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MARGARIDA MARQUES Desde julho de 2019 é deputada ao Parlamento Europeu, instituição onde é Vice-Presidente da Comissão dos Orçamentos e membro da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários e da Comissão do Comércio Internacional. É ainda membro da Delegação para as Relações com a República Popular da China, da Delegação da Assembleia Parlamentar da União para o Mediterrâneo e da Delegação para as Relações com os Países do Magrebe. Anteriormente, na Assembleia da República, foi Vice-Presidente da Comissão dos Assuntos Europeus, membro da Comissão de Orçamento e Modernização Administrativa e membro da Comissão Eventual de Acompanhamento das Negociações do Quadro Financeiro Plurianual. Entre 2015 e 2017, foi Secretária de Estado dos Assuntos Europeus no XXI Governo Constitucional. Foi funcionária da Comissão Europeia entre 1991 e 2015 e Chefe da Representação da Comissão Europeia em Portugal entre 2005 e 2011. Anteriormente, desempenhou diversos cargos na Administração Pública Portuguesa. Licenciada em Matemática pela Faculdade de Ciências de Lisboa e com um Mestrado em Educação pela Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa, Margarida Marques foi ainda docente em diversos estabelecimentos de ensino superior, nomeadamente no ISCTE. ________________________________ |
SOLIDARIEDADE EUROPEIA |
RESUMO Este artigo explora o processo negocial na União Europeia e como se alcançou o acordo histórico do pacote de Recuperação Económica e Social europeu. Resposta assente na solidariedade europeia, cumprindo a UE o seu lema “Unida na diversidade” e, desta vez, unida perante a adversidade. Resposta que difere significativamente da resposta à crise de 2011. Assenta na mutualização de dívida e na emissão de eurobonds para a criação do Fundo de Recuperação (Next Generation EU), a primeira vez com esta dimensão na história da UE: 1800 mil milhões de euros (1050 do Orçamento da UE; 750 mil milhões do Fundo de Recuperação) ABSTRACT This article explores the negotiation process in the European Union that led up to the historic agreement on the European Social and Economic Recovery Package. This agreement relies on the European solidarity and the EU not only fulfilled its motto “united in diversity “but this time around the Union was also united in the face of adversity. This time, the European answer was quite different from the one given in 2011 crisis. It is based in a jointly issued debt and in the emission of Eurobonds to finance and create the Recovery Fund (Next Generation EU). For the first time in the EU’s history there is a fund with this dimension: 1800 billion euros (1050 Multiannual Financial Framework and 750 billion from Recovery Fund) which is the largest stimulus package ever financed through the EU budget. |
Em julho, ao fim de cinco dias e quatro noites consecutivas de reunião, o Conselho Europeu chegou a um acordo para uma resposta europeia à crise. Os europeus perceberam que desta vez a União Europeia os protegia e estava disposta a mobilizar o financiamento necessário para apoiar as pessoas, as empresas e os Estados-membros. O Conselho Europeu respondeu a exigências do Parlamento Europeu como a criação de um Fundo de Recuperação, sendo que esse fundo deveria ser constituído mais por transferências do que por empréstimos. E deveria ainda ser distribuído pelos Estados-membros de acordo com um conjunto de critérios macroeconómicos relacionados com o impacto da crise nas economias.
A resposta europeia à crise beneficiaria assim de um Fundo de Recuperação e do Orçamento Plurianual da UE (QFP 2021/2027) onde está ancorado este Fundo de Recuperação. De imediato o Parlamento Europeu mobilizou todos os esforços necessários para que atempadamente essa resposta pudesse ser construída. Aprovou a sua posição (necessária) sobre a possibilidade de criação do Fundo (viabilizando o aumento da percentagem máxima de recursos próprios) para que a Comissão Europeia pudesse emitir divida para a criação do Fundo.
Iniciou um processo de negociação com o Conselho sobre o Orçamento Plurianual para construir um acordo político que permitisse ao Conselho aprovar o QFP 2021/2027, fundamental não só para aprovar, desde logo, o orçamento da UE, mas também para criar as garantias necessárias à constituição do Fundo.
Uma negociação longa e difícil que exigiu muitas reuniões, muito trabalho de equipa, muito trabalho de bastidores. Houve avanços e recuos, houve esperança e desalento, mas no final o Parlamento Europeu conseguiu uma vitoria histórica. Ao longo destes meses, os deputados europeus nunca baixaram os braços. Como co-relatora para o QFP 2021-2027, sou testemunha do enorme trabalho que eu e os meus colegas da equipa de negociação levámos a cabo e das conquistas que alcançámos.
Pela primeira vez o Parlamento Europeu conseguiu aumentar o orçamento da UE que tinha sido acordado no Conselho Europeu. O Fundo de Recuperação, no valor de 750 mil milhões de euros, é criado, mas não à custa de um orçamento plurianual mais fraco. O PE tinha como prioridade aumentar o montante global do QFP de 1074 mil milhões de euros. Alcançámos um orçamento de 1085 mil milhões de euros, maior do que o atual para o período 2014/2020. Conseguimos um aumento de 11 mil milhões de euros em dinheiro novo, para além de outros arranjos orçamentais que efetivamente aumentam o financiamento dos programas europeus em 16 mil milhões de euros.
Este resultado da negociação permitiu-nos assim aumentar os envelopes financeiros de programas europeus essenciais para o futuro da UE e para a sua ação política. O programa saúde (EU4Health) viu o seu orçamento triplicado. O programa de investigação (Horizonte Europa) aumentou 4 mil milhões. O Erasmus em 2.2 mil milhões. O programa Direitos e Valores em 0.8 mil milhões, num momento em que valores europeus são postos em causa por movimentos radicais extremistas e antidemocráticos. O programa Europa Criativa em 0.6 mil milhões, sendo que o setor da cultura tem sido particularmente fustigado por esta crise. O programa Investe EU em mil milhões, um programa que se destina ao investimento e à criação de emprego. O programa que apoia a proteção das Fronteiras Externas da UE e a integração de imigrantes em 1.5 mil milhões. O fundo para a Vizinhança, Desenvolvimento e Cooperação Internacional (NDICI) em mil milhões. O pilar Ajuda Humanitária em 0.5 mil milhões de euros.
