neste mundo de grandes incertezas e de enormes desafios precisamos de quem nos dê garantias de conseguir conciliar desenvolvimento económico com Estado social para que, de facto, ninguém fique para trás.
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no. 04 // novembro 2023 Entrevista download PDF FUNDAÇÃO RES PUBLICA A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos. fundacaorespublica.pt Destaque
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