Conseguimos assim um financiamento acrescido para valorizar as prioridades políticas de longo prazo da UE que trazem um maior valor acrescentado europeu e que perdurarão mesmo depois da crise. Este reforço orçamental é dinheiro novo. Não envolverá assim qualquer despesa adicional para os Estados-membros, uma vez que o respetivo montante será coberto pelos recursos gerados pelas multas aplicadas normalmente a estratégias empresariais que não respeitem as regras da concorrência europeia.
Acordámos a introdução do princípio do financiamento do orçamento da UE por novos recursos próprios. O Parlamento Europeu negociou o princípio e um calendário para a entrada em vigor de Novos Recursos Próprios para financiar o orçamento da UE. Ao fim de 32 anos teremos novas fontes de financiamento na União. Estes novos recursos próprios devem ser servir pelo menos, para já, para financiar o Fundo de Recuperação - capital e juros - e deverão ser aprovados nos próximos 5 anos, até 2026, a tempo do início do reembolso do Fundo de Recuperação. Têm caráter europeu e estão alinhados com as prioridades politicas da União: a transição verde (regime de comércio de licenças de emissão) e digital (taxa sobre as grandes empresas do digital) e maior justiça fiscal e social através do combate à fraude evasão fiscal (imposto sobre as transações financeiras) e limitar as distorções da concorrência internacional (mecanismo de ajustamento das emissões de carbono nas fronteiras).
Numa segunda fase, passando estes novos recursos a integrar o orçamento da União, temos a oportunidade de eliminar a dependência do orçamento europeu de contribuições nacionais - dois terços das receitas - e passar a discutir a mais valia das políticas europeias.
Esta nova realidade pode representar um ponto de partida para modificar a estrutura de financiamento do orçamento da UE. E modificar assim substancialmente o debate político que ocorre todos os sete anos sobre o orçamento da, em que cada país verbaliza a sua contribuição para o orçamento da UE, mas não as vantagens que decorrem da sua pertença à UE.
Pela primeira vez haverá uma linha orçamental divida, correspondente aos custos da criação do Fundo de Recuperação. É uma primeira vez; uma inovação a que talvez se venha a recorrer em futuros próximos, desde já se a dimensão do impacto desta crise a isso obrigar.
Assegurámos que os custos da criação do Fundo não serão pagos à custa das politicas europeias como a Politica de Coesão ou a Politica Agrícola Comum (PAC). Com o comportamento atual dos mercados, o orçamento previsto para este efeito é manifestamente suficiente, mas o Parlamento Europeu não podia correr o risco que eventuais perturbações dos mercados levassem à solução mais fácil, ou seja recorrer às politicas mais substanciais da UE. E esse princípio ficou consagrado.
Reforçámos os poderes do Parlamento Europeu no que diz respeito ao Fundo de Recuperação. De acordo com os Tratados, o Parlamento Europeu é autoridade orçamental em matéria de despesa. Não tem os mesmos poderes em matéria de receita. Era uma ambição do PE estar envolvido nas operações relativas ao Fundo de Recuperação enquanto autoridade orçamental europeia. O Parlamento acordou um mecanismo de informação e consulta em operações de contração e concessão de empréstimos, por exemplo, o que assegura uma maior transparência e responsabilidade democrática ao sistema.
Para além disso fixámos objetivos políticos em matéria de clima - 30% do Orçamento da UE e do Fundo de Recuperação devem ser orientados para os objetivos climáticos- e 10% para a Biodiversidade - na igualdade de género e na realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.
Mas sabemos que não basta fixar objetivos para ficarmos descansados. Por isso, exigimos que a Comissão Europeia implemente processos de monitorização progressiva para que quando chegarmos ao fim do período orçamental, 2027, esses objetivos estejam efetivamente cumpridos.
Ao fim de longas e difíceis negociações o acordo político foi conseguido entre o Conselho e o Parlamento Europeu (10 de novembro). Em circunstâncias politicas normais, uma vez conseguido o acordo político passar-se-ia rapidamente à aprovação do Orçamento Plurianual. Mas não. Havia um elefante na sala: o Mecanismo Estado de Direito. O Estado de Direito, a democracia, são valores fundamentais da UE; todos os países para se tornarem membros da UE sabem que têm de respeitar este princípio. O Parlamento Europeu, preocupado com derivas totalitárias em países da UE como a Polónia ou a Hungria, tem vindo a expressar a necessidade de dispor de instrumentos mais robustos para obrigar ao respeito do Estado de Direito por todos os Estados-membros da UE. E, há já vários anos, que tem exigido a ligação do Estado Direito ao acesso ao orçamento da UE. De facto, não podemos aceitar que a contribuição dos cidadãos europeus para o orçamento da UE seja usada contra os valores e princípios da UE e não para os promover.
Perante os acordos políticos entre o Parlamento Europeu e o Conselho sobre o Orçamento Plurianual da UE 2021/2027 e sobre a criação de um mecanismo de acompanhamento do respeito do Estado de Direito, tendo obviamente como destinatários os 27 Estados membros da UE, a Polonia e a Hungria decidiram bloquear a resposta europeia à crise.
Só agora, um mês depois, o Conselho Europeu de 10/11 de dezembro conseguiu desbloquear a situação com a ameaça de criar um Fundo a 25, caso a Polónia e a Hungria mantivessem a sua posição de bloqueio. Os cidadãos europeus, que em Julho perceberam que nesta crise iria haver uma robusta resposta europeia, não entendiam que essa resposta não chegasse.
Agora, o Parlamento Europeu terá de dar o seu consentimento ao Orçamento da UE para os próximos sete anos. Irá faze-lo no dia 16 de dezembro.
Falta apenas os Parlamentos Nacionais ratificarem um dos pilares que lhes compete. Não se compreenderia que fosse criado um fundo com a dimensão do Fundo de Recuperação sem que os Parlamentos Nacionais se pronunciassem. Esperamos que esta resposta possa chegar na Primavera.
Uma resposta solidária
Como referi, este foi um processo longo e complexo, profundamente democrático e no respeito do funcionamento normal das instituições europeias. Foi mais longo do que queríamos e mais difícil do que esperávamos, mas chegou a bom termo. Mas não podemos esquecer que meses antes do acordo agora alcançado, foi necessária uma resposta imediata para salvar vidas, apoiar empresas e apoiar os Estados. Será, por isso, importante recordar o percurso feito.
A forma como as duas vagas da pandemia da Covid19 tem atingido as pessoas e a economia a nível global tem sido devastadora. Os cidadãos viram a sua mobilidade afetada e as cadeias de valor estratégico e o mercado interno foram fortemente afetados. O impacto no emprego foi fortíssimo. A capacidade de laboração das empresas ficou diminuída e muitas encerraram temporária ou definitivamente, levando a inúmeras situações de desemprego ou de layoff.
A UE não poderia deixar de dar uma resposta a curto prazo. Provavelmente todos quisemos que tivesse sido ainda mais rápida do que na realidade foi, mas o que é certo é que os cidadãos, as economias e os Estados tiveram apoios para as situações prioritárias. A médio e a longo prazo foi lançado o Fundo de Recuperação. Como referi, trata-se de um Fundo que será repartido pelos 27 Estados-membros, tendo em conta diversos critérios como a sua situação económica e o impacto que a pandemia teve no país. A repartição dos valores será concretizada através de 390 milhões de euros em transferências e de 360 mil milhões em empréstimos. Estamos a falar de uma verdadeira mutualização de dívida a proteger os países.
Não temos dúvidas de que se trata de uma resposta bem diferente daquela que recebemos aquando da crise financeira de 2007/2008. Na altura, os Estados-membros viram-se obrigados a ir por sua conta e risco aos mercados financeiros. Os mercados registaram quedas enormes e as bolsas não resistiram. Cúmplices do colapso, as agências de rating ajudaram ao aprofundar da crise em Portugal. O impacto para os portugueses e para o país foi brutal: no orçamento, na redução de direitos sociais, salários, pensões, emprego, e na capacidade de resposta dos serviços públicos. Só em 2015 é que a situação se começaria a inverter.
A nível europeu, a crise de 2007 e 2008 acentuou desigualdades entre os Estados-membros e acentuou enormes desequilíbrios no funcionamento do Mercado Interno. Agora a situação é bem diversa.
O facto de ser a Comissão Europeia a ir aos mercados proporciona aos países uma rede de segurança, protegendo-os das investidas dos mercados financeiros e das agências de rating. Uma segurança só possível graças a um dos valores fundadores da União Europeia, a solidariedade.
Salvar vidas e apoiar os países
Num primeiro tempo, esta mesma solidariedade permitiu responder aos objetivos prioritários: salvar vidas e apoiar os Estados-membros com políticas de apoio às empresas, ao emprego, à continuidade da educação e ao sistema público de saúde.
Foram tomadas decisões em tempo record e foram centenas as medidas adotadas para gerir a crise económico e sanitária. Desde o auxílio de emergência a nível médico até ao apoio prestado a empresas dos mais diversos setores, passando pela abertura de corredores verdes. Nem sempre foi fácil uma vez que nem todos os Estados-membros seguiram de forma coerente as orientações acordadas. Foi o que aconteceu, por exemplo, na mobilidade dos cidadãos no interior da UE, designadamente no espaço Schengen.
Pontes aéreas humanitárias que permitiram o repatriamento urgente de mais de 600 mil europeus retidos fora do território da UE ao mesmo tempo que se encerraram temporariamente, por razões de saúde pública, as fronteiras para viagens não essenciais. Foram criados Corredores Verdes para assegurar a livre circulação de trabalhadores considerados essenciais e o transporte rápido de bens de primeira necessidade.
Os Estados-membros puderam adquirir, em conjunto, medicamentos, ventiladores e equipamentos de proteção e puderam importar equipamentos a preços mais reduzidos com a suspensão temporária de direitos aduaneiros. Foram ainda criadas reservas estratégicas de equipamentos e possibilitou-se a transferência de doentes e transporte de pessoal e equipamentos médicos entre Estados membros.
Disponibilizaram-se recursos adicionais para projetos de investigação de combate à pandemia e iniciaram-se negociações a preços justos com possíveis produtores de vacinas, tendo até ao momento, a Comissão Europeia já aprovado seis contratos. Uma Conferência de Doadores, impulsionada pela Comissão Europeia, juntou ainda quase 16 mil milhões de euros para um fundo destinado a financiar vacinas, tratamentos e diagnósticos de Covid 19.
As instituições europeias perceberam, no entanto, que estas medidas seriam insuficientes no campo sanitário. Seria preciso um programa forte para reagir a novas crises e investir no reforço e resiliência dos sistemas de saúde. Nascia assim o EU4Health, o programa da União para a Saúde.
Depois da Comissão e do Parlamento Europeu terem proposto 9,4 mil milhões de euros até 2027 para dotação do programa, o Conselho Europeu de julho viria a propor um valor de 1. 7 mil milhões de euros. Hoje, vários meses depois, graças à enorme pressão Parlamento Europeu com o apoio da Comissão Europeia e Conselho da EU, conseguimos triplicar esse valor para os 5. 1 milhões de euros. Só um enorme reforço orçamental poderá viabilizar reservas de medicamentos e procura de vacinas e dispositivos médicos a preços acessíveis, disponibilidade e mobilização de profissionais de saúde, prevenção de doenças e promoção de saúde, investigação farmacêutica e acesso a cuidados médicos para os mais vulneráveis.
Cremos, no entanto, que este programa, o EU4Health, poderá abrir caminho para a criação de uma União para a Saúde. Defendemo-lo há muito porque a racionalização e a eficácia da UE é superior à capacidade de ação e de resposta de cada país, individualmente, na saúde, na investigação, na procura de vacinas e de tratamentos ou na inovação tecnológica dos equipamentos. Só assim será possível uma estratégia europeia coordenada e solidária capaz de antecipar e decidir rapidamente, e em conjunto, as medidas para responder de saúde pública dos cidadãos. Só assim será possível reforçar a capacidade de ação da UE junto de outros parceiros, de países terceiros ou nas organizações internacionais.
Apoiar o emprego e a economia
Mas se o objetivo prioritário era o de salvar vidas, era igualmente necessário dedicar atenção a outro setor profundamente afetado; as PME’s, pilar essencial da economia europeia. A resposta imediata veio através de dois pacotes medidas, a “Iniciativa de investimento para responder ao Coronavírus (CRII)” e, posteriormente, a “Iniciativa de Investimento para Responder ao Coronavírus Plus’’ (CRII +).
Mas fez-me mais. Os fundos estruturais viram o seu âmbito de aplicação alargado, proporcionou-se liquidez imediata e as alterações dos programas europeus e nacionais financiados por fundos europeus e a aplicação das regras da UE relativas às despesas foram claramente flexibilizadas. Deu-se luz verde à transferência entre os três fundos da política de coesão e entre as várias categorias de regiões. Tudo somado, esta flexibilização dos fundos estruturais, uma iniciativa da Comissária Elisa Ferreira, permitiu a colocação na economia europeia de cerca de 70 mil milhões de euros.
No campo do apoio às empresas, nomeadamente no financiamento das despesas relacionadas com o layoff simplificado, o programa Sure, no valor de 100 mil milhões de euros, lançado pela Comissão Europeia, assume uma importância fundamental. Portugal já recebeu a título de empréstimos, em condições favoráveis, 3 mil milhões de euros de um total de 5, 9 mil milhões de euros. O facto de não ter que ir buscar esse valor aos mercados financeiros irá permitir ao Estado português poupar cerca de 200 milhões de euros. Um valor significativo.
Mas para construir uma resposta mais ambiciosa, a resposta europeia teve de envolver outros atores. Os próprios Estados-membros avançaram com ajudas, mas as medidas tomadas pelo Banco Europeu de Investimento e Banco Central Europeu foram também determinantes.
O Banco Europeu de Investimento criou linhas para apoiar as PMEs que poderão vir a gerar cerca de 200 mil milhões de euros. O Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM) disponibilizou linhas de crédito com condições especiais para fazer face a todos os custos direta e indiretamente relacionados com a pandemia, o que totalizará no máximo cerca de 240 mil milhões.
O Banco Central Europeu anunciou uma série de medidas não convencionais de política monetária, mostrando que a sua Presidente não quis deixar de defender o legado de Mario Draghi de tudo fazer para salvar o Euro. A medida mais emblemática foi o programa de emergência de compra de dívida, mais conhecido como PEPP (Pandemic Emergency Purchase Programme) de 1 350 mil milhões de euros que tem contribuído positivamente para a estabilização financeira das dívidas soberanas. Uma medida complementar a outras, como a manutenção das taxas de juro, medidas de refinanciamento apoiando as condições de liquidez do sistema financeiro e a flexibilização de regras e de indicadores financeiros de modo assegurar que os bancos conseguem continuar a financiar a economia, nomeadamente as empresas.
Apesar de a política monetária ter sido a mais reativa, não podemos deixar de realçar outras medidas europeias. A Comissão Europeia criou um instrumento especial de Ajudas de Estado, flexibilizando regras e permitindo aos Estados-membros intervir na economia. E se esta medida foi indispensável, é importante criar agora mecanismos de controle e monitorização de modo a assegurar um mercado interno mais justo e equilibrado.
A flexibilização das regras orçamentais com a ativação da cláusula de derrogação de âmbito geral do Pacto de Estabilidade e Crescimento (General Escape Clause) veio também permitir aos Estados-membros mobilizar os financiamentos necessários sem olhar aos tradicionais critérios do PEC, como os relativos ao défice e à dívida. Mas temos de pensar a longo prazo, a crise económica provocada pela pandemia veio mostrar a necessidade de rever as regras orçamentais na Zona Euro. A governação macroeconómica tem-se centrado essencialmente no défice e na dívida. Estas dimensões são importantes, mas temos de trazer outras para o debate porque a Europa e o Mundo estão perante novos desafios como o crescimento das desigualdades e as alterações climáticas.
A recuperação económica e social
A economia europeia e a economia mundial estão e vão continuar a sofrer uma das piores recessões e crises económicas das últimas décadas. Os números das previsões económicas não deixam margem para dúvidas. O PIB deverá registar quedas superiores a 10% e os níveis de dívida pública irão aumentar exponencialmente colocando muitos Estados-membros em situações macro-económicas complexas.
Se as medidas tomadas permitiram assegurar a estabilidade do sistema financeiro e, em parte, das economias, o Fundo de Recuperação é agora o instrumento principal a longo prazo para os Estados-membros procederem às reformas necessárias capazes de devolver crescimento à economia europeia e permitir a recuperação económica e social da UE e dos Estados membros.
Os Estados-membros terão de apresentar os seus programas nacionais de recuperação económica e social para beneficiarem da sua parte do Fundo de Recuperação. Portugal beneficiará de uma transferência de 13,1 mil milhões de euros e o Primeiro Ministro já manifestou disponibilidade para recorrer aos empréstimos disponíveis, no segundo segmento do Fundo de Recuperação, se for possível negociar condições favoráveis para o nosso país.
Estes programas de recuperação económica e social têm linhas bem definidas e devem responder às prioridades políticas europeias como a luta contra as alterações climáticas, a transição para o digital, a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, o reforço da Europa no mundo ou o fortalecimento da democracia europeia.
Mas se o financiamento do Fundo de Recuperação será fundamental para responder ao futuro da Europa, os encargos que lhe estão associados não podem comprometer o futuro das novas gerações. O reembolso da parte do Fundo de que cada Estado-membro vai beneficiar terá de ser efetuado a partir de 2028 (e, em principio, até 2058). Este reembolso, bem como os juros da divida emitida pela CE serão pagos pelos Novos Recursos Próprios que referi no início deste texto.
Agora que foi finalmente desbloqueado o acordo em torno do Orçamento Plurianual, Regulamento do Estado de Direito e Fundo de Recuperação, agora que o Parlamento Europeu irá votar favoravelmente o Orçamento, a nossa atenção dirige-se para os Parlamentos Nacionais. É altura de estes procederem à rápida ratificação dos Novos Recursos Próprios viabilizando assim o Fundo de Recuperação.
A pandemia colocou a Europa perante novos e profundos desafios a nível económico e social. Mas a resposta à crise questionou também o funcionamento das instituições europeias e a capacidade de resposta destas e dos Estados-membros. Mas trouxe também a certeza de que quando é preciso a UE está aí, cumprindo o seu lema; “Unida na diversidade”. Mas foi também uma União unida perante a adversidade. Sim, desta vez a solidariedade europeia funcionou.
14 dezembro 2020
A resposta europeia à crise beneficiaria assim de um Fundo de Recuperação e do Orçamento Plurianual da UE (QFP 2021/2027) onde está ancorado este Fundo de Recuperação. De imediato o Parlamento Europeu mobilizou todos os esforços necessários para que atempadamente essa resposta pudesse ser construída. Aprovou a sua posição (necessária) sobre a possibilidade de criação do Fundo (viabilizando o aumento da percentagem máxima de recursos próprios) para que a Comissão Europeia pudesse emitir divida para a criação do Fundo.
Iniciou um processo de negociação com o Conselho sobre o Orçamento Plurianual para construir um acordo político que permitisse ao Conselho aprovar o QFP 2021/2027, fundamental não só para aprovar, desde logo, o orçamento da UE, mas também para criar as garantias necessárias à constituição do Fundo.
Uma negociação longa e difícil que exigiu muitas reuniões, muito trabalho de equipa, muito trabalho de bastidores. Houve avanços e recuos, houve esperança e desalento, mas no final o Parlamento Europeu conseguiu uma vitoria histórica. Ao longo destes meses, os deputados europeus nunca baixaram os braços. Como co-relatora para o QFP 2021-2027, sou testemunha do enorme trabalho que eu e os meus colegas da equipa de negociação levámos a cabo e das conquistas que alcançámos.
Pela primeira vez o Parlamento Europeu conseguiu aumentar o orçamento da UE que tinha sido acordado no Conselho Europeu. O Fundo de Recuperação, no valor de 750 mil milhões de euros, é criado, mas não à custa de um orçamento plurianual mais fraco. O PE tinha como prioridade aumentar o montante global do QFP de 1074 mil milhões de euros. Alcançámos um orçamento de 1085 mil milhões de euros, maior do que o atual para o período 2014/2020. Conseguimos um aumento de 11 mil milhões de euros em dinheiro novo, para além de outros arranjos orçamentais que efetivamente aumentam o financiamento dos programas europeus em 16 mil milhões de euros.
Este resultado da negociação permitiu-nos assim aumentar os envelopes financeiros de programas europeus essenciais para o futuro da UE e para a sua ação política. O programa saúde (EU4Health) viu o seu orçamento triplicado. O programa de investigação (Horizonte Europa) aumentou 4 mil milhões. O Erasmus em 2.2 mil milhões. O programa Direitos e Valores em 0.8 mil milhões, num momento em que valores europeus são postos em causa por movimentos radicais extremistas e antidemocráticos. O programa Europa Criativa em 0.6 mil milhões, sendo que o setor da cultura tem sido particularmente fustigado por esta crise. O programa Investe EU em mil milhões, um programa que se destina ao investimento e à criação de emprego. O programa que apoia a proteção das Fronteiras Externas da UE e a integração de imigrantes em 1.5 mil milhões. O fundo para a Vizinhança, Desenvolvimento e Cooperação Internacional (NDICI) em mil milhões. O pilar Ajuda Humanitária em 0.5 mil milhões de euros.
Conseguimos assim um financiamento acrescido para valorizar as prioridades políticas de longo prazo da UE que trazem um maior valor acrescentado europeu e que perdurarão mesmo depois da crise. Este reforço orçamental é dinheiro novo. Não envolverá assim qualquer despesa adicional para os Estados-membros, uma vez que o respetivo montante será coberto pelos recursos gerados pelas multas aplicadas normalmente a estratégias empresariais que não respeitem as regras da concorrência europeia.
Acordámos a introdução do princípio do financiamento do orçamento da UE por novos recursos próprios. O Parlamento Europeu negociou o princípio e um calendário para a entrada em vigor de Novos Recursos Próprios para financiar o orçamento da UE. Ao fim de 32 anos teremos novas fontes de financiamento na União. Estes novos recursos próprios devem ser servir pelo menos, para já, para financiar o Fundo de Recuperação - capital e juros - e deverão ser aprovados nos próximos 5 anos, até 2026, a tempo do início do reembolso do Fundo de Recuperação. Têm caráter europeu e estão alinhados com as prioridades politicas da União: a transição verde (regime de comércio de licenças de emissão) e digital (taxa sobre as grandes empresas do digital) e maior justiça fiscal e social através do combate à fraude evasão fiscal (imposto sobre as transações financeiras) e limitar as distorções da concorrência internacional (mecanismo de ajustamento das emissões de carbono nas fronteiras).
Numa segunda fase, passando estes novos recursos a integrar o orçamento da União, temos a oportunidade de eliminar a dependência do orçamento europeu de contribuições nacionais - dois terços das receitas - e passar a discutir a mais valia das políticas europeias.
Esta nova realidade pode representar um ponto de partida para modificar a estrutura de financiamento do orçamento da UE. E modificar assim substancialmente o debate político que ocorre todos os sete anos sobre o orçamento da, em que cada país verbaliza a sua contribuição para o orçamento da UE, mas não as vantagens que decorrem da sua pertença à UE.
Pela primeira vez haverá uma linha orçamental divida, correspondente aos custos da criação do Fundo de Recuperação. É uma primeira vez; uma inovação a que talvez se venha a recorrer em futuros próximos, desde já se a dimensão do impacto desta crise a isso obrigar.
Assegurámos que os custos da criação do Fundo não serão pagos à custa das politicas europeias como a Politica de Coesão ou a Politica Agrícola Comum (PAC). Com o comportamento atual dos mercados, o orçamento previsto para este efeito é manifestamente suficiente, mas o Parlamento Europeu não podia correr o risco que eventuais perturbações dos mercados levassem à solução mais fácil, ou seja recorrer às politicas mais substanciais da UE. E esse princípio ficou consagrado.
Reforçámos os poderes do Parlamento Europeu no que diz respeito ao Fundo de Recuperação. De acordo com os Tratados, o Parlamento Europeu é autoridade orçamental em matéria de despesa. Não tem os mesmos poderes em matéria de receita. Era uma ambição do PE estar envolvido nas operações relativas ao Fundo de Recuperação enquanto autoridade orçamental europeia. O Parlamento acordou um mecanismo de informação e consulta em operações de contração e concessão de empréstimos, por exemplo, o que assegura uma maior transparência e responsabilidade democrática ao sistema.
Para além disso fixámos objetivos políticos em matéria de clima - 30% do Orçamento da UE e do Fundo de Recuperação devem ser orientados para os objetivos climáticos- e 10% para a Biodiversidade - na igualdade de género e na realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.
Mas sabemos que não basta fixar objetivos para ficarmos descansados. Por isso, exigimos que a Comissão Europeia implemente processos de monitorização progressiva para que quando chegarmos ao fim do período orçamental, 2027, esses objetivos estejam efetivamente cumpridos.
Ao fim de longas e difíceis negociações o acordo político foi conseguido entre o Conselho e o Parlamento Europeu (10 de novembro). Em circunstâncias politicas normais, uma vez conseguido o acordo político passar-se-ia rapidamente à aprovação do Orçamento Plurianual. Mas não. Havia um elefante na sala: o Mecanismo Estado de Direito. O Estado de Direito, a democracia, são valores fundamentais da UE; todos os países para se tornarem membros da UE sabem que têm de respeitar este princípio. O Parlamento Europeu, preocupado com derivas totalitárias em países da UE como a Polónia ou a Hungria, tem vindo a expressar a necessidade de dispor de instrumentos mais robustos para obrigar ao respeito do Estado de Direito por todos os Estados-membros da UE. E, há já vários anos, que tem exigido a ligação do Estado Direito ao acesso ao orçamento da UE. De facto, não podemos aceitar que a contribuição dos cidadãos europeus para o orçamento da UE seja usada contra os valores e princípios da UE e não para os promover.
Perante os acordos políticos entre o Parlamento Europeu e o Conselho sobre o Orçamento Plurianual da UE 2021/2027 e sobre a criação de um mecanismo de acompanhamento do respeito do Estado de Direito, tendo obviamente como destinatários os 27 Estados membros da UE, a Polonia e a Hungria decidiram bloquear a resposta europeia à crise.
Só agora, um mês depois, o Conselho Europeu de 10/11 de dezembro conseguiu desbloquear a situação com a ameaça de criar um Fundo a 25, caso a Polónia e a Hungria mantivessem a sua posição de bloqueio. Os cidadãos europeus, que em Julho perceberam que nesta crise iria haver uma robusta resposta europeia, não entendiam que essa resposta não chegasse.
Agora, o Parlamento Europeu terá de dar o seu consentimento ao Orçamento da UE para os próximos sete anos. Irá faze-lo no dia 16 de dezembro.
Falta apenas os Parlamentos Nacionais ratificarem um dos pilares que lhes compete. Não se compreenderia que fosse criado um fundo com a dimensão do Fundo de Recuperação sem que os Parlamentos Nacionais se pronunciassem. Esperamos que esta resposta possa chegar na Primavera.
Uma resposta solidária
Como referi, este foi um processo longo e complexo, profundamente democrático e no respeito do funcionamento normal das instituições europeias. Foi mais longo do que queríamos e mais difícil do que esperávamos, mas chegou a bom termo. Mas não podemos esquecer que meses antes do acordo agora alcançado, foi necessária uma resposta imediata para salvar vidas, apoiar empresas e apoiar os Estados. Será, por isso, importante recordar o percurso feito.
A forma como as duas vagas da pandemia da Covid19 tem atingido as pessoas e a economia a nível global tem sido devastadora. Os cidadãos viram a sua mobilidade afetada e as cadeias de valor estratégico e o mercado interno foram fortemente afetados. O impacto no emprego foi fortíssimo. A capacidade de laboração das empresas ficou diminuída e muitas encerraram temporária ou definitivamente, levando a inúmeras situações de desemprego ou de layoff.
A UE não poderia deixar de dar uma resposta a curto prazo. Provavelmente todos quisemos que tivesse sido ainda mais rápida do que na realidade foi, mas o que é certo é que os cidadãos, as economias e os Estados tiveram apoios para as situações prioritárias. A médio e a longo prazo foi lançado o Fundo de Recuperação. Como referi, trata-se de um Fundo que será repartido pelos 27 Estados-membros, tendo em conta diversos critérios como a sua situação económica e o impacto que a pandemia teve no país. A repartição dos valores será concretizada através de 390 milhões de euros em transferências e de 360 mil milhões em empréstimos. Estamos a falar de uma verdadeira mutualização de dívida a proteger os países.
Não temos dúvidas de que se trata de uma resposta bem diferente daquela que recebemos aquando da crise financeira de 2007/2008. Na altura, os Estados-membros viram-se obrigados a ir por sua conta e risco aos mercados financeiros. Os mercados registaram quedas enormes e as bolsas não resistiram. Cúmplices do colapso, as agências de rating ajudaram ao aprofundar da crise em Portugal. O impacto para os portugueses e para o país foi brutal: no orçamento, na redução de direitos sociais, salários, pensões, emprego, e na capacidade de resposta dos serviços públicos. Só em 2015 é que a situação se começaria a inverter.
A nível europeu, a crise de 2007 e 2008 acentuou desigualdades entre os Estados-membros e acentuou enormes desequilíbrios no funcionamento do Mercado Interno. Agora a situação é bem diversa.
O facto de ser a Comissão Europeia a ir aos mercados proporciona aos países uma rede de segurança, protegendo-os das investidas dos mercados financeiros e das agências de rating. Uma segurança só possível graças a um dos valores fundadores da União Europeia, a solidariedade.
Salvar vidas e apoiar os países
Num primeiro tempo, esta mesma solidariedade permitiu responder aos objetivos prioritários: salvar vidas e apoiar os Estados-membros com políticas de apoio às empresas, ao emprego, à continuidade da educação e ao sistema público de saúde.
Foram tomadas decisões em tempo record e foram centenas as medidas adotadas para gerir a crise económico e sanitária. Desde o auxílio de emergência a nível médico até ao apoio prestado a empresas dos mais diversos setores, passando pela abertura de corredores verdes. Nem sempre foi fácil uma vez que nem todos os Estados-membros seguiram de forma coerente as orientações acordadas. Foi o que aconteceu, por exemplo, na mobilidade dos cidadãos no interior da UE, designadamente no espaço Schengen.
Pontes aéreas humanitárias que permitiram o repatriamento urgente de mais de 600 mil europeus retidos fora do território da UE ao mesmo tempo que se encerraram temporariamente, por razões de saúde pública, as fronteiras para viagens não essenciais. Foram criados Corredores Verdes para assegurar a livre circulação de trabalhadores considerados essenciais e o transporte rápido de bens de primeira necessidade.
Os Estados-membros puderam adquirir, em conjunto, medicamentos, ventiladores e equipamentos de proteção e puderam importar equipamentos a preços mais reduzidos com a suspensão temporária de direitos aduaneiros. Foram ainda criadas reservas estratégicas de equipamentos e possibilitou-se a transferência de doentes e transporte de pessoal e equipamentos médicos entre Estados membros.
Disponibilizaram-se recursos adicionais para projetos de investigação de combate à pandemia e iniciaram-se negociações a preços justos com possíveis produtores de vacinas, tendo até ao momento, a Comissão Europeia já aprovado seis contratos. Uma Conferência de Doadores, impulsionada pela Comissão Europeia, juntou ainda quase 16 mil milhões de euros para um fundo destinado a financiar vacinas, tratamentos e diagnósticos de Covid 19.
As instituições europeias perceberam, no entanto, que estas medidas seriam insuficientes no campo sanitário. Seria preciso um programa forte para reagir a novas crises e investir no reforço e resiliência dos sistemas de saúde. Nascia assim o EU4Health, o programa da União para a Saúde.
Depois da Comissão e do Parlamento Europeu terem proposto 9,4 mil milhões de euros até 2027 para dotação do programa, o Conselho Europeu de julho viria a propor um valor de 1. 7 mil milhões de euros. Hoje, vários meses depois, graças à enorme pressão Parlamento Europeu com o apoio da Comissão Europeia e Conselho da EU, conseguimos triplicar esse valor para os 5. 1 milhões de euros. Só um enorme reforço orçamental poderá viabilizar reservas de medicamentos e procura de vacinas e dispositivos médicos a preços acessíveis, disponibilidade e mobilização de profissionais de saúde, prevenção de doenças e promoção de saúde, investigação farmacêutica e acesso a cuidados médicos para os mais vulneráveis.
Cremos, no entanto, que este programa, o EU4Health, poderá abrir caminho para a criação de uma União para a Saúde. Defendemo-lo há muito porque a racionalização e a eficácia da UE é superior à capacidade de ação e de resposta de cada país, individualmente, na saúde, na investigação, na procura de vacinas e de tratamentos ou na inovação tecnológica dos equipamentos. Só assim será possível uma estratégia europeia coordenada e solidária capaz de antecipar e decidir rapidamente, e em conjunto, as medidas para responder de saúde pública dos cidadãos. Só assim será possível reforçar a capacidade de ação da UE junto de outros parceiros, de países terceiros ou nas organizações internacionais.
Apoiar o emprego e a economia
Mas se o objetivo prioritário era o de salvar vidas, era igualmente necessário dedicar atenção a outro setor profundamente afetado; as PME’s, pilar essencial da economia europeia. A resposta imediata veio através de dois pacotes medidas, a “Iniciativa de investimento para responder ao Coronavírus (CRII)” e, posteriormente, a “Iniciativa de Investimento para Responder ao Coronavírus Plus’’ (CRII +).
Mas fez-me mais. Os fundos estruturais viram o seu âmbito de aplicação alargado, proporcionou-se liquidez imediata e as alterações dos programas europeus e nacionais financiados por fundos europeus e a aplicação das regras da UE relativas às despesas foram claramente flexibilizadas. Deu-se luz verde à transferência entre os três fundos da política de coesão e entre as várias categorias de regiões. Tudo somado, esta flexibilização dos fundos estruturais, uma iniciativa da Comissária Elisa Ferreira, permitiu a colocação na economia europeia de cerca de 70 mil milhões de euros.
No campo do apoio às empresas, nomeadamente no financiamento das despesas relacionadas com o layoff simplificado, o programa Sure, no valor de 100 mil milhões de euros, lançado pela Comissão Europeia, assume uma importância fundamental. Portugal já recebeu a título de empréstimos, em condições favoráveis, 3 mil milhões de euros de um total de 5, 9 mil milhões de euros. O facto de não ter que ir buscar esse valor aos mercados financeiros irá permitir ao Estado português poupar cerca de 200 milhões de euros. Um valor significativo.
Mas para construir uma resposta mais ambiciosa, a resposta europeia teve de envolver outros atores. Os próprios Estados-membros avançaram com ajudas, mas as medidas tomadas pelo Banco Europeu de Investimento e Banco Central Europeu foram também determinantes.
O Banco Europeu de Investimento criou linhas para apoiar as PMEs que poderão vir a gerar cerca de 200 mil milhões de euros. O Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM) disponibilizou linhas de crédito com condições especiais para fazer face a todos os custos direta e indiretamente relacionados com a pandemia, o que totalizará no máximo cerca de 240 mil milhões.
O Banco Central Europeu anunciou uma série de medidas não convencionais de política monetária, mostrando que a sua Presidente não quis deixar de defender o legado de Mario Draghi de tudo fazer para salvar o Euro. A medida mais emblemática foi o programa de emergência de compra de dívida, mais conhecido como PEPP (Pandemic Emergency Purchase Programme) de 1 350 mil milhões de euros que tem contribuído positivamente para a estabilização financeira das dívidas soberanas. Uma medida complementar a outras, como a manutenção das taxas de juro, medidas de refinanciamento apoiando as condições de liquidez do sistema financeiro e a flexibilização de regras e de indicadores financeiros de modo assegurar que os bancos conseguem continuar a financiar a economia, nomeadamente as empresas.
Apesar de a política monetária ter sido a mais reativa, não podemos deixar de realçar outras medidas europeias. A Comissão Europeia criou um instrumento especial de Ajudas de Estado, flexibilizando regras e permitindo aos Estados-membros intervir na economia. E se esta medida foi indispensável, é importante criar agora mecanismos de controle e monitorização de modo a assegurar um mercado interno mais justo e equilibrado.
A flexibilização das regras orçamentais com a ativação da cláusula de derrogação de âmbito geral do Pacto de Estabilidade e Crescimento (General Escape Clause) veio também permitir aos Estados-membros mobilizar os financiamentos necessários sem olhar aos tradicionais critérios do PEC, como os relativos ao défice e à dívida. Mas temos de pensar a longo prazo, a crise económica provocada pela pandemia veio mostrar a necessidade de rever as regras orçamentais na Zona Euro. A governação macroeconómica tem-se centrado essencialmente no défice e na dívida. Estas dimensões são importantes, mas temos de trazer outras para o debate porque a Europa e o Mundo estão perante novos desafios como o crescimento das desigualdades e as alterações climáticas.
A recuperação económica e social
A economia europeia e a economia mundial estão e vão continuar a sofrer uma das piores recessões e crises económicas das últimas décadas. Os números das previsões económicas não deixam margem para dúvidas. O PIB deverá registar quedas superiores a 10% e os níveis de dívida pública irão aumentar exponencialmente colocando muitos Estados-membros em situações macro-económicas complexas.
Se as medidas tomadas permitiram assegurar a estabilidade do sistema financeiro e, em parte, das economias, o Fundo de Recuperação é agora o instrumento principal a longo prazo para os Estados-membros procederem às reformas necessárias capazes de devolver crescimento à economia europeia e permitir a recuperação económica e social da UE e dos Estados membros.
Os Estados-membros terão de apresentar os seus programas nacionais de recuperação económica e social para beneficiarem da sua parte do Fundo de Recuperação. Portugal beneficiará de uma transferência de 13,1 mil milhões de euros e o Primeiro Ministro já manifestou disponibilidade para recorrer aos empréstimos disponíveis, no segundo segmento do Fundo de Recuperação, se for possível negociar condições favoráveis para o nosso país.
Estes programas de recuperação económica e social têm linhas bem definidas e devem responder às prioridades políticas europeias como a luta contra as alterações climáticas, a transição para o digital, a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, o reforço da Europa no mundo ou o fortalecimento da democracia europeia.
Mas se o financiamento do Fundo de Recuperação será fundamental para responder ao futuro da Europa, os encargos que lhe estão associados não podem comprometer o futuro das novas gerações. O reembolso da parte do Fundo de que cada Estado-membro vai beneficiar terá de ser efetuado a partir de 2028 (e, em principio, até 2058). Este reembolso, bem como os juros da divida emitida pela CE serão pagos pelos Novos Recursos Próprios que referi no início deste texto.
Agora que foi finalmente desbloqueado o acordo em torno do Orçamento Plurianual, Regulamento do Estado de Direito e Fundo de Recuperação, agora que o Parlamento Europeu irá votar favoravelmente o Orçamento, a nossa atenção dirige-se para os Parlamentos Nacionais. É altura de estes procederem à rápida ratificação dos Novos Recursos Próprios viabilizando assim o Fundo de Recuperação.
A pandemia colocou a Europa perante novos e profundos desafios a nível económico e social. Mas a resposta à crise questionou também o funcionamento das instituições europeias e a capacidade de resposta destas e dos Estados-membros. Mas trouxe também a certeza de que quando é preciso a UE está aí, cumprindo o seu lema; “Unida na diversidade”. Mas foi também uma União unida perante a adversidade. Sim, desta vez a solidariedade europeia funcionou.
14 dezembro 2020
no. 01 // fevereiro 2021
Artigo
FUNDAÇÃO RES PUBLICA
A Fundação Res Publica é uma instituição dedicada ao pensamento político e às políticas públicas. À luz dos seus estatutos, inspira-se nos valores e princípios da liberdade, da igualdade, da justiça, da fraternidade, da dignidade e dos direitos humanos.
fundacaorespublica.pt
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